Cássio conta causos de João Agripino na homenagem do TCE ao ex-governador
O senador Cássio Cunha
Lima participou na noite desta quinta-feira, 13, da homenagem que o
Tribunal de Contas do Estado promoveu em homenagem ao ex-governador da
Paraíba, João Agripino Filho. Familiares, amigos e admiradores do também
ex-ministro lotaram as dependências do Hotel Tambaú, obra construída no
seu governo. Ele foi ainda deputado federal, senador e governador da
Paraíba entre 1966 e 197, além de presidente do Tribunal de Contas da
União.
Na sua fala, Cássio destacou as qualidades do ex-governador e lembrou
que “teve o privilégio de conhecê-lo”, disse. João Agripino, segundo o
senador paraibano, era detentor da fala sempre vigorosa, de um homem
forte, ético e que pautou sua vida pública pela correção e firmeza de
posições, além da coragem de atitudes e gestos. Ele destacou o
merecimento desta comemoração pois com toda justiça, foi um homem que
teve um grande poder de transformação”.
O senador José Agripino (DEM-RN) sobrinho do homenageado rememorou os
momentos de aprendizado vividos com o tio durante as férias que passava
ao seu lado em Catolé do Rocha.
Segue, na íntegra, o discurso do senador Cássio Cunha Lima em homenagem
“ao grande brasileiro”, João Agripino de Vasconcelos Maia Filho:
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Recentemente fui interpelado por uma jornalista norte-americana que me
pediu que contasse uma pequena anedota que pudesse ilustrar o
comportamento de um determinado político. Se a correspondente da Agência
Bloomberg tivesse me endereçado a pergunta, a fim de que eu
sintetizasse a personalidade do nosso homenageado desta noite, eu teria
repetido a ela uma historinha que o famoso jornalista Sebastião Nery
imortalizou no seu antológico Folclore Político, que passo a narrar
agora.
De passagem por Teixeira, o governador João Agripino é abordado pelo popular Zé da Onça:
- Dr. João, preciso da sua proteção.
João promete:
- Ande direito que terá minha proteção.
Aí Zé agradece:
- Muito obrigado, governador. Mas eu andando direito, não preciso da ajuda de ninguém.
O “causo” é emblemático para ilustrar a franqueza, a objetividade e a
retidão de nosso João Agripino Filho, que, se vivo estivesse, estaria
completando 100 anos. De porte esguio, mas de atitudes robustas, era um
homem de gestos simples e de atitudes fortes. E que não fazia concessões
ao que era certo.
A austeridade em Agripino não era um mero adorno ou encenação, mas,
antes, um atributo de seu temperamento e de sua formação política. Cioso
de seus deveres e atribuições, nunca abriu mão da autoridade como
elemento essencial ao exercício da função pública. Tinha a honestidade
como dogma e a verdade como religião. Quem privou da convivência dele é
enfático em dizer que João Agripino Neto diferia daquele tipo poderoso
(seja político, seja empresário) que, ao galgar uma posição, torna-se
forte para os fracos e fraco para os fortes.
Muito ao contrário. Ele até poderia ser arrogante para com os poderosos e
autoritário para com os aproveitadores. Porém era sempre cordial e
muito paciente com os pobres e humildes. Condenava a política do
clientelismo, do populismo, a demagogia barata e tinha verdadeiro
desprezo à bajulação gratuita e aos bajuladores interesseiros.
No livro “O Mago de Catolé”, do jornalista Biu Ramos, o autor descreve
um episódio que ilustra a franqueza sem floreios de João Agripino:
“Ainda candidato ao governo da Paraíba, num comício no bairro da Torre,
em João Pessoa, Agripino dizia, no tom característico de seus discursos,
que não tinha amigo, nem parente, nem correligionário a partir do
momento em que fosse desonesto; e que, no seu governo, a polícia não
praticaria violência. Quando terminou o discurso, foi abordado por uma
senhora, que implorou:
- Senador, pelo amor de Deus, mude essa sua linguagem. O senhor não vê que está perdendo votos com isso?
João olhou-a de frente e respondeu:
- Sei, minha senhora. Mas não quero governar a Paraíba e acabar fazendo o
que disse que não vou fazer, para que amanhã não se diga que enganei.
Não quero que ninguém possa furtar no meu governo sem saber que será
punido. Não quero que nenhum policial venha praticar violência no meu
governo sem saber que vai ser expulso. Não me interessa, na eleição,
saber se devo dizer isso ou não. Acho que devo dizer tudo o que pretendo
fazer para que não imaginem que estou enganando ou digam, mais tarde,
que não avisei. Vota em mim quem quer.”
E o povo votou. Tanto que João Agripino foi governador da Paraíba de 31
de janeiro de 1966 a 15 de março de 1971. Na posse dele, pela primeira
vez, um governador eleito da Paraíba foi saudado por um oposicionista.
Era o então deputado estadual Ronaldo Cunha Lima, à época pertencente ao
PTB, chefiado por Argemiro de Figueiredo.
Em inédito atestado de evolução política, Ronaldo, meu pai, enfatizou
que as oposições paraibanas tinham três coisas a pedir ao novo
governador: equilíbrio, justiça e equidade.
Disse o Poeta:
“A oposição se dispõe a uma colaboração desinteressada sem prescindir da
vigilância e da fiscalização dos atos do governo. A oposição pretende
servir sem se servir, apenas por amor à Paraíba e ao seu povo. Ontem, os
que antagonicamente se conflitavam, reúnem-se hoje para que os vencidos
proclamem e reconheçam os vencedores, sem que isso implique em se
exceder ou renunciar aos legítimos direitos que ainda existem em favor
dos derrotados. Falo em nome daqueles que não se subordinam à sua
aliança política, que não aceitam o seu credo e não comungam das suas
ideias. É em nome destes que lhe dirijo esta saudação. E saúdo em Vossa
Excelência o chefe de Estado que, se outras virtudes não possuísse,
teria essa que o torna credor do nosso respeito e da nossa homenagem.”
João Agripino vivenciou a fase dolorosa das cassações de mandatos,
derivadas de Atos Institucionais, alcançando políticos aliados e
adversários no Estado. Pelo trânsito privilegiado nas esferas centrais
de poder, foi tido como mentor de algumas cassações. Vinte anos depois,
em entrevista concedida ao jornalista Nonato Guedes para a revista A
Carta, João Agripino, seis meses antes de morrer, falou a respeito de
algumas cassações terem sido atribuídas a ele, sobretudo a de Ronaldo
Cunha Lima.
Em verdade me rebelei contra todas – afirmou Agripino. E, quanto ao caso específico de Ronaldo, João disse que:
“Fiz questão de tomar o automóvel e fazer uma visita a Ronaldo Cunha
Lima em Campina Grande, em ato público de inconformismo. Nunca fui homem
de tomar uma atitude nos bastidores e outra publicamente”, destacou
Agripino, em depoimento histórico à revista em agosto de 1986.
À frente do governo da Paraíba, Agripino impôs-se pela personalidade
forte e pelo zelo com a coisa pública. Cobrado por decisões que tomava
na jurisdição do Estado que governava, valeu-se do seu estilo e do
respaldo alcançado nas urnas para desafiar imposições. Em 1968, por
exemplo, manteve o jogo do bicho liberado na Paraíba, quando a
contravenção era proibida no resto do país. A rádio Tabajara, emissora
oficial, divulgava abertamente os resultados das apostas.
Para garantir o ganha-pão de dezenas de famílias paraibanas, João
afrontou as leis e o regime autoritário de então, que ele apoiava. O
país vivia sob o jugo militar e a ordem do general-presidente era por
fim ao jogo do bicho no Brasil. “Na Paraíba ninguém acaba”, desafiou
Agripino.
Certo dia, ao final de uma reunião da Sudene, no Recife, o governador
paraibano foi procurado pelo comandante do IV Exército, general Malan,
que lhe comunicou:
- Governador, o senhor sabe que o governo federal resolveu acabar
definitivamente com o jogo do bicho no país, não sabe? Foi uma
determinação pessoal do presidente da República. Aqui, na minha área, o
jogo já está proibido da Bahia ao Ceará, com exceção da Paraíba, onde se
joga abertamente, sendo bancado pela própria Loteria. Por isso, queria
pedir a sua compreensão e suas providências para que seja cumprida a
decisão do governo.
João acendeu um cigarro, olhou firme para o general, soltou uma risada e perguntou:
- O senhor acredita mesmo, general, que acabou com o jogo do bicho na sua área?
- Tenho certeza – replicou o general.
Agripino não contou conversa:
- O senhor poderia me acompanhar no meu carro para verificar como o
senhor está mal informado? Agora, que fique claro: vamos fazer isso com o
compromisso de o senhor não tomar nenhuma medida contra o pobre coitado
que vai me servir de cobaia. Sabe, general? Eu poderia até proibir o
jogo do bicho no meu Estado, mas isso iria provocar um problema social
muito grave, porque são mais de 40 mil pessoas que vivem do jogo na
Paraíba. Se o senhor me garantir 40 mil empregos para essas famílias,
porém, eu assumo o compromisso de extingui-lo em meu Estado. Agora,
vamos ali.
Entraram no carro e Agripino deu ordens ao seu motorista, um contumaz apostador, que fosse ao ponto onde fazia a sua fezinha.
Era um caldo de cana, numa rua estreita, no centro do Recife. Lá, o
chofer pediu uma carteira de cigarros, deu uma nota de um mil cruzeiros.
O dono do bar avisou que não tinha trocado.
- Então me dê o troco de macaco.
Conforme relato no livro “O mago de Catolé”, aquela era a senha. O homem
entrou num cômodo protegido por uma cortina de plástico e voltou com um
pule, que o motorista entregou ao governador ao retornar ao carro.
Agripino passou o pule para o general Malan, que ficou boquiaberto.
- Guarde isso como lembrança. Mas não se esqueça do compromisso: nenhuma
represália contra o dono dessa banca. É um pobre coitado que tira dela o
seu sustento – disse Agripino ao general. Era o homem franco e o
político justo em ação.
Também coube ao governador João Agripino a iniciativa da construção
deste hotel, que hoje é palco desta Sessão de Homenagem ao Centenário de
nascimento do governador. Valendo-se das boas relações de amizade que
mantinha com o brilhante arquiteto Sérgio Bernardes, nasceu o arrojado
projeto do Hotel Tambaú, uma construção redonda e arrojada, metade
fincada na areia da praia, metade banhada pelas ondas do mar. A obra é,
até hoje, um cartão postal de João Pessoa.
Defensor determinado da autonomia do Estado, de outra feita, Agripino
determinou o apresamento de navio estrangeiro no porto de Cabedelo.
Ignorou solenemente ordens expedidas pelo oficialato, com as quais não
concordava. Deixou claro que, no Palácio, mandava ele.
Outro fato, digno de registro, foi quando João Agripino Filho constatou
que o Estado adquiria material e equipamentos por preços 20% mais
elevados do que os de mercado, e que a distorção era causada pelo atraso
nos pagamentos pelo erário. Descobriu que credores públicos pagavam, a
pessoas diversas, preços de intermediação para receber os créditos.
Resolveu publicar todos os débitos de uma só vez e recorreu a editais,
tanto na imprensa local como em jornais do Rio e São Paulo, comunicando
que quem tivesse crédito a receber se apresentasse à secretaria da
Fazenda. Adquiriu tal credibilidade que o Estado passou a ser comprador
por preço abaixo do mercado, em função da grande quantidade de
encomendas. Recorreu, como praxe, à tomada de preços ou concorrência.
Na esfera da Segurança Pública, João Agripino não deixou por menos.
Adotou como meta a proteção ao cidadão, enquadrando, sobretudo,
policiais transgressores. De três mil policiais, expulsou 700 por
violência ou corrupção. Instaurou inquéritos sempre que avisado de
improbidade de servidores à frente do cargo. Muitos foram demitidos.
No seu livro “A Fala do Poder - Perfis e Discursos comentados de
governadores da Paraíba”, o jornalista Nonato Guedes observa que,
coerente ao estilo franco e objetivo, João Agripino Filho foi o
governador que pronunciou o mais curto discurso de posse ao assumir o
Estado da Paraíba. Naquele momento solene, ele antecipava como se
comportaria, inaugurando a chamada transparência dos atos públicos, e
anunciava princípios que norteariam a sua gestão.
Disse João Agripino Filho:
“Darei conhecimento de meus atos a todos. Quero uma administração
aberta, em que todos saibam o que estou fazendo, em que todos saibam o
que meus secretários fazem, porque não pretendo nunca envergonhar-me do
que fiz, nem do que fizeram meus auxiliares. Darei conhecimento,
diariamente, através da imprensa escrita e falada, dos meus atos. Se
alguns entenderem que errei, não tenham receio de me dizer, porque só
terei cara e ouvidos fechados à intriga e à bajulação. Tê-los-ei,
entretanto, bem abertos às advertências. Ninguém governa bem sem ouvir
as críticas. Os melhores amigos são os que, depois do pleito, ficam à
distância, atentos, apenas vendo e ouvindo. Veem e ouvem muito mais do
que os que ficam em Palácio.
Fui, sou e serei sempre o mesmo homem. Não mudarei. Todos haverão de me
encontrar, no fim do mandato, como encontraram na campanha e como me
encontro agora.”
João Agripino Filho foi deputado federal, senador, governador do Estado e
ministro do Tribunal de Contas do Estado e ministro das Minas e
Energia. De família tradicional, prestou vestibular para Direito e
formou-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
Direito do Recife, foi líder estudantil, fez parte do grupo que se
opunha ao integralismo e ao nazismo. Foi professor primário, promotor
público no Rio Grande do Norte e na Paraíba, e advogado de pequenos
camponeses. Deixou herdeiros políticos, como o filho João Neto e o neto
Gervásio Maia Filho, ambos aqui presentes neste momento solene, e homens
públicos que, considerando-se a correção com que se comportam, honram o
legado do pai e avô.
Lembro-me bem de avistá-lo no palanque, na campanha de 1982, quando ele
era candidato a deputado federal. Era um comício na Rua Felipe Camarão,
no Bairro do São José, na campanha de Ronaldo para prefeito de Campina
Grande e de Antonio Mariz para o Governo da Paraíba. No palanque,
Agripino apoiava o pé sobre a grade do caminhão. Era hábito. Recordo-me
de que o vi levar a mão direita ao rosto uma três vezes durante o
comício, polegar e indicador apertando aquele sinal imaginário no meio
da cara. Era um cacoete, que Agripino repetia à exaustão.
Morreu em seis de fevereiro de 1988. Vítima de infarto. Pouco antes, em
conselho aos jovens paraibanos, deixou para a posteridade a definição
histórica da missão política. “A política” – disso João Agripino – “é a
arte de servir à coletividade com desprendimento, renúncia e visão
global dos problemas sociais e econômicos. O objetivo precisa visar à
derrota das gritantes injustiças, que alimentam a desigualdade social e
colaboram para o criminoso empobrecimento de muitos em favor de alguns
poucos, que se tornam mais ricos”.
No próximo dia 24, por iniciativa do deputado federal Ruy Carneiro e
minha, o Congresso Nacional também presta homenagem a esse
extraordinário paraibano. E digo, sem nenhum exagero, que as homenagens a
João Agripino Filho ainda são reconhecimentos acanhados diante da
grandeza desse paraibano de Catolé do Rocha, cuja biografia é exemplo
para a História e, sem dúvida nenhuma, orgulho para os paraibanos.
Muito obrigado!
Blog do Tião Lucena
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