Escândalos de corrupção despertam desinteresse em eleitores, dizem especialistas
Em
eleições municipais o debate eleitoral gira em torno, normalmente, dos
problemas do dia a dia dos cidadãos, como a falta de asfalto das ruas, a
infraestrutura dos bairros e das cidades. Este ano, contudo, os temas
locais têm disputado espaço com a repercussão das investigações da
Operação Lava Jato, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff,
a cassação do deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos
Deputados, e a denúncia do Ministério Público Federal contra o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O resultado disso, na avaliação de especialistas ouvidos pela Agência Brasil,
é o aumento da desconfiança do eleitor em relação aos partidos
políticos e na política como um todo. Neste cenário, estudiosos do
processo eleitoral preveem um alto índice de abstenção, crescimento do
voto nulo e o fortalecimento dos candidatos “antipartidários”.
“Há
um descrédito total das pessoas nos partidos político. Pela experiência
que eu tenho, dificilmente alguém, tirando os militantes mais
identificados, vai votar pela escolha partidária. A população em geral
está desacreditada dos partidos políticos. A tendência vai ser a opção
pelo voto carismático, na pessoa, que é o voto efetivamente pessoal”,
avalia o professor de direito eleitoral da Fundação Getúlio Vargas
(FGV-RJ) Marcos Ramayana.
Escândalos
De
acordo com a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
cientista política e especialista em comportamento eleitoral, Helcimara
Telles, pesquisas recentes mostram que, a pouco mais de uma semana das
eleições, a maioria do eleitores, especialmente nos grandes centros,
ainda não definiu seus candidatos. Comportamento diferente do verificado
em eleições passadas.
“Em Belo Horizonte, por exemplo, a gente
tem por volta de 50% dos eleitores que não sabem em quem votar ou não
querem votar porque ainda não escolheram. O que explica esse cenário de
indecisão: primeiramente, há uma questão clássica no Brasil, que é uma
baixa estruturação programática dos partidos. Ao mesmo tempo, temos uma
coisa que é bastante conjuntural que são os escândalos midiáticos de
corrupção e a disseminação bastante negativa do que é a política e a
quase criminalização da política que recentemente tem sido oferecida ao
público, sobretudo, pela Operação Lava Jato”, disse Helcimara Telles.
Para ela, a “espetacularização” e a “criminalização” da política tem aberto caminho para candidatos outsiders,
aqueles com estilo e discursos antipartidários, que participam das
eleições sem o apoio de grandes partidos nacionais e têm como lema que
não são políticos.
“Há um cenário de altíssimo desinteresse na
política e as pessoas, no chavão, não querem políticos [nos postos
políticos]. Querem políticos que dizem que não são políticos. Do meu
ponto de vista, tem a ver com a percepção alterada, reenquadrada e
sobrerepresentada de que hoje o principal problema do Brasil seria a
corrupção”, avalia Helcimara.
Já para a cientista política e
professora da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) Maria do
Socorro Sousa Braga, os escândalos envolvendo políticos têm impactado
diretamente na forma como a população avalia a classe política.
“Isso
é ruim. Temos uma campanha muito mais personalizada por conta dos
problemas por trás dos partidos. Vamos chegar ao ápice da
personalização. Com isso não se discute a grande política, grandes
projetos, alternativas de políticas públicas que viriam com a orientação
partidária. Quando se individualiza, não se trabalha a conjuntura”,
disse Maria do Socorro.
Para Helcimara, inconscientemente, o
eleitor descrente, revoltado, que pratica o “voto de protesto”, acaba
trocando projetos de longo prazo por outros de curto prazo. Ela ressalta
que o enfraquecimento das siglas enfraquece também a própria
democracia. Além dos próprios partidos, Helcimara Telles atribui o atual
momento de descrença dos eleitores na política à forma como a Justiça e
o Ministério Público têm atuado nos escândalos de corrupção.
“O
modo como a Lava Jato, especialmente, se apresenta, como o setor
virtuoso, como se ela fosse patrimônio nacional. Não as investigações,
nem as operações, mas o modo como ela se apresenta, se colocando no
lugar da política e disputando capital político, como se a política
fosse o reino exclusivo da corrupção, tirando da política qualquer
virtuosismo e levando o eleitorado a descrer cada vez mais da política”,
avalia
“O efeito disso, no geral, pode ser também negativo na
medida em que se criminaliza e se descrimina os partidos enquanto atores
relevantes para a democracia. Isso pode gerar, como gerou em outros
países como Portugal, Itália, Grécia, Espanha, nos anos de 1990, um alto
índice de antipartidarismo”, acrescentou a professora mineira.
Compra de votos
Outro
efeito negativo do momento delicado da política e da economia
brasileira, na avaliação do professor de direito eleitoral da FGV, é a
troca do voto por vantagens. “Como estamos diante de um quadro de
eleição municipal e temos uma carência econômica social muito grande, a
tendência sempre é aumentar a compra de votos”, afirmou Ramayana.
“Muita
gente vai vender o voto para trabalhar na campanha, carregando
bandeira, fazendo um bico, uma atividade complementar. Tenho visto isso
aqui na baixada fluminense no Rio de Janeiro. Mesmo com a proibição da
doação de pessoas jurídicas existem algumas campanhas que estão usando
ainda um dinheiro bem significativo, distribuindo material caro.
Continua havendo o financiador laranja”, diz o professor.
Reflexão
Marcos Ramayana avalia que episódios como o impeachment
e a cassação de Cunha podem provocar uma reflexão interna nos partidos
que aperfeiçoe o processo de seleção das candidaturas. Se historicamente
os partidos preocupam-se em investir em candidatos “bom de voto”, a
partir de agora deve haver também a preocupação com o histórico do
candidato.
“Qual é o reflexo do impeachment e [da
cassação] do Cunha? Fez o povo pensar em não eleger pessoas que tenham
problemas com a Justiça. Pessoas que estão com esse problema geram
antagonismo com quem não tem. Quem é ficha limpa explora isso na
campanha, um lado que antes não era tão explorado”, pontuou Ramayana.
“Um
candidato fala assim: ‘vou melhorar a saúde e a educação’. Sim, mas
além dessas melhoras o povo também quer saber se essa pessoa tem
processo na Justiça. Passou a ter mais valor, coisa que o brasileiro não
via muito. É um lado bom, positivo. Pelo menos o eleitor está mais
esclarecido, até as pessoas mais humildes estão prestando atenção
nisso.”
Agência Brasil
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