Polícia Federal investiga angolano suspeito de tráfico de pessoas ou prostituição infantil
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Em rede social, Daniel Lovi aparece com crianças que tem pendurados passaportes no pescoço - (Foto: Reprodução Facebook) |
A
Polícia Federal investiga por que e como um angolano falsificou
documentos, conseguiu passaportes e enviou ilegalmente ao menos cinco
crianças do Rio de Janeiro para fora do Brasil. A suspeita é que o caso
envolva tráfico de pessoas ou prostituição infantil.
Lutezo
Daniel Lovi, de 44 anos, foi preso no dia 1º de março e atualmente está
na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte da
cidade.
Segundo
investigação da PF e depoimentos , Daniel Lovi ofereceu dinheiro a
mulheres da comunidade Cinco Bocas, em Brás de Pina, também na Zona
Norte, para que elas fossem a maternidades ou a hospitais onde tiveram
filhos e solicitassem a segunda via da Declaração de Nascido Vivo (DNV)
das crianças.
A
declaração é um documento emitido por unidades de saúde particulares e
públicas de todo o Brasil. Com ela, é possível, por exemplo, registrar o
recém-nascido em cartório e, consequentemente, emitir a certidão de
nascimento do bebê.
Com
o papel em mãos, o angolano conseguiu dar entrada em documentos de
cinco crianças, desde junho do ano passado, e obter passaporte para
todas elas.
Mulheres
abordadas por Daniel Lovi contaram na delegacia da PF em Niterói, na
Região Metropolitana do Rio, que aceitaram retirar uma nova DNV após
receber dele R$ 250.
Em
depoimento à PF, uma delas contou que, com outra mãe, foram procuradas
por Daniel Lovi em 2017. Para conseguir a documentação, o angolano
disse, ainda segundo elas, que as novas vias das declarações seriam
usadas para trazer crianças da África, e não levá-las para fora do
Brasil.
Não está claro ainda para qual país as crianças foram enviadas.
“Ele
me pediu se eu topava conseguir a guia amarela para ajudar trazer
parentes dele [da África] pra cá”, disse uma das mulheres. Ela, que
pediu para não ser identificada, afirmou ter ido a uma unidade da
prefeitura para obter o documento. “Eu peguei a guia amarela [da
declaração] e paramos em outro lugar para reconhecer firma. Ele pediu
para eu assinar, mas eu não sei ler. Eu escrevo muito mal o meu nome.”
As
mulheres abordadas eram “humildes e com nível irrisório de
conhecimento”, disse o advogado Arthur Mattos Filho, que atua na defesa
das pessoas que venderam as declarações a Daniel Lovi.
Segundo
ele, algumas dessas mulheres eram convencidas pelo africano a ir a
cartórios para abrir firma e assinar autorizações para a viagem das
crianças desacompanhadas dos pais. Mattos Filho afirma que suas clientes
são pessoas humildes e que foram enganadas pelo angolano.
“Então,
de certa forma, ele falsificava alguns papéis, mudava a filiação, a
declaração de nascimento das crianças, botava algum africano de fora, e
mandava essas crianças para o exterior a partir da retirada de
passaportes na Polícia Federal”, disse o advogado.
Nas
redes sociais, o angolano aparece com dois nomes diferentes: num deles,
o angolano é Lutezo Daniel Lovi. Em outro, é “Docteur Kilawu”. No
segundo endereço, Daniel Lovi aparece, em fotos separadas, ao lado de
cinco crianças no Aeroporto do Galeão, na Ilha do Governador. Em algumas
imagens, as crianças com Daniel aparecem com passaportes pendurados no
pescoço.
O processo na 2ª Vara Criminal Federal de Niterói está em sigilo.
Viagens
Desde junho de 2017, Daniel Lovi retirou cinco passaportes em nome de cinco crianças diferentes, com idades entre 6 e 11 anos.
Nos
registro da PF, ele é pai de todas elas, mas cada uma tem uma mãe
diferente. Ao menos duas dessas mães são moradoras da comunidade Cinco
Bocas –os nomes delas e das crianças serão mantidos sob sigilo para não
atrapalhar as investigações e para preservá-las.
A
suspeita inicial era que as cinco crianças haviam deixado o país sem a
companhia de Daniel Lovi ou das mães. Agora, policiais federais apuram
se outra pessoa acompanhava os menores nos voos para o exterior.
Foi
indagado, por exemplo, se há algum monitoramento de pessoas que
solicitem repetidas vezes o documento para crianças. A corporação não
respondeu.
Presidente
da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luis Boudens
afirmou não ser possível detectar situações assim pelo sistema da
Polícia Federal. “Só se deixarem juntos o país.”
Lutezo
Daniel Lovi tem status de refugiado no Brasil desde 1994. De acordo com
determinação do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), se Lutezo
viajasse sem comunicação prévia às autoridades de 60 dias, perderia o
direito de ser refugiado no Brasil.
Declaração de Nascido Vivo
Válida
em todo o território nacional, a Declaração de Nascido Vivo é um
documento obrigatoriamente emitido por unidades de saúde particulares e
públicas do Brasil. Desde junho de 2012, ela passou a ter valor oficial e
é considerada documento que serve como identidade provisória, mas não
substitui a Certidão de Nascimento.
Na
DNV constam, entre outras, as seguintes informações sobre o nascimento
de recém-nascidos: nome; dia, mês, ano, hora e cidade de nascimento;
sexo; raça; local; estabelecimento; informação sobre gestação múltipla,
quando for o caso; nome, naturalidade, profissão, endereço de residência
da mãe e a idade dela no momento do parto e o nome do pai.
O
documento é expedido em três vias, de cores diferentes, no momento
seguinte ao nascimento da criança. Uma via fica no local do parto, no
caso, o hospital, outra segue para o Sistema Nacional de Nascimento e
Óbito e outra via é dada ao pai para registro em cartório. Tudo é
preenchido manualmente.
A
defensora pública Fátima Saraiva diz não haver expedição da segunda via
do documento, mas sim uma declaração para quem perca em algum momento o
registro.
“A
nova declaração é dada para quem informa ter perdido o documento. A
pessoa deve procurar a unidade hospitalar onde a criança nasceu ou na
secretaria, caso a maternidade tenha fechado. Mesmo assim, é preciso
encontrar o registro daquela mãe e daquele nascimento na unidade
indicada.”
A
defensora é a favor que a declaração seja eletrônica para um controle
mais rígido. Na avaliação dela, a ausência de um registro favorece o
tráfico de crianças porque, “sem comprovante, nunca mais você acha onde
nasceu”.
“Mas
essa nova declaração apenas pode ser cedida caso se encontre o registro
do parto. Não basta chegar lá e pedir”, disse a defensora.
Cinco Bocas
Localizada
na Zona Norte do Rio, em Brás de Pina, a comunidade é apontada pela
polícia como uma “estica” da Cidade Alta. Dominada pela maior facção de
traficantes do Rio, a Cinco Bocas, até seis anos atrás deixava, segundo
policiais militares, as armas longe das bocas de fumo durante o dia para
não assustar os viciados.
O
risco de invasões levou a comunidade mudar essa prática. Carros
passaram a fechar os acessos e motoristas desavisados são,
constantemente, abordados nas entradas da favela. Roubo de veículos e
ameaças a motoristas de ônibus que se negam a transportar homens armados
são prática comum da quadrilha local.
G1
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