Real fica desvalorizado por causa de eleições e dólar fecha semana em alta
As
primeiras pesquisas eleitorais depois do registro das candidaturas à
Presidência da República geraram turbulência no mercado financeiro na
última semana. O dólar comercial fechou a semana cotado a R$ 4,104 na
venda com alta acumulada de 4,85%. É a terceira semana consecutiva
que a moeda norte-americana sobe frente ao real, chegando a
patamares de novembro de 2016, quando a eleição de Donald Trump para a
presidência dos Estados Unidos havia provocado uma tensão na economia
mundial.
Uma desvalorização expressiva do real frente ao dólar
tendo como principal causa as eleições era algo que não ocorria desde o
pleito de 2002, vencido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do
Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o país até 2010. “Em 2002,
foi a última vez que o dólar se valorizou fortemente frente ao real em
decorrência das eleições, mas os efeitos daquela época foram bem
piores”, afirma Fábio Bentes, chefe da Divisão Econômica da Confederação
Nacional do Comércio (CNC). Para ele, se trouxesse a desvalorização de
16 anos atrás para os dias atuais, o dólar estaria valendo cerca de R$
7. “A desvalorização é bem menor no atual ciclo eleitoral do que em
2002”, pontua.
O economista da Órama Investimentos e professor do
Ibmec, Alexandre Espírito Santo, explicou que há uma tendência de
valorização mundial do dólar, mas “o pulo dos últimos dias é por conta
da apreensão em relação ao processo eleitoral”. A incerteza eleitoral
também está pressionando a taxa de juros, que, num cenário pessimista,
poderia voltar a subir antes do previsto. Atualmente, a Selic está em
6,5% ao ano e a previsão do mercado financeiro, na pesquisa do BC, era
que voltasse a subir somente em 2019, fechando período em 8% ao ano.
“Esse
estresse do mercado está associado a essa expectativa do novo
presidente. Esse quadro de apreensão é natural e vai permanecer. Está um
pouquinho mais estressado do que em outras eleições. Tudo isso juntando
com o cenário externo menos amigável”, disse Espírito Santo. O mercado
externo enfrenta as turbulências da crise comercial entre Estados Unidos
e China.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil em São Paulo
também apontam o quadro eleitoral, associado à crise da Turquia com os
Estados Unidos, como fatores para alta da moeda americana. Clemente Ganz
Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que o dólar vai ficar oscilando
em torno de R$ 4. “O mercado tem seus candidatos, suas preferências.
Toda vez que sair pesquisa eleitoral, o câmbio vai dar mexida porque
especuladores se movimentam para manifestar suas contrariedades e também
para ganhar dinheiro”, diz.
O professor Fernando Botelho, da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da
Universidade de São Paulo (USP), Botelho não acredita que esse movimento
especulativo do mercado possa interferir nas eleições. “Tem pouco
efeito. O eleitor brasileiro, uma boa parte dele, não vai ser
imediatamente afetado por esse aumento no dólar (…); não imagino que a
inflação vá aumentar significativamente nos próximos dias”, avaliou.
Segundo
ele, há um clima de muito expectativa em relação ao próximo presidente.
“A situação do Brasil é muito frágil, muito sensível, espera-se muito
que o presidente eleito dê conta de diversos problemas começando já em
janeiro. Infelizmente não se tem muito essa perspectiva”, diz o
professor, que é favorável às reformas como a da Previdência.
Reformas
Para
o economista Alexandre Espírito Santo, a apreensão ocorre porque não se
sabe como o próximo presidente vai fazer as reformas da Previdência e
tributária e organizar as contas públicas. “Todos eles falam de
reformas. O problema é como vai conduzir a reforma. Alguns dizem que vão
zerar o déficit fiscal em um ano e outros, em dois. É muito difícil
zerar o déficit até em quatro anos. Então fica um pouco aquele discurso
da boa intenção, mas tem a contraparte dessa história que é como fazer”,
disse Espírito Santo.
O economista lembra que o próximo ano será
“desafiador” para o futuro presidente que terá de lidar com o teto de
gastos públicos e regra de ouro (que proíbe o governo de se endividar
para financiar gastos correntes), sem margem para aumentar as despesas
discricionárias.
Espírito Santo acrescenta que o futuro presidente
pode ter também dificuldades para aprovar reformas no Congresso
Nacional. “Tão importante quanto à eleição para presidente, é a eleição
para as casas – Câmara e Senado. Vai ter que governar inicialmente com a
força da urna. Mas como com 30% a 40% das pessoas votando em branco ou
nulo? Sem Congresso aliado, vai ter que fazer muita política, negociar”,
disse.
No caso da reforma tributária, a dificuldade pode vir dos
governos estaduais. “Tem muitos governos estaduais quebrados. Além do
Rio, temos Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Como esses governos vão
aceitar a reforma tributária, com perda de arrecadação? Não adianta
fazer só a reforma da Previdência, tem que fazer a reforma tributária.
Será muito difícil sobretudo se forem de partidos adversários”,
destacou.
Para o economista, será preciso deixar o clima de
“Fla-Flu” que, segundo ele, divide o país para se pensar na
coletividade. “Quando se fala de futebol não existe racionalidade. É só
paixão. No fundo o que estamos vivendo é isso: tem alguns de um lado,
outros do outro e não está havendo a conversa, a política, está tudo
passional. Não tem ninguém chamando para conversar. 2019 é o ano mais
desafiador da nossa história recente. A gente sabe quais são os
problemas, o que é o lado positivo,” avaliou
Para Espírito Santo, o
dólar deve seguir muito volátil (com fortes oscilações) neste ano. “Vai
subir e cair muito acima do normal. Isso é ruim porque gera incerteza
para o empresário. Não tem como fazer negócios com essa espada na
cabeça”, destacou.
Efeito nos preços
No dia a dia das
pessoas, a alta do dólar tem como principal consequência a pressão
inflacionária sobre diversos produtos e serviços. “Um dos efeitos mais
conhecidos na cesta básica é o aumento no preço do pão e todos os
produtos derivados do trigo, como massas em geral, já que metade dessa
matéria-prima no país é importada”, explica o professor Joelson Sampaio,
coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Uma
outra consequência é que, com o real mais barato para quem compra do
Brasil lá fora, há uma tendência de maior exportação de produtos
primários, como commodities agrícolas e carnes, o que pode gerar um
efeito de menor oferta no país, com potencial aumento de preços no
mercado doméstico. “Vale lembrar, por outro lado, que esse repasse não é
imediato, tem toda a questão de estoques, leva tempo para se refletir
nos preços”, pondera Sampaio.
O setor de combustíveis, que é base
para toda a logística da economia, também sofre o impacto da
desvalorização cambial, já que os preços do produto estão atrelados ao
dólar. “A gente viu o que aconteceu com a política de preços da
Petrobras, afetada pelo dólar, e que levou à greve dos caminhoneiros.
Além disso, todo o comércio que tem componentes importados,
eletroeletrônicos e parte dos eletrodomésticos e do setor automotivo
sofrem pressão inflacionária com a alta do dólar”, destaca Fábio Bentes,
chefe da Divisão Econômica da CNC.
De acordo com o economista, no
entanto, o efeito da alta do dólar nas últimas semanas não deve ser o
mesmo ocorrido em 2002, quando o varejo foi fortemente impactado. “Em
2003, o comércio caiu cerca de 4% no varejo, por causa da alta do dólar
na época. Esse ano o setor vai subir, mesmo com o cenário de
desvalorização cambial, as vendas devem aumentar cerca de 4,5%”,
projeta.
Controle
Apesar da alta do dólar durante a semana,
o Banco Central não realizou nenhuma operação nova, limitando-se a
realizar a rolagem de swaps cambiais. Mesmo assim, especialistas não
deixam de discutir até a conveniência de se estabelecer mecanismos de
controle para o fluxo de capital.
O professor Botelho considera
que medidas nesse sentido são improváveis e não desejáveis e que se
trata de um ajuste do próprio mercado. “Se um dos candidatos sem
compromisso com as reformas, sem visão realista do sistema econômico
brasileiro, ganhar a eleição, esse valor do dólar deve subir mais. Não é
exatamente um movimento especulativo por um complô internacional contra
o Brasil, nada disso. Esse movimento tem fundamento”, aponta.
Já
Ganz Lúcio diverge dessa posição. Ele reconhece que o debate é polêmico,
mas destaca que o capital que deixa o país em contextos como este são
os que especulam – e não os que investem no Brasil. ” Medidas como a
tributação do capital especulativo com IOF [Imposto Sobre Operações
Financeiras] desincentiva o capital especulativo vir aqui aplicar”,
destaca.
Cenário após eleições, avalia ainda Ganz, dependerá da
política macroeconômica adotada pelo candidato eleito. “Tendo
posicionamento de câmbio de equilíbrio, do desenvolvimento produtivo,
que favorece participação exportadora da nossa indústria adequada, creio
que tenderia a ficar em torno de R$ 3,70, não é câmbio fora de
posição”, apontou.
Agência Brasil
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