'A vergonha está do lado de quem se opõe à Lava Jato', diz juiz Sérgio Moro
Força-tarefa caminha para o quinto ano e, desde que teve início, mudou quadro de impunidade nos crimes de corrupção no Brasil
© Pedro de Oliveira/ ALEP
A
caminho do quinto ano de Lava Jato, não se pode afirmar que o quadro de
impunidade nos crimes de corrupção no Brasil permanece inalterado. É o
que acreditam duas figuras emblemáticas das investigações que abalaram o
mundo político brasileiro, o juiz federal Sérgio Moro e o procurador da
República Deltan Dallagnol.
Para eles, o sucesso da
operação dependerá de como será a reação da sociedade daqui para frente.
Moro e Dallagnol estarão no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato para
falar sobre as investigações de combate à corrupção, da Itália e do
Brasil, junto com os magistrados Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo,
que trabalharam na força-tarefa de procuradores de Milão criada 25 anos
atrás.
O evento é uma associação entre o Estado e
o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e vai ocorrer nesta
terça-feira, 24. O painel, reservado para convidados, será mediado pela
jornalista Eliane Cantanhêde, colunista do Estado, e pela economista
Maria Cristina Pinotti, do CDPP. Terá ainda a participação do diretor de
Jornalismo do jornal O Estado de S. Paulo, João Caminoto, e do economista Affonso Celso Pastore, do CDPP.
Confira abaixo entrevista com Sérgio Moro, juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba:
O que a Lava Jato tem a ver com a operação Mãos Limpas?
A Operação Mãos Limpas, por sua dimensão e impacto, foi uma grande inspiração para a Lava Jato.
Quais as semelhanças entre uma e outra?
Em
ambas, as investigações revelaram não um ou alguns grandes crimes de
corrupção, mas um sistema organizado de corrupção, na prática, a captura
do Estado para o favorecimento de certos grupos empresariais privados,
em detrimento da competição, tendo por contrapartida o pagamento
habitual de vantagem financeira a agentes públicos e a agentes políticos
para enriquecimento pessoal e financiamento ilícito eleitoral.
Quais os métodos das Mãos Limpas nos quais o senhor se inspirou para a Lava Jato?
A
Mãos Limpas ilustrou que, sem o apoio da imprensa e da opinião pública,
é muito difícil a condução de processos contra criminosos poderosos.
Estes têm poder político e econômico que pode ser utilizado
indevidamente para gerar impunidade, independentemente da culpa. Então, é
necessário contrabalançar esse poderio, não só com a ação firme da
Justiça, mas com o apoio da opinião pública. Daí a importância da
publicidade e da transparência desses processos, da liberdade de
expressão e de imprensa, isso não para manipular a opinião pública, mas
para obter o apoio necessário através da demonstração da correção da
ação da Justiça.
Qual a grande conquista da Lava Jato?
A
Lava Jato se insere em um ciclo iniciado de maneira mais incisiva pela
Ação Penal 470 (mensalão) no sentido de pôr um fim à impunidade dos
crimes praticados pelos poderosos. Apesar da permanente sombra do
retrocesso, não se pode afirmar que não houve mudanças no quadro de
impunidade para esses crimes. Há que se manter uma infinita esperança de
que esse é um caminho sem volta e que a impunidade dos barões da
corrupção está com seus dias contados. Nessa perspectiva, mudanças de
cunho mais permanente, como a execução da pena a partir de uma
condenação em segunda instância, são fundamentais.
Qual a frustração da Operação Lava Jato?
As
causas da corrupção sistêmica não foram enfrentadas por nossas
lideranças políticas. O loteamento político de cargos públicos e que
está na origem dos crimes na Petrobrás permanece forte como sempre, por
exemplo. Se houver uma contínua pressão da opinião pública, imagina-se
que até mesmo nossas lideranças políticas emperradas terão que adotar
uma postura reformista quanto a esses temas. Mas é frustrante ver como
isso é demorado.
Os inimigos das Mãos Limpas e da Lava Jato estão concentrados exclusivamente no meio político? Onde mais eles estão alojados?
Há,
é certo, quem se oponha ao movimento anticorrupção, normalmente quem
dele se beneficia. A vergonha está com eles. É claro, também há pontuais
críticas desinteressadas, nenhuma ação pública está imune a elas. Em
relação a elas, cumpre debater e eventualmente acolher. Mas quem mais
importa são os amigos e, ainda que sob a sombra do retrocesso, são eles
inúmeros.
Notícias ao Minuto com informações do jornal O Estado de S. Paulo
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