Infectologistas, biólogos e médicos criticam protocolo, veem ‘armadilha’ e citam riscos
O
Ministério da Saúde divulgou nesta quarta-feira (20) o novo protocolo
que libera no SUS o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina até para
casos leves de Covid-19. Até então, o protocolo previa os remédios para
casos graves.
Veja a repercussão de alguns especialistas:
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
“Não
temos, até o momento, nenhum estudo conclusivo sobre a cloroquina. O
único estudo já publicado por pesquisadores da Fiocruz com pacientes de
Covid-19 foi o CloroCovid-19. Os resultados iniciais do estudo mostram
que pacientes graves com Covid-19 não devem usar doses altas de
cloroquina. A pesquisa tem como objetivo avaliar a segurança e a
eficácia de duas dosagens diferentes do medicamento e analisou 81
pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). As primeiras
conclusões do estudo apontaram que pacientes graves com Covid-19 não
devem usar a dose recomendada pelo consenso de tratamento chinês. Este
foi o primeiro estudo no mundo que apresentou evidências sobre esse tipo
de uso”.
Julio Croda, infectologista da Fiocruz e UFMS, e
ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do
Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Luiz Henrique
Mandetta
“O protocolo é uma armadilha para o médico que está na
linha de frente [de combate à pandemia]. Haverá pressão popular para a
prescrição do medicamento pelo médico, mas o próprio ministério
condiciona a uma série de medidas, que não tem como aplicar no dia a
dia, como o monitoramento eletrocardiográfico. O protocolo também é
diferente do parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), que fala
sobre o uso em casos confirmados — o Ministério da Saúde não explicita
isso”.
“O que vai acontecer é que muitos médicos vão prescrever
indiscriminadamente, não vão se atentar à nota publicada no protocolo do
Ministério da Saúde ou à recomendação do CFM para usar em casos
confirmados, e depois que o paciente tiver um problema associado ao
medicamento, o médico poderá ser responsabilizado legalmente porque não
está de acordo com o CFM, nem com o protocolo do Ministério da Saúde.
Não é uma droga para ser usada na suspeita de um caso, nem pela
população. Minha preocupação maior é que esta droga não tem evidências
científicas e há literatura que inclusive condena o uso.”
Natália Pasternak, bióloga formada pela Universidade de São Paulo (USP), PhD com pós-doutorado em Microbiologia
“Esta
é uma situação absurda. A gente tem inúmeros trabalhos mostrando que a
hidroxicloroquina não é eficiente no tratamento em nenhuma etapa da
Covid-19. Essa mudança de protocolo vai trazer um uso precoce do
medicamento sem nenhuma fundamentação científica”.
“Nós temos
trabalhos em modelo animal, e é assim que se testa um medicamento.
Devido ao hype e à pressão da população pela droga, as pessoas começaram
a testar em humanos, e foi passada uma impressão errada de que o
medicamento pudesse funcionar. Primeiro testaram em células, células
genéricas, uma linhagem fácil de manipular em laboratório, e funcionou a
cloroquina, mas isso não quer dizer que funcionaria em outras células e
em animais. E foi exatamente isso que os outros testes mostraram: que
não funciona”.
“Você passa a testar em animais e a
hidroxicloroquina não funciona. Inclusive, quando passa a ser usada em
animais ela aumentou a replicação [do coronavírus]. Também testaram em
células-alvo, células do trato respiratório, e também não funcionou. Foi
testado em macacos, camundongos, em todos os estágios da doença. Não
foi capaz de reduzir a carga viral”.
Alexandre Naime, Sociedade Brasileira de Infectologia, em São Paulo
“Logo
no começo do documento tem um ‘considerando que não tem evidência
científica para o tratamento específico da cloroquina’. Esse
‘considerando que não tem evidência científica’ já mostra que não tem
sentido nenhum usar nenhum tipo de medicação. Ele é um documento
político. Só para dizer que tem um protocolo. E coloca bem claro que
fica a critério do médico e do paciente decidir. É basicamente um
documento político que não acrescenta em nada”.
Jean Gorinchteyn, infectologista do hospital Emílio Ribas, em São Paulo
“Todo
médico segue ou deveria seguir os estudos científicos na hora de dar um
medicamento. Esses estudos mostram que usar ou não a cloroquina, neste
momento, não tem respaldo científico. Foram feitos vários trabalhos de
pesquisa em várias partes do mundo e nenhum trouxe resultado promissor.
Como medicações podem causar efeitos colaterais, há um risco no uso
deste medicamento.”
Wladimir Queiroz, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)
“A
adoção da cloroquina é uma decisão política tomada por pessoas que não
são médicas. Sou médico desde a época em que surgiram as primeiras
infecções por HIV e naquele momento muitas pessoas falavam o que vinha à
cabeça. Usavam um medicamento que deu certo em um paciente e já achavam
que daria certo para todos. Mas quem está lidando com os pacientes de
Covid-19 sabe que tem pessoas que vão muito bem contra a doença e outras
que vão muito mal, independente do medicamento. Atribuir [a cura da
Covid-19] a uma droga tão antiga, cujo mecanismo de ação e efeito
biológico são tão diferentes, não tem o menor sentido.”
Álvaro Costa, infectologista do Hospital das Clínicas
“A
gente tem um país muito heterogêneo. Então, abre a possibilidade de os
profissionais médicos usarem, apesar de a gente falar inúmeras vezes da
falta de evidências, mas abre a possibilidade de uma expansão do uso da
medicação, mesmo com todos os poréns já colocados. Quando saíram os
primeiros estudos houve muito furor, mas à medida que ampliamos os
estudos, no contexto da ausência de evidências, a gente passa a olhar
com muita cautela para essas medidas [do governo federal]”.
G1 - Publicado por: Fabricia Oliveira
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