Aos 57 anos, Brasília vive transformação de projeto urbanístico original
Brasília – Palácio do Planalto |
Cenário das principais disputas políticas do país, a
capital dos brasileiros completa 57 anos nesta sexta-feira (21).
Planejada pelo urbanista, arquiteto e professor Lúcio Costa em 1957, por
meio de dois traços que representavam Sul e Norte, concebeu os eixos do
projeto e apresentou o Plano Piloto da nova capital do Brasil,
inaugurada em 21 de abril de 1960.
A Agência Brasil ouviu o
professor de projetos de arquitetura e urbanismo da Universidade de
Brasília (UnB) Cláudio Villar de Queiroz, sobre os principais elementos
arquitetônicos – atuais e passados – da capital federal. O professor
trabalhou com Oscar Niemeyer por dez anos e é conhecedor do projeto
original de Lúcio Costa.
Morador de Brasília há 56 anos, Queiroz defende a
manutenção da essência da capital como “Cidade Parque”. Para o
professor, a filosofia do Plano Piloto, onde há uma integração entre os
edifícios e a natureza, corre risco com a portaria 166/2016, do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A medida
substitiu outra normativa, escrita sob a supervisão do próprio Lúcio
Costa. Se por um lado o documento reafirma princípios da proposta
original da cidade, como as escalas e a estrutura urbana do Plano
Piloto, por outro, permite o uso residencial em lotes à beira do Lago
Paranoá, libera a criação de lotes no Eixo Monumental e admite a
instalação de pequenos comércios entre prédios da Esplanada dos
Ministérios. Para o professor, a legislação pode tranformar Brasília em
uma “cidade qualquer”. Na entrevista, ele analisa qual é o futuro
urbanístico da cidade e lembra os princípios do projeto de Lúcio Costa .
Confira:
Planejamento de transferência da capital federal
O Catetinho foi a primeira residência oficial do presidente Juscelino Kubitschek na capital |
A mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília
era uma questão estratégica e foi um plano nacional, civilizatório, uma
expectativa dos primeiros brasileiros ainda no século 16, de que a
capital do Brasil tinha que ser no centro do país.
Brasília responde, do ponto de vista de planejamento
nacional, como a primeira cidade do mundo que fez o estudo de impacto do
meio ambiente mais severo e mais amplo. Isso é muito interessante para
Brasília e a resposta é o tombamento como Patrimônio Cultura da
Humanidade, a primeira capital moderna do mundo em que acontece isso. É
uma condição muito interessante para nós, arquitetos, olharmos Brasília
por esse viés. É mais forte do que nós, é a nossa certidão de nascimento
da civilização brasileira.
Plano Piloto
Rodoviária do Plano Piloto, localizada na área central do "avião" de Lúcio Costa |
Lúcio Costa dizia que o que interessava no momento
era mudar a capital, ter as necessárias edificações para que essa nova
capital funcionasse e para que o povo se abrigasse e viesse para cá.
Essa atribuição era o que delimitava a construção da nova capital. Ele
completa, inclusive, que todo aquele planejamento para a cidade se
desenvolver seria feito a seguir. Então, a parte do Plano Piloto foi
feita no concurso e posteriormente construída no que se tornou Brasília.
E depois que foi crescendo, deveria ter sido objeto de um planejamento,
pelo menos, análogo ao inicial. Mas isso se deu de outra maneira, acho
que dentro da forma que pôde ser, dentro da realidade.
Brasília foi criada para abrigar uma determinada
polução. Quando a gente fala em população se adota o entorno imediato e
chega-se atualmente a quase 4 mihões de habitantes, Mas quando se fala a
respeito dessa grande população, é importante esclarecer um equívoco. O
Plano Piloto foi planejado para ter 500 mil habitantes, o que ainda não
existe nessa região. Há muitas áreas para serem complementadas.
Renovação e conservação
Superquadra 305, na Asa Sul |
No meu entendimento, a portaria escrita sob a
supervisão de Lúcio Costa, referente ao tombamento local e nacional,
apresentava como se deve respeitar o Plano Piloto. A nova determinação
do Iphan jogou de lado o que havia sido produzido e criou uma coisa
gigantesca para todo o Distrito Federal. Do ponto de vista da
preservação da cidade, permite que Brasília seja levada como uma cidade
qualquer. De fato existe na preservação de Brasília essa dialética entre
"uns e outros". Tem uns que acham que Brasília tem que ser preservada,
mas tem outros pensam que ela tem que evoluir como uma cidade qualquer e
ser derminada pelo mercado imobiliário e todas essas leis que fazem
esses espaços urbanos se tornarem o que são. Em Brasília, há uma
expectativa de que o mercado disponha de mais recursos e essa nova lei
facilita, de certa maneira, que se torne uma cidade mais comum nessa
ordenação.
Essa invenção da Superquadra, que é fantástica e se
tem tudo ao seu alcance em 200 metros a pé, são expectativas que correm
risco e isso é realmente um aspecto a lamentar. Mas não podemos viver
lamentando Brasília, do que tinha que ser e não vai mais ser. A gente
precisa apresentar o que ela tem de compensador, que é essa condição de
“Cidade Parque”. O que é péssimo nessa nova legislação é que ela vai
comendo pelas beiradas, permitindo demais, e não existe uma defesa
ativa.
Cidade em construção
Ermida Dom Bosco |
Brasília está se constituindo ainda. Atualmente, a
cidade com quase 60 anos nos mostra que temos que ter noção dessa
contínua construção, renovação. E em Brasília tudo é possível, ao
contrário do argumento de engessamento. Esse temo parece que a cidade
está doente, mas ela é extremamente saudável ao lado de diversas cidade
do mundo. Você pode derrubar qualquer prédio de Brasília e construir
outro, basta se respeitar a proporação da escala em que ele está
inserido. O saudável para Brasília é justamente esse equilíbrio entre a
renovação e a preservação.
A cidade é interessante porque a arquitetura é
fundamentada nesse tripé: racionalidade, funcionalidade e estética. O
arquiteto trabalha com essa formação. Hoje em dia eu vejo que essas três
coisas podem ser alteradas. Brasília é admirada pelo erudito e pelo
temporal. Ela é extremamente brasileira, mas é cosmoplita.
A cidade pode ser preservada e as pessoas que
voltarem aqui reconhecerão a cidade pelo seu horizonte, pelo céu.
Enquanto a cidade estiver preservada dentro de sua escala e proporção, a
cidade vai estar muito bem. Se for preservada como quem quer colocar um
cubo de gelo na geladeira, ela vai ficar artificial, inodora,
deserotizada. Se ela for respeitada nessa condição fundamental, sendo
preservada nos seus aspectos essenciais. Se não, ela pode se transformar
em qualquer centro histórico.
Entorno
Taguatinga, cidade do entorno do Plano Piloto |
Não acredito que o entorno possa se tornar uma
catástrofe do tipo Águas Claras [região administrativa do entorno], que
vem como uma serpente invadir o Plano Piloto. Não acho que tudo que
possa acontecer de ruim esteja das portas do Plano Piloto para fora.
Gostaria que as cidades do entorno mirassem um pouco na condição digna
de Brasília, onde você tem o edifícios quase embriagados em uma tormenta
de verdor, com a natureza ao redor, como um navio no meio do mar e a
água em volta.
Lúcio Costa criou, o que não estava previsto no
planejamento original, as quadras residenciais chamadas de 400 [sem os
famosos pilotis] que também previa receber aquela população de
servidores mais simples que vinham do Rio de Janeiro para trabalhar e
que o padrão Plano Piloto não permitia. Então, ele criou essas quadras
400, que são verdadeiros padrões de dignidades porque, apesar de
simples, o espaço urbano é muito favorável à convivência humana, à
criação de um filho. Não sei porque as pessoas começam a liberar geral
como aconteceu com o Guará, Taguatinga. Há teses que dizem que não se
queria que fizesse nada parecido com as superquadras, fora do Plano
Piloto porque iam desfigurar a imagem da cidade. Isso não faz sentido,
Brasília foi feita para ser vista não como um objeto dentro de uma
redoma, mas como algo que orienta, determina uma condição humana e nisso
ela foi muito bem sucedida, porque a qualidade de vida não deixa de ser
boa.
Morar em Brasília é uma experiência humana
fundamental, tenho amigos que vieram de várias cidades do Brasil e se
encantam com a cidade. Filhos de militares resistem a sair do Rio de
Janeiro para passar três anos aqui, mas o tempo passa e eles não querem
mais sair porque a cidade é aprazível. Acho que as cidades do entorno
deviam tentar captar um pouco da qualidade, desse índice de
desenvolvimento urbano que Brasília tem, do que tentar imitar as cidades
tradicionais, que não é uma coisa correta. A tradição vem com o tempo, e
ela não é uma coisa a ser evitada.
Agência Brasil
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