quarta-feira, 22 de março de 2023

Saiba por que a vida de solteiro incomoda tanto

SINGLISMO: termo criado por duas psicólogas americanas que se refere a pessoas solteiras discriminadas por conta do estado civil

O termo singlismo define a discriminação contra adultos que vivem sozinhos e são estereotipados diante de suas escolhas

Lilian Monteiro - Estado de Minas
(crédito:  Lucas Figueiredo/CBF)
(Crédito: Lucas Figueiredo/CBF)

Singlismo. Sabe o que é? Você pratica ou combate? O termo ganha notoriedade e agita parte da sociedade que se vê afetada pelo simples fato de ser solteira, seja por escolha, opção ou por circunstâncias da vida. Mulheres e homens estigmatizados que recebem estereótipos negativos por não viverem um relacionamento carimbado como casal. Embora muitos não se familiarizem com o termo, criado em 2005 pelas psicólogas americanas Bella De Paulo e Wendy Morris, o conceito se refere a um fenômeno cada vez mais comum: pessoas solteiras discriminadas por conta do estado civil. Qual é o problema? Por que incomoda tanto?

Em seus estudos, Bella De Paulo e Wendy Morris perceberam que pessoas solteiras são socialmente percebidas como tímidas, infelizes, solitárias, inseguras e inflexíveis. E, claro, se tal condição se apresentar depois dos 30 anos, quando a pressão social aumenta, é ainda pior. Alguma dúvida de que para as mulheres o peso da cobrança é ainda maior e mais estigmatizado?

O singlismo é mais cruel com as mulheres, ainda mais acima dos 40 anos, do que com os homens. O estigma da “encalhada”, “solteirona”, “ficou pra titia” é comum e habitual, assim como a desconfiança sobre sua opção sexual, que vira um julgamento. Os homens são retratados como engraçados, potencialmente charmosos, relaxados, vivendo a vida.

"Não é com todo mundo que a conexão mágica de amar ocorre e nem é todo mundo que está disposto a cumprir as diversas exigências que um casamento pode demandar", afirma Cynthia Dias Pinto Coelho, psicóloga e sexóloga

A mulher que não namora, não casou ou não tem um relacionamento é apontada como solitária, mal resolvida, mal-amada, infeliz ou então uma pessoa que só pensa na vida profissional. Muitas vezes, ser solteira não significa uma escolha e ela se vê pressionada a uma condição social imposta pela sociedade.

Não é só sobre relacionamentos amorosos 

O singlismo não recai somente sobre os relacionamentos amorosos. Conforme Bella De Paulo e Wendy Morris, o solteiro, em alguns casos, tem avaliações negativas em outras searas da sociedade. É visto como desajustado, “coitado” e, de novo, paga caro por isso. Basta pensar que muitos benefícios legais só se destinam a quem é casado ou tem filhos. Sendo assim, têm mais dificuldade de comprovar renda, o custo de vida torna-se mais caro, e alguns costumam ser mais solicitados para trabalhar além do horário. Já parte dos homens solteiros são vistos como cafajestes, descompromissados, irresponsáveis, infantis, incapazes de cuidar de si próprios ou "obcecados por sexo".

Cynthia Dias Pinto Coelho, psicóloga e sexóloga, destaca que curiosamente uma questão linguística aponta para a diferença de singlismo entre os gêneros. “A cultura popular, quando se refere à mulher diz que ela ‘ficou pra titia’, sugerindo uma passividade em seu estado civil, que aconteceu supostamente pela falta de um candidato a marido. Já quando se refere ao homem, a expressão usada é que ‘ele é um solteirão’, sugerindo uma atividade na escolha de seu estado civil. A diferença é sutil, mas o preconceito mora, muitas vezes, na sutileza.”

No dicionário

Em 2020, a cantora Luísa Sonza se indignou e compartilhou com seus seguidores do Instagram o resultado de uma busca no Google ao clicar “mulher solteira”. Ela se deparou, primeiramente, com o resultado da definição do dicionário Oxford Languages, um dos parceiros do site de buscas. No caso, o termo seria “pejorativo” e se referiria a uma “prostituta ou meretriz”.

O livro “Singled out: how singles are stereotyped, stigmatized and ignored, and still live happily ever after”, em português "Segregados: como os solteiros são estereotipados, estigmatizados e ignorados e vivem felizes"), de Bella De Paulo, de 2018, da Editora ? Babelcube Inc., lembra que os solteiros estão mudando a cara dos Estados Unidos. Eles já são 40% dos adultos do país (mais de 87 milhões de pessoas). São divorciados, viúvos ou sempre estiveram solteiros. Isso significa que já há mais lares formados por solteiros morando sozinhos do que lares de pais casados e seus filhos e os americanos passam mais tempo de sua vida adulta solteiros, em vez de casados.

Cynthia Coelho enfatiza que é difícil a sociedade compreender e aceitar a solteirice como uma escolha pessoal. “Desde que o mundo é mundo as pessoas são criadas e treinadas para o casamento e para a formação de uma família, tanto do ponto de vista social quanto religioso. Os contos de fada falam sobre os príncipes e princesas encantadas, que encontram o amor mágico e o tão sonhado ‘felizes para sempre’. Os cantores e poetas sempre recitaram poesias ou cantaram músicas sobre o amor perfeito, que acabou por se tornar o desejo de muitos. Mas na vida real nem todo mundo encontra um grande amor, com quem queira dividir a vida até o fim. Não é com todo mundo que a conexão mágica de amar ocorre e nem é todo mundo que está disposto a cumprir as exigências diversas que um casamento pode demandar”, explica.

A especialista acrescenta que a literatura e o cinema já abordaram o tema inúmeras vezes em filmes como “O diário de Bridget Jones”, “Casa comigo?” e “Os homens são de Marte e é pra lá que eu vou”, entre outros. Todos mostram em formato de comédia as desventuras de solteiras em busca do amor e do casamento. “Já o livro ‘Não sou feliz, mas tenho marido’ abre um espaço interessante para a reflexão acerca do tema. Realmente vale a pena se submeter a tudo para ter um casamento?”, questiona.

“A cada dia que passa as pessoas se sentem mais livres para fazerem suas escolhas em relação ao seu estado civil, o que se abre para inúmeras possibilidades além do casamento. A verdade é que ter um relacionamento amoroso duradouro só tem sentido se a relação realmente for muito boa, trazendo paz, alegria, cuidados e cumplicidade. Não é a qualquer preço nem para prestar contas à sociedade ou à família que alguém deve se submeter a relações tóxicas ou abusivas, prevalecendo a máxima do dito popular: ‘Antes só do que mal acompanhado’.

Correio Braziliense

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