Leonardo, o precursor da ciência experimental atual e maior inovador da História
Biografia de Leonardo da Vinci explica como o artista italiano uniu ciência, tecnologia, arte, filosofia e imaginação para criar um legado que continua a transformar o mundo
É difícil explicar o artista toscano Leonardo da Vinci (1452-1519).
Esta foi a missão do jornalista e historiador americano Walter Isaacson,
de 65 anos, ao escrever a biografia “Leonardo da Vinci”, lançada no
Brasil pela editora Intrínseca. Isaacson redimensiona o legado de
Leonardo para afiná-lo ao tom do século 21.
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Segundo ele, Leonardo foi um precursor da ciência experimental atual e
um inovador que ainda inspira as mentes brilhantes e os influenciadores
do século 21. Valoriza o caráter criativo, fantasioso, sociável e
disfuncional deste “gênio criativo”, comparável aos de Benjamin
Franklin, Albert Einstein e Steve Jobs, personalidades biografadas por
Isaacson que alteraram a história da humanidade. “Leonardo é o exemplo
do tema central de minhas biografias: como a habilidade de conectar
disciplinas – artes e ciências, humanidades e tecnologia — é a chave da
inovação, imaginação e genialidade”, diz o autor.
“Se Leonardo tivesse sido estudante no século 21, talvez fosse posto em um regime para amenizar as alterações de humor e o déficit de atenção”
- Walter Isaacson, escritor -
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Leonardo inovou, mas a razão de ter realizado tantas façanhas é um
mistério. Brilhou no campo das artes, da ciência, das humanidades e da
tecnologia. Criou as técnicas do “chiaroscuro” e do “sfumato”, pintou a
tela mais famosa, a “Mona Lisa”.
Produziu novelas fantásticas e dirigiu eventos teatrais, para os
quais criou projetos de máquinas voadoras que só foram testadas no
século 20. Ele encarna o espírito livre da Renascença, mas isso não
esgota o assunto.
Hoje ele é chamado de polímata, um especialista em várias áreas do
conhecimento. Artesão, pintor, engenheiro, observador de pássaros,
geômetra, anatomista — ele foi tudo isso, mas sobretudo um homem levado
pela curiosidade que encheu 7.200 de páginas de cadernos de anotações,
com listas, esboços, desenhos, hoje espalhadas em várias cidades. Na
mesma folha, desenhava, comentava, fazia listas e deixava os discípulos
anotarem piadas.
Desperdício
A novidade de Isaacson foi ter se debruçado sobre os cadernos. “Os
cadernos e desenhos são como uma janela para sua mente febril, criativa,
maníaca e, às vezes, eufórica”, diz. “Se Leonardo tivesse sido
estudante no início do século 21, talvez fosse posto em um regime
medicamentoso para amenizar as alterações de humor e o transtorno de
déficit de atenção.” Quis abraçar o mundo e se dispersou. Não finalizou a
maior parte de suas telas.
Como era hábito, não as assinava. Até hoje, 15 obras lhe são
atribuídas, e dezenas sumiram, como “Leda e o Cisne”, única obra erótica
do artista, da qual resta uma cópia pelo discípulo Francesco Melzi. Foi
considerada indecente e destruída por madame de Maintenon, amante de
Luís XIV, como diz a lenda. Algumas foram recém- descobertas, como
“Salvator Mundi” em 2011. Também abandonava projetos. “Ele cometeu
erros”, afirma o biógrafo. “Saiu por várias tangentes, enquanto tentava
resolver problemas matemáticos que se transformaram em distrações.”
Leonardo dizia que se orgulhava de ser “um homem iletrado”, um
“discípulo da experiência”, como escreveu eu um discurso em 1490, ao
criticar aqueles que preferiam se basear em citações de autores
clássicos a fazer suas experiências. “Aquele que pode ir à nascente de
um rio não vai até um jarro de água”, dizia. Esta pode ser a chave de
sua contribuição: a experimentação em todos os campos do saber, sem
distinguir ciência, humanidades e artes. Leonardo era filho bastardo de
um notário e uma camponesa.
Não teve educação formal e compensou a lacuna formando uma biblioteca
(no fim da vida tinha 120 volumes quantidade enorme para a época) e
conversando com os especialistas sobre temas pelos quais se interessava.
Em 1490, em Milão, começou estudar latim por conta própria. Transcreveu
várias páginas de palavras e conjugações, com base em gramáticas. Uma
página de seus cadernos traz 130 palavras, decorados com uma carranca,
como a manifestar sua dificuldade para aprender o idioma dos cientistas e
pensadores. Talvez este tenha sido o motivo pelo qual não ousou estudar
filosofia. Como autodidata, dedicava-se a tarefas mais práticas que
especulativas.
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Diabinho
Cada geração forneceu uma explicação sobre o segredo de suas
realizações. Giorgio Vasari, em “A vida dos mais extraordinários
pintores, escultores e arquitetos” (1550), afirma que Leonardo era o ser
perfeito: sábio, simpático e belo. No século 19, os artistas românticos
inspiraram-se em Leonardo para formular o conceito de gênio artístico.
Nos séculos 19 e 20, foi identificado como o precursor da alta
tecnologia, tendo projetado máquinas surpreendentes, como o avião.
Tudo parece ter sido revelado sobre ele, mas continuam a surgir
detalhes inéditos. Isaacson chama atenção sobre aspectos até agora
ignorados. É o caso de seu temperamento generoso e gregário, que o
tornou apto a trabalhar em equipe antes do surgimento da ciência e da
arte experimentais. Em 1490, seu projeto “Homem Vitruviano” contou com
um ambiente colaborativo parecido com o das atuais startups: a
participação de quatro amigos para definir a fórmula perfeita para a
arquitetura, baseada nas proporções do corpo humano. Especula-se que
Leonardo, então com 38 anos, tenha se desenhado a si próprio.
Em seu ateliê, contava com amigos, o arquiteto Damiano Bramante, com
quem reformou o Duomo de Milão, e de dezenas de discípulos – que, não
raro, concluíam as telas do mestre. Outro aspecto pouco estudado é o da
sexualidade. Segundo Isaacson, Leonardo se orgulhava de ser gay. Na
maturidade, morou com um aprendiz, Gian Giacomo Caprotti da Oreno
(1480-1524). Leonardo o sustentava e perdoava seus roubos e
traquinagens. Apelidou-o de “Salai”, “diabinho”. Foi modelo para muitos
nus do mestre.
Isaacson diz ter aprendido com ele que o desejo de se surpreender
enriquece a vida: “A curiosidade e o experimentalismo incessantes de
Leonardo deveriam nos lembrar da importância de incutir, tanto em nós
mesmos quanto em nossos filhos, a ideia de não apenas assimilar o
conhecimento mas se mostrar sempre disposto a questioná-lo — ser
criativo e, como muitos desajustados talentosos e rebeldes de todas as
épocas, pensar diferente”.
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