Comunicação espírita que fiz com os mortos no Dia de Finados, cuja finalidade é eternizar através da saudade a presença de quem se foi
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| Aqui jazem o meu pai, Antônio Luiz, o meu irmão, Dôta, o meu cunhado, Josemilton, e o meu sobrinho Filipe |
Era o Dia de Finados. Deixei as pessoas saírem do Cemitério São João Batista, na noite do último domingo, 02 de novembro, para retornar àquele campo-santo e poder 'conversar' com nossos falecidos. Já passava das 23h e ainda tinha alguns retardatários visitanto seus entes queridos, mas logo se retiraram.
Eu, enfim, estava só. Apenas os moradores do 'dormitório eterno' faziam-me companhia.
Assim como as preces feitas logo no início da noite em sufrágio dos mortos, as velas também já tinham sido acesas, não precisava que acendesse mais. Mas, conversar com as almas, era preciso. Principalmente com o meu saudoso pai, Antônio Luiz, por quem me senti fortemente abraçado, com o mesmo enlace caloroso recebido do meu sobrinho, Filipe, do meu irmão, Dôta, e do meu cunhado Josemilton, que não conseguia me explicar porque decidiu partir tão cedo, de forma trágica, como tragicamente também partiu o seu filho. Fiquei curioso, naquele momento, pelo fato de não haver tristeza entre eles. Isso me deu uma vontade enorme de ali também ficar para sempre, fugindo do 'mundo dos vivos'.
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| Túmulo do ex-prefeito Dalmo Teixeira e da sua esposa, a ex-primeira dama Maria de Lourdes Florentino |
Antes de chegar ao túmulo da família, passei em frente ao jazigo do maior político da história de Juru, o Capitão Dalmo Teixeira, homem íntegro e muito respeitado, ainda hoje reverenciado pelos juruenses e por todos que o conheceram. Cumprimentei-o, com um aceno apenas, sem esquecer que um dia me dissera que eu em minha juventude se assemelhava a ele quando jovem.
A demora maior, no entanto, foi nos sepulcros dos meus familiares, onde 'residem' meus avós paternos e maternos, além dos tios, primos e outros parentes mais próximos. Foram tantas as conversas entre nós, que mais parecia que estávamos numa festa. Aliás, era a 'festa dos mortos', com minha presença como exceção!
Ali, muito diferente do mundo aqui fora, reina a boa vizinhança e ausência de conflitos, onde não há espaço para intrigas ou discordâncias de qualquer natureza. Exemplo disso, foi o sentimento de contentamento do ex-prefeito Antônio Alves, feliz por saber que nenhum resquício de indiferença política existia entre eu e suas duas filhas, Maíza e Fátima, nem tampouco com o seu neto, Marquinhos.
Em outros túmulos próximos ao do meu pai estão os do ex-prefeito Miguel Ramos, os dos ex-vice-prefeitos Dó Paulino e Miguel Cândido, além dos ex-vereadores Jóca da Torre, Sebastião Pedro, Édson Galdino e João da Oficina. Entre eles, o assunto predominante é sobre a política juruense e o bem comum da nossa gente.
De repente, alguém me abraça por trás com a mesma 'frescura' de antigamente. Era o ex-carcereiro Zé Gordo, nosso vizinho em Juru, amigo e compadre do meu pai. Estava acompanhado do seu filho, o sanfoneiro Zé Deinha, e outra curriola com a mesma animação dos dois. Entre outras coisas que queria saber 'daqui de nós', Zé Gordo perguntou-me se Paulo, o filho endinheirado que tem pavor de casamento, já tinha perdido o 'medo do altar'.
Elegante e muito educado, como sempre foi, veio ao meu encontro Sebastião Severo, o rapaz mais rico da região em tempos idos e muito cobiçado pelas moças de então, mas que foi encontrar a sua 'cara metade' na cidade de Patos. Sebastião era filho do primeiro prefeito do município de Juru, Manoel Carneiro da Silva (Manoel Severo). O seu sepulcro fica próximo ao de Antônio Galdino e do seu filho, Zé Nildo, cuja fineza, de ambos, é tão requintada quanto a de Sebastião Severo - ou mais, ainda!
Em seguida, vi uma rodinha onde se encontrava uma turma que não falava outro assunto, senão sobre futebol. Preferi, no entanto, passar por longe para não me alongar por mais tempo ali dentro. Antes, porém, 'Zelito Sebosa' me perguntara se Ailson ainda estava sendo escalado para jogar pelo América, time juruense cujas partidas ele narrava. Já o ex-vereador Manoel Jerônimo só falava em 'Walter meu', enquanto o ex-vereador Dada de Camilo queria saber se os 'meninos de João de Lucas' estavam cuidando bem da equipe por ele comandada por muitos anos. O bom ponteiro direito Zé Dalton (Zezinho Rocha), também ex-vereador, perguntou-me apenas se Odon já estava recuperado da cirurgia que fora submetido.
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| Ainda sem nenhum 'morador', o túmulo construído por Argemiro Simão teve a tampa quebrada pelos vândalos. Argemiro foi sepultado em São Paulo, onde estava residindo. |
Ainda tive tempo de ver a ação dos vândalos ao passar em frente ao túmulo de Argemiro Simão. O jazigo dele previamente construído em vida ainda está vazio. Ele foi sepultado em São Paulo, cidade para onde se mudara com a finalidade de ficar próximo aos filhos que lá residem.
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| Sepulcro dos comerciantes Cícero Marques e Chiquita, casal muito querido pelos juruenses |
Já me aproximando da saída do cemitério, cumprimentei Cícero Marques e Chiquita, casal muito querido em Juru, donos de uma bodega e de uma farmácia na época que comprimido ainda se chamava cachete.
Antes de sair, ainda deu tempo de abraçar Zé Belarmino, o relojoeiro que a Covid não deixou que ele visse a filha ser eleita prefeita. Mas percebi o orgulho dele pelo sucesso da ilustre filha.
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| Jazigo do relojoeiro Zé Belarmino, pai da prefeita Solange Félix, que morreu vítima da Covid-19 |
Era muita gente querendo conversar comigo para saber as novidades da terrinha, que uma noite só não seria suficiente para tanto. Contudo, já passava da meia-noite e eu precisava ir embora. Precisei gritar para que alguém me ouvisse e chamasse o porteiro do cemitério para abrir o portão. Ele não sabia, pois, que eu ainda estava ali dentro.
Saí, finalmente, prometendo que iria voltar qualquer um dia desses para outra visita - antes de também me tornar também um morador do campo-santo que um dia abrigará a todos nós!
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| A morte ainda é um dos maiores mistérios da vida. É inevitável nos questionarmos por que precisamos nos despedir de alguém que amamos, ou mesmo temer nosso próprio fim. |