sexta-feira, 14 de março de 2014

Cássio rouba a cena!

Cássio conta causos de João Agripino na homenagem do TCE ao ex-governador



O senador Cássio Cunha Lima participou na noite desta quinta-feira, 13, da homenagem que o Tribunal de Contas do Estado promoveu em homenagem ao ex-governador da Paraíba, João Agripino Filho. Familiares, amigos e admiradores do também ex-ministro lotaram as dependências do Hotel Tambaú, obra construída no seu governo. Ele foi ainda deputado federal, senador e governador da Paraíba entre 1966 e 197, além de presidente do Tribunal de Contas da União.
Na sua fala, Cássio destacou as qualidades do ex-governador e lembrou que “teve o privilégio de conhecê-lo”, disse. João Agripino, segundo o senador paraibano, era detentor da fala sempre vigorosa, de um homem forte, ético e que pautou sua vida pública pela correção e firmeza de posições, além da coragem de atitudes e gestos. Ele destacou o merecimento desta comemoração pois com toda justiça, foi um homem que teve um grande poder de transformação”.
O senador José Agripino (DEM-RN) sobrinho do homenageado rememorou os momentos de aprendizado vividos com o tio durante as férias que passava ao seu lado em Catolé do Rocha.
Segue, na íntegra, o discurso do senador Cássio Cunha Lima em homenagem “ao grande brasileiro”, João Agripino de Vasconcelos Maia Filho:
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Recentemente fui interpelado por uma jornalista norte-americana que me pediu que contasse uma pequena anedota que pudesse ilustrar o comportamento de um determinado político. Se a correspondente da Agência Bloomberg tivesse me endereçado a pergunta, a fim de que eu sintetizasse a personalidade do nosso homenageado desta noite, eu teria repetido a ela uma historinha que o famoso jornalista Sebastião Nery imortalizou no seu antológico Folclore Político, que passo a narrar agora.
De passagem por Teixeira, o governador João Agripino é abordado pelo popular Zé da Onça:
- Dr. João, preciso da sua proteção.
João promete:
- Ande direito que terá minha proteção.
Aí Zé agradece:
- Muito obrigado, governador. Mas eu andando direito, não preciso da ajuda de ninguém.
O “causo” é emblemático para ilustrar a franqueza, a objetividade e a retidão de nosso João Agripino Filho, que, se vivo estivesse, estaria completando 100 anos. De porte esguio, mas de atitudes robustas, era um homem de gestos simples e de atitudes fortes. E que não fazia concessões ao que era certo.
A austeridade em Agripino não era um mero adorno ou encenação, mas, antes, um atributo de seu temperamento e de sua formação política. Cioso de seus deveres e atribuições, nunca abriu mão da autoridade como elemento essencial ao exercício da função pública. Tinha a honestidade como dogma e a verdade como religião. Quem privou da convivência dele é enfático em dizer que João Agripino Neto diferia daquele tipo poderoso (seja político, seja empresário) que, ao galgar uma posição, torna-se forte para os fracos e fraco para os fortes.
Muito ao contrário. Ele até poderia ser arrogante para com os poderosos e autoritário para com os aproveitadores. Porém era sempre cordial e muito paciente com os pobres e humildes. Condenava a política do clientelismo, do populismo, a demagogia barata e tinha verdadeiro desprezo à bajulação gratuita e aos bajuladores interesseiros.
No livro “O Mago de Catolé”, do jornalista Biu Ramos, o autor descreve um episódio que ilustra a franqueza sem floreios de João Agripino:
“Ainda candidato ao governo da Paraíba, num comício no bairro da Torre, em João Pessoa, Agripino dizia, no tom característico de seus discursos, que não tinha amigo, nem parente, nem correligionário a partir do momento em que fosse desonesto; e que, no seu governo, a polícia não praticaria violência. Quando terminou o discurso, foi abordado por uma senhora, que implorou:
- Senador, pelo amor de Deus, mude essa sua linguagem. O senhor não vê que está perdendo votos com isso?
João olhou-a de frente e respondeu:
- Sei, minha senhora. Mas não quero governar a Paraíba e acabar fazendo o que disse que não vou fazer, para que amanhã não se diga que enganei. Não quero que ninguém possa furtar no meu governo sem saber que será punido. Não quero que nenhum policial venha praticar violência no meu governo sem saber que vai ser expulso. Não me interessa, na eleição, saber se devo dizer isso ou não. Acho que devo dizer tudo o que pretendo fazer para que não imaginem que estou enganando ou digam, mais tarde, que não avisei. Vota em mim quem quer.”
E o povo votou. Tanto que João Agripino foi governador da Paraíba de 31 de janeiro de 1966 a 15 de março de 1971. Na posse dele, pela primeira vez, um governador eleito da Paraíba foi saudado por um oposicionista. Era o então deputado estadual Ronaldo Cunha Lima, à época pertencente ao PTB, chefiado por Argemiro de Figueiredo.
Em inédito atestado de evolução política, Ronaldo, meu pai, enfatizou que as oposições paraibanas tinham três coisas a pedir ao novo governador: equilíbrio, justiça e equidade.
Disse o Poeta:
“A oposição se dispõe a uma colaboração desinteressada sem prescindir da vigilância e da fiscalização dos atos do governo. A oposição pretende servir sem se servir, apenas por amor à Paraíba e ao seu povo. Ontem, os que antagonicamente se conflitavam, reúnem-se hoje para que os vencidos proclamem e reconheçam os vencedores, sem que isso implique em se exceder ou renunciar aos legítimos direitos que ainda existem em favor dos derrotados. Falo em nome daqueles que não se subordinam à sua aliança política, que não aceitam o seu credo e não comungam das suas ideias. É em nome destes que lhe dirijo esta saudação. E saúdo em Vossa Excelência o chefe de Estado que, se outras virtudes não possuísse, teria essa que o torna credor do nosso respeito e da nossa homenagem.”
João Agripino vivenciou a fase dolorosa das cassações de mandatos, derivadas de Atos Institucionais, alcançando políticos aliados e adversários no Estado. Pelo trânsito privilegiado nas esferas centrais de poder, foi tido como mentor de algumas cassações. Vinte anos depois, em entrevista concedida ao jornalista Nonato Guedes para a revista A Carta, João Agripino, seis meses antes de morrer, falou a respeito de algumas cassações terem sido atribuídas a ele, sobretudo a de Ronaldo Cunha Lima.
Em verdade me rebelei contra todas – afirmou Agripino. E, quanto ao caso específico de Ronaldo, João disse que:
“Fiz questão de tomar o automóvel e fazer uma visita a Ronaldo Cunha Lima em Campina Grande, em ato público de inconformismo. Nunca fui homem de tomar uma atitude nos bastidores e outra publicamente”, destacou Agripino, em depoimento histórico à revista em agosto de 1986.
À frente do governo da Paraíba, Agripino impôs-se pela personalidade forte e pelo zelo com a coisa pública. Cobrado por decisões que tomava na jurisdição do Estado que governava, valeu-se do seu estilo e do respaldo alcançado nas urnas para desafiar imposições. Em 1968, por exemplo, manteve o jogo do bicho liberado na Paraíba, quando a contravenção era proibida no resto do país. A rádio Tabajara, emissora oficial, divulgava abertamente os resultados das apostas.
Para garantir o ganha-pão de dezenas de famílias paraibanas, João afrontou as leis e o regime autoritário de então, que ele apoiava. O país vivia sob o jugo militar e a ordem do general-presidente era por fim ao jogo do bicho no Brasil. “Na Paraíba ninguém acaba”, desafiou Agripino.
Certo dia, ao final de uma reunião da Sudene, no Recife, o governador paraibano foi procurado pelo comandante do IV Exército, general Malan, que lhe comunicou:
- Governador, o senhor sabe que o governo federal resolveu acabar definitivamente com o jogo do bicho no país, não sabe? Foi uma determinação pessoal do presidente da República. Aqui, na minha área, o jogo já está proibido da Bahia ao Ceará, com exceção da Paraíba, onde se joga abertamente, sendo bancado pela própria Loteria. Por isso, queria pedir a sua compreensão e suas providências para que seja cumprida a decisão do governo.
João acendeu um cigarro, olhou firme para o general, soltou uma risada e perguntou:
- O senhor acredita mesmo, general, que acabou com o jogo do bicho na sua área?
- Tenho certeza – replicou o general.
Agripino não contou conversa:
- O senhor poderia me acompanhar no meu carro para verificar como o senhor está mal informado? Agora, que fique claro: vamos fazer isso com o compromisso de o senhor não tomar nenhuma medida contra o pobre coitado que vai me servir de cobaia. Sabe, general? Eu poderia até proibir o jogo do bicho no meu Estado, mas isso iria provocar um problema social muito grave, porque são mais de 40 mil pessoas que vivem do jogo na Paraíba. Se o senhor me garantir 40 mil empregos para essas famílias, porém, eu assumo o compromisso de extingui-lo em meu Estado. Agora, vamos ali.
Entraram no carro e Agripino deu ordens ao seu motorista, um contumaz apostador, que fosse ao ponto onde fazia a sua fezinha.
Era um caldo de cana, numa rua estreita, no centro do Recife. Lá, o chofer pediu uma carteira de cigarros, deu uma nota de um mil cruzeiros. O dono do bar avisou que não tinha trocado.
- Então me dê o troco de macaco.
Conforme relato no livro “O mago de Catolé”, aquela era a senha. O homem entrou num cômodo protegido por uma cortina de plástico e voltou com um pule, que o motorista entregou ao governador ao retornar ao carro. Agripino passou o pule para o general Malan, que ficou boquiaberto.
- Guarde isso como lembrança. Mas não se esqueça do compromisso: nenhuma represália contra o dono dessa banca. É um pobre coitado que tira dela o seu sustento – disse Agripino ao general. Era o homem franco e o político justo em ação.
Também coube ao governador João Agripino a iniciativa da construção deste hotel, que hoje é palco desta Sessão de Homenagem ao Centenário de nascimento do governador. Valendo-se das boas relações de amizade que mantinha com o brilhante arquiteto Sérgio Bernardes, nasceu o arrojado projeto do Hotel Tambaú, uma construção redonda e arrojada, metade fincada na areia da praia, metade banhada pelas ondas do mar. A obra é, até hoje, um cartão postal de João Pessoa.
Defensor determinado da autonomia do Estado, de outra feita, Agripino determinou o apresamento de navio estrangeiro no porto de Cabedelo. Ignorou solenemente ordens expedidas pelo oficialato, com as quais não concordava. Deixou claro que, no Palácio, mandava ele.
Outro fato, digno de registro, foi quando João Agripino Filho constatou que o Estado adquiria material e equipamentos por preços 20% mais elevados do que os de mercado, e que a distorção era causada pelo atraso nos pagamentos pelo erário. Descobriu que credores públicos pagavam, a pessoas diversas, preços de intermediação para receber os créditos. Resolveu publicar todos os débitos de uma só vez e recorreu a editais, tanto na imprensa local como em jornais do Rio e São Paulo, comunicando que quem tivesse crédito a receber se apresentasse à secretaria da Fazenda. Adquiriu tal credibilidade que o Estado passou a ser comprador por preço abaixo do mercado, em função da grande quantidade de encomendas. Recorreu, como praxe, à tomada de preços ou concorrência.
Na esfera da Segurança Pública, João Agripino não deixou por menos. Adotou como meta a proteção ao cidadão, enquadrando, sobretudo, policiais transgressores. De três mil policiais, expulsou 700 por violência ou corrupção. Instaurou inquéritos sempre que avisado de improbidade de servidores à frente do cargo. Muitos foram demitidos.
No seu livro “A Fala do Poder - Perfis e Discursos comentados de governadores da Paraíba”, o jornalista Nonato Guedes observa que, coerente ao estilo franco e objetivo, João Agripino Filho foi o governador que pronunciou o mais curto discurso de posse ao assumir o Estado da Paraíba. Naquele momento solene, ele antecipava como se comportaria, inaugurando a chamada transparência dos atos públicos, e anunciava princípios que norteariam a sua gestão.
Disse João Agripino Filho:
“Darei conhecimento de meus atos a todos. Quero uma administração aberta, em que todos saibam o que estou fazendo, em que todos saibam o que meus secretários fazem, porque não pretendo nunca envergonhar-me do que fiz, nem do que fizeram meus auxiliares. Darei conhecimento, diariamente, através da imprensa escrita e falada, dos meus atos. Se alguns entenderem que errei, não tenham receio de me dizer, porque só terei cara e ouvidos fechados à intriga e à bajulação. Tê-los-ei, entretanto, bem abertos às advertências. Ninguém governa bem sem ouvir as críticas. Os melhores amigos são os que, depois do pleito, ficam à distância, atentos, apenas vendo e ouvindo. Veem e ouvem muito mais do que os que ficam em Palácio.
Fui, sou e serei sempre o mesmo homem. Não mudarei. Todos haverão de me encontrar, no fim do mandato, como encontraram na campanha e como me encontro agora.”
João Agripino Filho foi deputado federal, senador, governador do Estado e ministro do Tribunal de Contas do Estado e ministro das Minas e Energia. De família tradicional, prestou vestibular para Direito e formou-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, foi líder estudantil, fez parte do grupo que se opunha ao integralismo e ao nazismo. Foi professor primário, promotor público no Rio Grande do Norte e na Paraíba, e advogado de pequenos camponeses. Deixou herdeiros políticos, como o filho João Neto e o neto Gervásio Maia Filho, ambos aqui presentes neste momento solene, e homens públicos que, considerando-se a correção com que se comportam, honram o legado do pai e avô.
Lembro-me bem de avistá-lo no palanque, na campanha de 1982, quando ele era candidato a deputado federal. Era um comício na Rua Felipe Camarão, no Bairro do São José, na campanha de Ronaldo para prefeito de Campina Grande e de Antonio Mariz para o Governo da Paraíba. No palanque, Agripino apoiava o pé sobre a grade do caminhão. Era hábito. Recordo-me de que o vi levar a mão direita ao rosto uma três vezes durante o comício, polegar e indicador apertando aquele sinal imaginário no meio da cara. Era um cacoete, que Agripino repetia à exaustão.
Morreu em seis de fevereiro de 1988. Vítima de infarto. Pouco antes, em conselho aos jovens paraibanos, deixou para a posteridade a definição histórica da missão política. “A política” – disso João Agripino – “é a arte de servir à coletividade com desprendimento, renúncia e visão global dos problemas sociais e econômicos. O objetivo precisa visar à derrota das gritantes injustiças, que alimentam a desigualdade social e colaboram para o criminoso empobrecimento de muitos em favor de alguns poucos, que se tornam mais ricos”.
No próximo dia 24, por iniciativa do deputado federal Ruy Carneiro e minha, o Congresso Nacional também presta homenagem a esse extraordinário paraibano. E digo, sem nenhum exagero, que as homenagens a João Agripino Filho ainda são reconhecimentos acanhados diante da grandeza desse paraibano de Catolé do Rocha, cuja biografia é exemplo para a História e, sem dúvida nenhuma, orgulho para os paraibanos.
Muito obrigado!
Blog do Tião Lucena

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