Fim do programa Mais Médicos: dobram pedidos de refúgio de cubanos no Brasil
Dois meses após o anúncio da saída de Cuba do programa, cidadãos do país que ficaram no Brasil buscam meios de se manter e se regularizar
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Os últimos dois meses têm
sido de espera para a cubana Doraisy Perez. Desempregada desde o fim da
participação de Cuba no Mais Médicos, ela aguarda notícias de vagas não
preenchidas por brasileiros no programa, distribui currículos e aguarda
respostas de empresas.
"Não queria voltar, nem tinha como enviar todas as minhas
coisas de volta para Cuba", diz ela, que em dezembro entrou com pedido
de refúgio para tentar obter documentos, como carteira de trabalho.
Entre
os motivos da escolha pelo refúgio, estava o receio de perder em breve o
visto temporário devido ao fim do contrato e uma sinalização do então
presidente eleito, Jair Bolsonaro, que declarou que daria asilo aos
profissionais. "Vivemos uma incerteza. O presidente falou que ia dar
asilo para todo mundo, mas até agora não manifestou."
Dois meses
após o anúncio da saída de Cuba do programa, cubanos que ficaram no
Brasil buscam meios de se manter e se regularizar.
Levantamento
feito pela Folha de S.Paulo a partir de dados do Conare (Comitê Nacional
para Refugiados) aponta aumento nos pedidos de refúgio da nacionalidade
após o fim da participação no programa.
Em novembro, foram 321
pedidos. Já em dezembro, foram 400, quase o dobro de alguns dos meses
anteriores, quando o número de solicitações variou entre 146 até 257 ao
mês. Para comparação, nos últimos dois meses de 2017: 135 e 114 pedidos,
respectivamente.
Questionado, o Conare não informa quanto dos
pedidos feitos pelos cubanos são de médicos que atuavam no Mais Médicos.
A justificativa é que os casos correm sob sigilo.
Representantes
do Ministério da Justiça ouvidos pela reportagem, porém, afirmam que o
fim dos contratos é um fator a ser considerado nesse cenário.
"O
ministério não dá informações sobre casos concretos. Contudo, também não
é possível ignorar a realidade fática. É sabido que vários cubanos do
Mais Médicos não retornaram e foram tidos como desertores", diz o
coordenador do Conare, Bernardo Laferté.
"Por isso pode ser
possível inferir que esse aumento tenha correlação com o fim do
programa, até porque ocorreu na sequência do rompimento do contrato com
Cuba."
Atualmente, a lei afirma que podem ser reconhecidos como
refugiados pessoas que entendam serem vítimas de fundado temor de
perseguição em razão de raça, religião, nacionalidade e opiniões
políticas no seu país de origem.
O pedido é feito à Polícia
Federal, que o encaminha ao Conare. Em média, a espera para resposta
leva dois anos. Até lá, o simples protocolo já indica alguma proteção.
Com ele, o estrangeiro não pode ser considerado em situação irregular
nem ser extraditado. Enquanto isso, pode ter acesso a alguns documentos,
como a carteira de trabalho.
Médicos, porém, só podem atuar na
profissão se aprovados em exame de revalidação de diploma no Brasil
-ainda não há data de quando a próxima prova deve ocorrer.
"Muitos
nos chamam de traidores. É doloroso ouvir isso de gente do seu próprio
país", afirma uma médica cubana que pede para não ser identificada por
medo de represálias à família em Cuba.
Segundo
ela, a opção por não voltar a Cuba os torna impedidos de entrar no país
por oito anos. Um prazo que já era conhecido, diz.
O problema são
as novas dificuldades enfrentadas nos últimos dois meses. Ainda sem
emprego, a médica diz sobreviver com cestas básicas doadas pela
prefeitura.
Em
grupos de Whatsapp e Telegram, a cubana mantém contato com centenas de
outros profissionais. A médica diz que assim como ela, seus compatriotas
estão desamparados e sem dinheiro para se manter no Brasil.
Apesar
do aumento nos pedidos por refúgio, dados do Conare apontam que tem
sido baixa as concessões para cubanos nos últimos anos. Até 2017, 60
cubanos viviam no Brasil refugiados. Em 2018, até outubro, 42 obtiveram o
reconhecimento desta situação.
Nos últimos oito anos, foram 6.720
pedidos, número que começou a aumentar em 2016, em parte por uma nova
rota de cubanos vindos pela Guiana e Roraima.
Laferté, porém,
lembra que boa parte pede o refúgio por segurança e fica no país só de
passagem, não sendo mais localizado pelas entidades.
Em
dezembro, dados mostram que o maior número de pedidos não veio de
Roraima como em outros meses, mas de São Paulo, o que reforça a
possibilidade de que o aumento recente esteja associado a outros
fatores, como o fim da parceria no Mais Médicos.
Em alguns casos,
segundo os médicos, a solicitação de refúgio tem sido feita com apoio de
prefeituras e OABs locais, além de associações críticas ao regime de
Cuba.
É o caso, por exemplo, da Anajure (Associação Nacional de
Juristas Evangélicos), que lançou um comunicado em novembro dizendo que
prestaria assistência gratuita a cubanos que desejassem entrar com
pedido de refúgio.
Para o advogado Carlos Michaelis Jr., membro da
comissão de direito médico da OAB-SP, o fato de Bolsonaro ter prometido
apoio a cubanos em novembro indica que os pedidos tendem a ser aceitos.
"Se
o próprio presidente diz que deve dar o refúgio, não há como negar",
afirma ele, que diz ter apoiado cinco cubanos em dezembro a preencher a
solicitação.
Entre médicos, porém, não há essa mesma certeza. Uma
médica que entrou com pedido de refúgio em 29 de novembro, e também pede
anonimato por medo de represálias, diz que não acreditou e decidiu agir
por conta própria.
Assim que soube da saída do programa, ele
pegou um dinheiro que havia guardado, pagou o aluguel e seguiu de carona
com a prefeitura para São Paulo, onde hoje vive com outros quatro
cubanos.
Não sabe, porém, por quanto tempo poderá se sustentar. Desempregada,
ela diz que apesar de estar estudando para o Revalida,não sabe como fará
pois não tem dinheiro pra fazer a prova.
Brasil ao Minuto com informações da
Folhaparess
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