sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Da série 'Fenômenos Eleitorais'

Conheça cidade onde eleição terminou empatada e mais velho levou pleito

carius
A série de reportagens apresentando fenômenos eleitorais nas eleições municipais deste ano na região Nordeste realizada pelo blog do Magno Martins, de Pernambuco, em parceria com o Portal MaisPB, mostra, nesta sexta-feira (09), a cidade de Cariús, no Ceará, que tem 13,8 eleitores e  ganhou notabilidade com as eleições passadas: foi a única cidade do território nacional em que a disputa para a Prefeitura não teve vencedor. Acabou empatada.
Veja vídeo:
A cidade sem vencedor 
Com apenas 13,8 mil eleitores e uma população de 18 mil habitantes, que se ressentem de tudo – as últimas notícias desagradáveis foram o fechamento do cartório eleitoral, da delegacia e de uma única emissora de rádio comunitária, tudo por causa de uma gestão desaprovada e a falta de lideranças políticas – o município de Cariús, no Sertão do Centro Sul cearense, a 411 km de Fortaleza, ganhou notabilidade com as eleições passadas: foi a única cidade do território nacional em que a disputa para a Prefeitura não teve vencedor. Acabou empatada.
Nas urnas, o comerciante José Fernandes Ferreira, o Iran, do PSDB, e o motorista Valdenízio da Costa, o Nizo, do PMDB, que polarizaram a eleição, tiveram 5.811 votos, 48,34% dos votos válidos. A decisão poderia ter sido diferente caso qualquer um dos 586 eleitores que votaram nulo, ou um dos 160 que votaram em branco, tivesse mudado de ideia de última hora. Os rumos da cidade também poderiam ter sido outros se os 398 eleitores que votaram nos demais candidatos, Ana Maria (PCdoB) e Luiz do Caximbo (PSOL), tivesse optado entre Nizo e Iran.
Sorte de Iran, que precisou aguardar até a contagem do último voto para comemorar a vitória e que vai virar prefeito a partir de 1 de janeiro pelo critério “idade”. O artigo 110 do Código Eleitoral diz que, em caso de empate, passa a ser considerado eleito o candidato mais idoso. O tucano, de 46 anos, cinco anos mais velho do que Nizo, saiu às ruas para comemorar, mas a cidade até hoje continua sem entender o que aconteceu, porque na eleição anterior, em 2012, o atual prefeito Gilvan de Oliveira (PR), desbancou a concorrente Natália Ferreira Gomes, do PHS, por 1.556 votos.
O empate foi incompreensível até para a eleitora mais antiga da cidade, a professora Diva Targino, de 103 anos. “Até hoje eu estou tonta com a besteira que o povo daqui fez”, desabafa ela exibindo uma impressionante lucidez. Diva não é apenas diva no nome, mas no conceito de todos os seus conterrâneos, que atribuem à sua influência a realização de um sonho: a pavimentação da estrada de 22 km que irá tirar a cidade do isolamento, ligando-a com a BR que dá acesso ao município vizinho de Várzea Alegre.
Na comemoração dos seus 100 anos, em 2013, o então governador Cid Gomes, convidado pelo ex-governador de Tocantins, Siqueira Campos, que foi aluno da hoje mais que centenária professora, anunciou que faria a estrada. A promessa está saindo do papel. “Já testemunhei, como futuro prefeito, a assinatura do contrato com a empreiteira responsável pela obra”, diz Iran. Natural de Cariús, dono do maior supermercado da cidade, o comerciante foi ungido candidato para unir o grupo da situação.
Mas não conseguiu. Seu padrinho, o ex-prefeito Luiz Oliveira, pai do atual prefeito, que faz política no município desde o período em que o Ceará era governador por coronéis, tendo sido ligado ao ex-governador Adauto Bezerra, um dos mais famosos representantes do coronelismo cearense, virou o principal alvo da oposição, que se uniu pela primeira vez para sepultar o reinado dos Oliveira. “Todos os ex-prefeitos e até ex-presidentes de Câmara se uniram em torno do meu adversário para nos derrotar”, afirma o prefeito “eleito”.
Nascido no Sítio Cacimba, no distrito de São Sebastião, mesmo solo pátrio de seu adversário, onde perdeu a eleição por 295 votos, Iran conta que, à época em que veio ao mundo por lá, só era possível estudar até a quarta série do ensino fundamental. Como os pais se separaram cedo, ele e os cinco irmãos foram criados pela mãe, os tios e os avós. Na roça, plantaram milho, arroz e feijão, culturas de sequeiro. Mais tarde, já comerciante bem-sucedido, Iran introduziu no município a cultura da irrigação, sendo o primeiro agricultor a usar as águas do rio Carius, que é perene, para produzir frutas e hortaliças.
De voz mansa e calma, aos 18 anos, pelas dificuldades enfrentadas em sua terra, foi trabalhar no Rio de Janeiro como ajudante de cozinha, balconista, pizzaiolo e garçom em restaurante, até voltar ao Ceará e, em seguida, trabalhar em Santos (SP). “Era dia e noite numa pizzaria, para ajudar minha mãe a ter dois salários mínimos; à noite, no balcão. De dia, fazia faxina”, relembra.
De volta ao Ceará, casou aos 23 com a vizinha de infância, Auxiliadora Fernandes, 43, com quem tem três filhos. Juntos, montaram uma pequena venda para se transformar anos depois num supermercado. “Aí fomos começando, construindo”, recorda. Hoje, antes de ser o novo prefeito da cidade, se reconhece comerciante – “um dos maiores”. “A ideia de ser prefeito partiu daí, pelo fato de ser muito conhecido na cidade e ter trânsito também em todas as correntes políticas”, afirmou.
E acrescentou: “Nunca tive parente político, mas já fazia parte de algumas campanhas, há três mandatos, ajudando candidato a prefeito. Cariús é uma cidade pequena, cidade de família de amigos. Quando fomos pensar em um candidato, tinha vários nomes, e surgiu o meu. Minha esposa não queria concordar. Mas a gente tem contato com todo mundo pelo comércio. Tudo que temos hoje quem deu foi Cariús. Era hora de retribuir”.
Apuração tensa, repercussão e herança maldita
CARIÚS (CE) – Durante a apuração da eleição, voto a voto em Cariús, os candidatos roíam as unhas, quando aparecia um voto na frente às torcidas de ambos os lados reagiam soltando fogos, mas foi preciso ter coração de ferro para esperar o resultado, que só saiu por volta das 22 horas. Atrasou exatamente por causa do empate. A juíza Yane Alencar teve que recontar por duas vezes para ter a certeza de que os eleitores haviam se dividido literalmente ao meio. O empate rendeu até uma auditoria, cujo resultado, divulgado na semana passado, confirmou o resultado oficial.
Em sua casa, acompanhando urna por uma, Iran pedia calma aos aliados e eleitores. Quando todas as urnas foram computadas, Iran não gostou do empate, mas respirou aliviado. “Sabia que o desempate era pela idade. E já sabia que era mais velho que ele. A gente foi criado junto”, conta, referindo-se ao fato de Nizo, o seu adversário ser também do distrito de São Sebastião e amigo. “Por causa da política, a gente foi se afastando”, descreve.
Em São Sebastião, o concorrente levou vantagem, mas Iran atribui à derrota ao fato de Nizo ter sido candidato a deputado estadual na eleição passada e lançado sua candidatura antes. Mesmo amigos e “criados juntos”, como disse o tucano, a temperatura esquentou em São Sebastião. “Fiquei a reta final da campanha sem ir por lá, porque da última vez fui vítima de um atentado”, relata Iran, referindo-se ao registro de uma ocorrência policial que prestou por um carro de campanha ter sido alvejado de balas.
Vereadora mais votada em Cariús, Edna Elma (PMN), esposa do vereador Lirone Pereira, que teve quatro mandatos, tem uma explicação na ponta da língua para o empate. “Os dois candidatos eram conceituados e Iran, mesmo apoiado pelo prefeito, bastante desgastado, soube fazer uma campanha na qual prevaleceu o julgamento dos eleitores à sua pessoa, respeitada e admirada por todos por ser um comerciante bem-sucedido”, afirma.
Ex-vereador por cinco mandatos, tendo sido escolhido vice de Nizo e depois renunciado por força de um processo que responde de improbidade administrativa quando presidente da Câmara, José Clébio de Souza, substituído na composição da chapa pela esposa Tica Barros, afirma que Cariús assistiu a um clássico nas urnas. “Eu já esperava uma eleição apertada, mas confesso que o empate foi surpreendente”, diz.
Opositor ferrenho ao grupo político que está no poder, Clébio culpa o prefeito pelo descaso da cidade. “Aqui, estamos perdendo tudo, até o cartório eleitoral e a delegacia foram fechados”, afirma, atribuindo os casos à má gestão de Gilvan. “O prefeito tirou muito voto de Iran, que é um comerciante respeitado na cidade, mas também pesaram as candidaturas que  tentaram a chamada terceira via”, observou.
De fato, Cariús tem problemas crônicos. No hospital, falta tudo, principalmente medicamentos. Na zona rural, atingida por uma das secas mais longevas do século, a paisagem ainda é dominada por casebres de taipa e dois km do centro da cidade um lixão aberto é uma ameaça à saúde pública. “O prefeito não dá a menor bola para isso aqui, que é o nosso ganha pão”, diz “seu” Chico, que cata material reciclável com a esposa Dora há mais de dez anos no local. Para ele, a situação vai continuar do mesmo jeito porque o futuro prefeito é do mesmo grupo do atual.
Já falando como futuro gestor, Iran Fernandes projeta uma atenção maior para três áreas: saúde, educação e esporte. A luta deve ser por um hospital para o município, investir mais nas escolas, salário dos professores e transporte escolar. “Sobre esporte, aqui não temos nenhuma quadra coberta, nenhum campo. Poucos distritos tem campo de poeira. Aqui morrem mais jovens que idosos, por conta das bebidas e das drogas”, critica.
Para acrescentar: “Eles deixam de praticar esporte e vão para os bares. Antes o transporte era bicicleta, hoje é moto. Todo jovem tem moto e bebe. Muitos pais perderam os filhos por causa disso”. Iran brinca dizendo que virou celebridade por ter dado entrevistas a vários veículos de comunicação do País pelo ineditismo do resultado da eleição em sua terra.
Em outras sete cidades, a eleição foi decidida por apenas um voto: Pescaria Brava (SC), Aral Moreira (MS), Serranos (MG), Caseiros (RS), Bom Sucesso de Itararé (SP), Barra do Ouro (TO) e Palestina (AL). Já em outras quatro cidades, também houve um empate, mas por outro motivo: como todos os candidatos estão indeferidos com recurso, eles aparecem com os votos zerados. A definição se dará na Justiça Eleitoral.
 MaisPB

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