Grupo internacional de estudiosos lança novo modelo de estudo do câncer
O trabalho traz um novo campo de estudo de cânceres, combinando mutações genéticas detectadas em células de laboratório e em amostras retiradas de pacientes
As linhagens de câncer têm ajudado médicos e cientistas a entenderem
melhor a doença e a buscarem formas mais eficazes de combatê-la. Células
são retiradas de pacientes e cultivadas em laboratório para reproduzir a
evolução do carcinoma. Mas as simulações, que podem durar décadas,
geralmente não replicam exatamente a realidade, dificultando o trabalho
dos especialistas. Agora, um grupo internacional de estudiosos diz ter
resolvido o problema por meio de um processamento inédito de informações
sobre tumores. Segundo eles, o trabalho traz um novo campo de estudo de
cânceres, mais voltado para as abordagens terapêuticas personalizadas.
“É o início da geração de excitantes ideias sobre como podemos atingir
populações específicas de pacientes usando drogas específicas. Esse tipo
de estudo não era possível há alguns anos porque não havíamos
sequenciado suficientemente os tumores”, comemora Mathew Garnett,
biólogo especializado em câncer do Wellcome Trust Sanger Institute, no
Reino Unido. A pequisa foi liderada por estudiosos dessa instituição
britânica; do Instituto de Bioinformática Europeia, também no Reino
Unido; e do Instituto de Câncer da Holanda. Os detalhes foram divulgados
na edição desta semana da revista Cell.
Inicialmente, os cientistas analisaram, em mais de 11 mil amostras de
tumor, os genes ligados a 29 tipos de câncer. Esse material fazia parte,
principalmente, do Cancer Genome Atlas e do Cancer Genome Consortium
Internacional, bancos de informações públicas sobre a doença. Depois,
compararam os primeiros resultados com cerca de mil linhagens de câncer
usadas em laboratório, focando naquelas que tinham características
parecidas com as do primeiro grupo. Ao combinar os dados, chegaram às
mutações em comum e testaram como elas reagiram à ação de 265 compostos
anticâncer prescritos para diferentes estágios da doença.
Os resultados geraram duas constatações significativas: que a grande
maioria das anomalias encontradas no cancro de pacientes também é
detectada em células de laboratório e que isso transforma essas
linhagens em um material precioso para os testes com medicamentos. “Você
não pode rastrear centenas de drogas por meio de um único paciente, mas
pode fazer isso com linhagens de células. Pode expô-las a muitas drogas
diferentes e fazer perguntas sobre o que é mais ou menos sensível”,
explica Ultan McDermott, do Wellcome Trust Sanger Institute.
Compartilhamento
A equipe trabalha na criação de um portal na internet para que
especialistas busquem linhagens celulares que sejam mais semelhantes às
condições de cânceres específicos e vejam como elas reagem a medicações.
Vice-presidente de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Oncologia
Clínica (Sboc), Carlos Gil ressalta que o trabalho pode ser
revolucionário. “Se confirmado, esse estudo surge como um novo modelo de
estudo. Eles usaram superprocessadores e linhagens de alta qualidade e
descobriram padrões idênticos de mutações genéticas nas amostras. Se
isso se aplica a 29 tipos de câncer, podemos dizer que se aplica à
maioria dos tumores”, avalia.
Gil explica que, mesmo com o fortalecimento das drogas-alvo e da
imunoterapia — duas áreas em alta no enfrentamento ao câncer —, continua
difícil para o médico escolher o melhor tratamento de um paciente. “Há
uma possibilidade grande de combinações, o que pode levar a uma opção
que não será a ideal. Agora, é diferente se houver um modelo em que se
possa reproduzir o mesmo ambiente do tumor, testar combinações in vitro
e, num passo mais adiante, chegar aos ensaios clínicos”, diz.
Uso estratégico
Para Tiago Góss dos Santos, pesquisador do Laboratório de Biologia
Molecular e Celular do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, chama a
atenção, nos resultados apresentados, a possibilidade de abordagens mais
estratégicas contra os carcinomas. O biólogo usa como o exemplo o
câncer de mama, tratado pelos especialistas como um conjunto de doenças
com uma diversidade grande de tipos. “Se você fizer uma droga testando
uma linhagem, estará, na verdade, experimentando para um subtipo da
doença. Agora, se usa uma linhagem com mutações em comum, isso pode
funcionar como um protótipo para outros testes”, explica.
McDermott também reforça o aspecto disseminador do trabalho que
liderou. “Precisamos de melhores maneiras de descobrir quais grupos de
pacientes são mais propensos a responder a um novo medicamento antes de
executar ensaios clínicos complexos e caros. Nossa pesquisa mostra que
as linhagens de câncer podem dizer muito mais sobre como um tumor é
suscetível a uma nova droga antes de ela ser testada em pessoas.
Esperamos que essa informação acabe por ajudar no desenho de ensaios
clínicos que tenham como alvo os pacientes com maior probabilidade de se
beneficiar do tratamento.”
Por Correio Braziliense
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