Em prece solitária, Papa Francisco concede indulgência plenária ao mundo pela pandemia de Coronavírus
O
Papa Francisco rezou nesta sexta-feira (27) sozinho diante da imensa
praça de São Pedro vazia e deu a bênção e a indulgência plenária ao
mundo pela pandemia de coronavírus que o assola. Não há registro de
gesto semelhante na história do Vaticano.
Foi um ritual inédito, durante o qual ele deu a bênção “Urbi et Orbi” (à cidade e ao mundo) a todos os fiéis.
A
bênção permite que mais de 1,3 bilhão de católicos obtenham a
indulgência plenária, ou seja, o perdão de seus pecados, em um momento
tão difícil, com medidas de confinamento que afetam mais de 3 bilhões de
pessoas.
A bênção extraordinária Urbi et Orbi é a mesma que os
pontífices costumam transmitir apenas em 25 de dezembro e no domingo de
Páscoa, datas em que se lembra o nascimento e a morte de Jesus.
A
imagem do chefe da Igreja católica orando sozinho diante da imensa
esplanada pelo fim da guerra contra um inimigo invisível é quase
cinematográfica.
‘Um mundo doente’
Na oração,
o papa ressaltou a avidez pelo lucro, que fez com que muitos não
despertassem face a guerras e injustiças planetárias. “Não ouvimos o
grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo”, disse.
“Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num
mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te:
‘Acorda, Senhor!'”, rezou.
Ele também aproveitou para valorizar aqueles que estão se dedicando a cuidar dos doentes.
“É
o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E
podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo,
reagiram oferecendo a própria vida… É a vida do Espírito, capaz de
resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e
sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não
aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes
passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a
escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos,
enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da
limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários,
sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam
que ninguém se salva sozinho…”, prosseguiu.
Veja o vídeo:
Um evento extraordinário
“Se trata de um evento extraordinário presidido pelo papa, em um
momento específico, quando o mundo cai de joelhos pela pandemia. Um
momento de graça extraordinária que nos dá a oportunidade de viver esse
tempo de sofrimento e medo com fé e esperança”, explicou o Vaticano em
uma nota.
Desde que a epidemia de coronavírus eclodiu na Europa, o
Papa Francisco se pronunciou em várias ocasiões, lembrando em
particular dos médicos e enfermeiros, que estão na linha de frente da
luta, e pedindo aos padres para acompanhar os doentes e moribundos.
Francisco,
que teve que limitar suas ações e agenda para evitar possíveis
contágios, se prepara para celebrar a primeira Semana Santa da era
moderna, sem fiéis nem procissões.
Na quinta-feira, dois jornais
italianos noticiaram que o pontífice teve teste negativo para o
coronavírus. O pontífice foi submetido a um teste na quarta-feira (25),
após a descoberta no mesmo dia de um caso de contaminação de um
religioso que vive na mesma residência há anos, de acordo com os jornais
“Messagero” e “Fatto Quotidiano”.
Texto integral da bênção “Urbi et Orbi” de 27 de março
“Ao
entardecer…” (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que ouvimos. Desde
há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas
cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas
vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que
paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos,
dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos
discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade
inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos
frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários:
todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento.
E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma
só voz, dizem angustiados “vamos perecer” (cf. 4, 38), assim também nós
nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada qual por
conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro… E que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus a dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento e as águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (4, 40).
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro… E que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus a dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento e as águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (4, 40).
Procuremos
compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos, que se
contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois
invocam-No; mas vejamos como O invocam: “Mestre, não Te importas que
pereçamos?” (4, 38) Não Te importas: pensam que Jesus Se tenha
desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias,
uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: “Não te importas de mim”. É
uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado
também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais de nós do que Ele.
De fato, uma vez invocado, salva os seus discípulos desalentados.
A
tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as
falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas,
os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como
deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à
nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os
propósitos de “empacotar” e esquecer o que alimentou a alma dos nossos
povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente
“salvadores”, incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a
memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária
para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a
maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso “eu” sempre
preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais,
aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a
pertença como irmãos.
“Porque sois tão medrosos? Ainda
não tendes fé?” Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a
todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda
velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de
lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não
nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e
injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso
planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que
continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós,
sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: “Acorda, Senhor!”
“Porque
sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Senhor, lanças-nos um apelo,
um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo
vir a Ti e fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente:
“Convertei-vos…”. “Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração” (Jl 2,
12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de
decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de
decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo
que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e
aos outros. E podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares,
que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do
Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a
vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas
vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente
esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem
nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem
dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história:
médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados,
pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais,
voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que
compreenderam que ninguém se salva sozinho. Perante o sofrimento, onde
se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos, descobrimos e
experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: “Que todos sejam um só” (Jo
17, 21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem
esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade!
Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças,
com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma
crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração!
Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A
oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
“Porque
sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” O início da fé é reconhecer-se
necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos
afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das
estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida.
Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo,
experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque
esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece,
mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com
Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e,
no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a
solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado
a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para
acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz,
fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma
esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e
ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que
nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta
de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele
ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a
encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a
reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não
apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e
deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz
significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora
atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de onipotência e
possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de
suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos
possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de
fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a
esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as
medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a
salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a
força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
“Porque
sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Queridos irmãos e irmãs, deste
lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos
confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do
seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e
o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus.
Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações!
Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos
temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade.
Continua a repetir-nos: “Não tenhais medo!” (Mt 14, 27). E nós,
juntamente com Pedro, “confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque
Tu tens cuidado de nós” (cf. 1 Ped 5, 7).
Fonte: G1
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