Em 40 anos, percentual de obesidade em crianças e adolescentes aumentou 8 vezes

A
epidemia de obesidade que avança pelo mundo começa bem mais cedo do que
o imaginado. No maior estudo epidemiológico sobre o tema, pesquisadores
liderados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Imperial
College de Londres descobriram que o percentual de crianças e
adolescentes obesos aumentou oito vezes em quatro décadas. A tendência
só deve piorar: ano a ano, meninas e meninos ficam mais gordos, um
padrão especialmente verdadeiro nos países em desenvolvimento. No ritmo
de hoje, as estatísticas apontam que, em 2022, haverá mais pessoas de 5 a
19 anos obesas que com peso abaixo do ideal.
Já se sabia que a obesidade rondava crianças e jovens, mas, até hoje, o
que se tinha eram estimativas em cima de um ou outro estudo nacional.
Pela primeira vez, a OMS conseguiu juntar dados de 31,5 milhões de
pessoas nessa faixa etária, fornecidos por mais de mil colaboradores de
200 países. Com um histórico começando em 1975, os pesquisadores
avaliaram, ano a ano, a evolução do ganho de peso. Há quatro décadas, as
curvas jamais deixaram de ascender, em todo o globo. Desde a década de
2000, os países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, começaram a
reduzir o ritmo de crescimento, embora a incidência da obesidade entre
jovens continue aumentando. Ao mesmo tempo, na América Latina e nas
ilhas da Polinésia e da Micronésia, o problema ainda está muito
acelerado. Em alguns países do Pacífico, mais de 30% das crianças e dos
adolescentes estão obesos.
Globalmente, as taxas da obesidade saltaram de menos de 1% para quase 6%
(meninas) e 8% (meninos). Em números, são 124 milhões de pessoas de 5 a
19 anos com índice de massa corporal (IMC) condizente com essa
condição, contra 11 milhões, registrados em 1975. O Brasil está acima
das médias mundiais. Enquanto na década de 1970 apenas 1% das garotas e
0,9% dos garotos estavam obesos, em 2016 eles representavam 9,4% e 12,7%
dessa faixa etária, respectivamente.
Além dos dados de crianças e adolescentes, o estudo da OMS, publicado na
revista The Lancet, incluiu estatísticas de 97,4 milhões de adultos. Na
população acima dos 20 anos, o número de obesos saltou de 100 milhões
em 1975 (69 milhões de mulheres, 31 milhões de homens) para 671 milhões
em 2016 (390 milhões de mulheres e 281 milhões de homens). O recado,
segundo Jamily Drago, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia e médica da clínica Metasense, é: “Essa criança obesa vai
virar um adulto obeso, com todos os problemas de saúde associados, como
doenças cardiovasculares, intolerância à glicose, colesterol alto e
disfunção hepática, e que, muitas vezes, terá de recorrer ao extremo da
cirurgia bariátrica, o que é muito dramático, principalmente em
pacientes jovens”, diz.
Diabesidade
O endocrinologista da Corpometria Flávio Cadegiani, membro da Associação
Brasileira para Estudos da Obesidade (Abeso) e da The Obesity Society,
entre outras entidades médicas, prevê uma catástrofe para a saúde
pública. “Podemos prever uma epidemia de diabetes em breve”, diz. A
relação entre as duas condições já está tão fortemente determinada que
hoje se fala em diabesidade, a simultaneidade quase padrão desses
problemas. “Sem exagero, a obesidade será a responsável pelo colapso da
saúde pública”, acredita. Para o médico, as medidas contra o avanço do
excesso de peso devem ser igualmente drásticas. “É necessário ter leis
de restrições iguais às existentes para álcool e cigarro, aumentando
impostos dos industrializados e subsidiando os alimentos integrais”,
acredita.
Em nota, Fiona Bull, coordenadora de programa de prevenção de doenças
crônicas da OMS, afirmou que os dados “lembram e reforçam que o
sobrepeso e a obesidade são uma crise na saúde global, ameaçada de
piorar nos próximos anos, a não ser que se tomem ações drásticas”. Um
outro documento divulgado pela organização oferece subsídios para os
países implementarem um plano de ação para acabar com a obesidade
infantil. “Os países devem se empenhar, particularmente, em reduzir o
consumo de alimentos baratos, pobres em nutrientes, ultraprocessados e
densos em caloria. Eles também deveriam reduzir o tempo que as crianças
passam na frente das telas e em atividades de lazer sedentárias,
promovendo maior participação em atividades físicas por meio de
recreação e esportes”, emendou Bull.
A endocrinologista Jamily Drago destaca que, no Brasil, o Guia Alimentar
para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, já traz uma série
de importantes recomendações para se combater a obesidade e a má
nutrição. “É muito bom, mas, infelizmente, ele só fica na teoria e não é
colocado em prática. No Brasil, falta educação, e é educação que leva à
saúde”, afirma.
Dois extremos
O estudo epidemiológico da OMS e do Imperial College de Londres
evidencia dois extremos da saúde infantojuvenil: apesar da incidência
galopante da obesidade, 75 milhões de garotas e 117 milhões de meninos
estão moderadamente ou severamente abaixo do peso. Segundo os
pesquisadores, isso reflete os dois lados da má nutrição, em que jovens
obesos e abaixo do peso convivem nas mesmas comunidades.
O endocrinologista Flávio Cadegiani, porém, alerta que, nos países
asiáticos, a contagem de pessoas com peso abaixo do ideal pode estar
superestimada. “Existe um componente étnico. Na população amarela, um
índice de massa corporal de 18 a 23 (considerado baixo) poderia ser
considerado normal”, observa.
Combate passa pela família
Sem a participação da família e da comunidade, todo o esforço para
conter a obesidade infantil será infrutífero, diz o psicólogo Vladimir
Melo, autor do livro Obesidade infantil: interações familiares e ciclo
de vida numa perspectiva sistêmica. O especialista, que conduz uma
pesquisa sobre esse tema na Universidade Católica de Brasília, lembra
que, ao se falar em combate à obesidade, o meio em que a criança vive é o
único fator sobre o qual é possível intervir.
“A obesidade aborda componentes metabólicos, genéticos e ambientais. O
que podemos mudar é o ambiente”, diz. “Quem compra a comida, quem
desenvolve os hábitos, e não só na questão da alimentação, é a família.
Por isso, nos interessamos em olhar não só o presente, mas a relação
histórica dessa família com a alimentação, mesmo antes dessa criança
nascer”, conta. De acordo com Melo, além disso, é necessário investigar
as regras familiares. “A criança que não tem regra em casa não será
regrada para a alimentação. O tipo de alimentação é reflexo da falta de
limites.”
Refeições na rua
Com os pais cada vez mais ocupados no trabalho, a família se reúne cada
vez menos em torno da mesa, como acontecia nas décadas de 1970 e 1980. O
psicólogo lembra que esse hábito deixou de ser rotina, ao mesmo tempo
em que cada um almoça onde pode e quer — inclusive, as crianças. “Na
rua, elas vão comer salgado, hambúrguer, tomar refrigerante. Apesar de
existirem algumas iniciativas para introduzir alimentos mais saudáveis
nas escolas, muitas vezes, as crianças já levam os industrializados de
casa”, afirma.
O psicólogo destaca também que as novas dinâmicas familiares dificultam a
manutenção de uma alimentação consistente. “A criança convive em vários
ambientes. Na casa da mãe, do pai, dos avós”, diz. Esses últimos,
aliás, são objeto de pesquisa da tese de doutorado de Vladimir Melo que
está em andamento. Ele quer descobrir como os avós estão contribuindo
para o aumento da obesidade infantojuvenil. (PO)
Palavra de especialista
“O Brasil está em uma posição mediana entre os 200 países: meninas na
79ª, e meninos na 73ª. Mas o que me preocupa é a tendência do aumento da
obesidade infantil, que é muito rápido. Acredito que isso só vá piorar
porque, no país, estamos seguindo uma alimentação muito rica em
calorias, ao mesmo tempo em que houve uma diminuição da atividade
física. Com a urbanização, a atividade física no trabalho diminuiu,
assim como o deslocamento a pé ou de bicicleta, até mesmo por questão de
segurança. Também há a questão do lobby da indústria de alimentos no
Congresso Nacional. Já houve várias tentativas de regulamentar o
marketing de produtos como salgadinhos e fast food para a população
infantil. No Brasil, você tem propaganda desses produtos diretamente
para crianças; você vai à lanchonete e ganha um brinquedo. Por que o
país taxa cigarro e não taxa produtos obesogênicos? O México conseguiu
uma redução substancial no consumo da Coca-Cola, sobretaxando a bebida.
Devia acontecer a mesma coisa aqui. Mas temos uma inatividade que não é
por acaso: é o lobby fortíssimo da indústria alimentícia.”
PB Agora com OMS
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