Ginecologista e ex-escrava sexual: Nobel premia heróis da luta contra a violência sexual
AFP/Arquivos / JOEL SAGET, MARK WILSON |
O
ginecologista congolês Denis Mukwege e a ex-escrava sexual yazidi Nadia
Murad são os vencedores do Prêmio Nobel da Paz de 2018 por seus
“esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra”
nos conflitos.
Denis Mukwege, médico de 63 anos, e Nadia Murad,
vítima de 25 anos do grupo extremista Estado Islâmico (EI), que se
tornou porta-voz de uma causa, encarnam uma causa planetária que supera o
âmbito dos conflitos, como evidencia o movimento #MeToo, iniciado há
exatamente um ano por revelações da imprensa sobre casos de abuso
sexual.
“Denis Mukwege e Nadia Murad arriscaram suas vidas,
lutando corajosamente contra os crimes de guerra e pedindo justiça para
as vítimas”, afirmou a presidente do Comitê Nobel, Berit Reiss-Andersen.
– O homem que “conserta” mulheres –
Denis
Mukwege já atendeu 50.000 vítimas de estupro no hospital de Panzi, que
ele fundou em 1999 em Bukavu, leste da República Democrática do Congo
(RDC).
“O homem que conserta mulheres” – título de um documentário
sobre o seu trabalho – estava em uma cirurgia quando recebeu a notícia
sobre o Nobel.
“Estava na sala de operações (…) de repente
entraram algumas pessoas e me deram a notícia”, disse Mukwege ao jornal
norueguês VG.
O médico afirma que as violências sexuais são “armas de destruição em massa”.
“Temos
que traçar uma linha vermelha contra a arma química, biológica,
nuclear. Hoje temos que traçar uma linha vermelha contra o estupro como
arma de guerra” declarou à AFP em 2016.
A iraquiana Nadia Murad, da minoria yazidí, viveu na própria pele os horrores.
Como milhares de meninas e mulheres de sua comunidade, a jovem foi escrava sexual do EI em 2014, antes de conseguir fugir.
“A
primeira coisa que fizeram foi nos forçar a uma conversão ao Islã.
Depois fizeram o que queriam”, afirmou Nadia à AFP em 2016.
Embaixadora
da ONU para a dignidade das vítimas de tráfico humano desde 2016, Nadia
Murad – que teve a mãe e seis irmãos assassinados pelo EI – milita para
que as perseguições cometidas contra os yazidis sejam consideradas um
genocídio.
“Você nunca se acostuma a contar sua história porque a revive a cada vez”, escreveu no livro “Para que eu seja a última”.
“Mas
minha história, relatada honesta e prosaicamente, é a arma mais eficaz
que tenho para lutar contra o terrorismo. E tenho a intenção de fazer
isto até que os criminosos sejam julgados”.
ONU celebrou o
“anúncio fantástico, que ajudará a fazer avançar o combate contra a
violência sexual como arma de guerra nos conflitos”.
O presidente
do Iraque, Barham Saleh, declarou que a atribuição do Nobel a Nadia
Murad é “uma honra para todos os iraquianos que lutaram contra o
terrorismo”
A chanceler alemã Angela Merkel elogiou “dois
excelentes premiados que dão um grito de humanidade em meio a horrores
inimagináveis”.
A Alta Comissária da ONU para Direitos humanos, a
chilena Michelle Bachelet, afirmou: “É difícil imaginar dois premiados
mais dignos”.
– Arma “barata e eficaz” –
Em todos os
continentes, o estupro deixa centenas de milhares de vítimas nos
conflitos ou nas campanhas de opressão das minorias.
Esta arma
“barata e eficaz” destrói não apenas as mulheres fisicamente e
psicologicamente, como também as estigmatiza, assim como as crianças que
nascem destes atos, afirmou Denis Mukwege.
“As vítimas são condenadas pelo resto da vida. Mas e seus carrascos?” questiona.
Mas a tomada de consciência internacional está aumentando.
Aprovada
em 2008 pelo Conselho de Segurança da ONU, a resolução 1820 estipula
que a violência sexual “pode constituir um crime de guerra, um crime
contra a humanidade ou um elemento constitutivo de crime de genocídio”.
“#MeToo
e os crimes de guerra não são a mesma coisa”, afirmou Reiss-Andersen.
“Mas possuem, no entanto, um ponto em comum: é importante ver o
sofrimento das mulheres, ver os abusos e permitir que as mulheres
renunciem à vergonha e tenham a coragem de falar”.
A onda
expansiva atingiu inclusive o Nobel, pois um escândalo de estupro levou a
Academia Sueca a adiar por um ano o anúncio do vencedor do Nobel de
Literatura 2018.
Denis Mukwege e Nadia Murad dividirão o prêmio,
que consiste em um diploma, uma medalha de ouro e um cheque 9 milhões de
coroas suecas (990.000 dólares). A entrega acontecerá em Oslo no dia 10
de dezembro.
AFP
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