Coronavírus avança mais rápido em cidades pequenas, mostra levantamento da Fiocruz
Depois
de se disseminar pelas metrópoles e grandes centros urbanos do país, o
coronavírus começa a chegar e a fazer vítimas numa velocidade
preocupante nas pequenas cidades do país. Um estudo da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) mostra que, nas duas últimas semanas, houve um aumento
muito grande, em torno de 50% de novos casos, nos municípios que têm até
20 mil habitantes.
Segundo os pesquisadores, o avanço
da Covid-19 em direção às cidades menores revela uma situação
preocupante em razão da menor disponibilidade e capacidade de seus
serviços de saúde.
“O impacto do avanço da doença nos pequenos
municípios está ligado ao fluxo de mais pessoas que precisam de
atendimento especial”, explica Mônica Magalhães, especialista em
Geoprocessamento Aplicado à Saúde e Ambiente e pesquisadora do
MonitoraCovid-19, projeto de monitoramento da pandemia da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).
De acordo com ela, o fluxo de pessoas de
cidades menores em direção às maiores em busca de serviços médicos
sempre existiu, sendo mapeado por estudos como o da pesquisa Regiões de
Influência das Cidades (REGIC), do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
“O que está acontecendo nesta pandemia é que o volume desse fluxo cresceu muito”, diz.
“Já
vemos muito mais gente saindo dos municípios pequenos para os maiores,
porque o número de casos de urgência é muito mais elevado do que a gente
costuma acompanhar pelos indicadores de saúde, de uma maneira geral. Ou
seja, está aumentando drasticamente a procura por serviços de
internação e de UTI, que já vinham funcionando no limite durante o ano
todo em situações normais.”
Para
fazer o levantamento, os pesquisadores levaram em conta as regiões de
saúde da REGIC e dividiram os municípios brasileiros em “redes de
atendimento em saúde”.
“São grupos de cidades que apresentam forte
interação entre si, considerando atendimentos a pacientes e serviços
médicos”, explica o geógrafo da saúde Raphael Saldanha, também
pesquisador do MonitoraCovid-19.
De acordo com ele, basicamente, a
pesquisa levantou quais municípios ou concentrações urbanas são
procurados pela população quando tem de sair daquele em que mora para
buscar atendimento médico.
“As regiões divulgadas agora são uma
primeira aproximação e podem sofrer ajustes até o relatório final da
pesquisa ser lançado”, diz. “Dessa forma, enquanto as regiões de saúde
do Ministério da Saúde são ditadas pelos entes federativos, as da REGIC
se aproximam mais da do que é realizado em prática, pela população.”
Depois
essas redes foram classificadas como de baixa, média e alta
complexidade, de acordo com três parâmetros: número de médicos, de
leitos de UTI e de respiradores e ventiladores.
“Para cada um
deles, buscamos um valor de referência”, explica Mônica Magalhães.
“Esses valores podem ser dados pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
ou pelo Ministério da Saúde. Nesta análise, utilizamos valores de mais
de uma fonte.”
Em seguida eles verificaram as regiões que estavam acima ou abaixo desses valores de referência.
Considerando
a totalidade das regiões de saúde, 70% delas já apresentam caso de
contaminação pelo novo coronavírus e 30% já têm mortes. Outro dado
preocupante é que metade daquelas para onde a covid-19 está se
difundindo tem recursos de atendimento abaixo dos parâmetros
recomendados para situações de normalidade — o que significa dizer que,
para casos de pandemia, elas estão menos preparadas ainda.
Os
pesquisadores avaliaram a evolução temporal da presença de casos de
covid-19 por regiões de média e baixa complexidade, em dois períodos
específicos, de 27 de março a 2 de abril e de 17 a 23 de abril.
No total das 758, o número daquelas com casos da doença saltou de 20,8% para 71,5% delas (158 para 542).
Nas
54 regiões com até 20 mil habitantes, o índice passou de 3,7% para
22,2% (de duas para 12); nas 192 com população entre 20 e 50 mil, a
elevação foi 7,3% para 48,4% (de 14 para 93); nas 171 de 50 a 100 mil
moradores, a porcentagem subiu 15,8% para 68,4% (27 para 117), nas 265
de 100 a 500 mil habitantes houve um incremento de 34,1% para 92,1% (de
92 para 244), e nas 76 com mais 500 mil moradores, o aumento foi de
30,3% para 100% (de 23 para 76%).
Na nota técnica que divulgaram,
os pesquisadores observam “que grande parte da região litorânea e do
norte do país já apresenta mais de 70% dos municípios com casos de Covid-19 no último período de análise. (…) Observa-se que poucas regiões
no centro do país no norte de Minas Gerais e Mato Grosso, no Tocantins e
Piauí ainda não apresentaram casos da doença no último período
analisado”.
O grupo do MonitoraCovid-19 também levantou as regiões
onde já ocorreram mortes. De acordo com eles, a comparação entre os
dois períodos analisados (de 27 de março a 2 de abril e de 17 a 23 de
abril) deixa evidente a interiorização da ocorrência de óbitos pela
doença no país.
“Com exceção do interior da Bahia, norte do Mato
Grosso, sul do Pará e sul do país, o restante das regiões de saúde já
apresentavam mortes por Covid-19 no primeiro período analisado”,
escrevem na nota técnica. “Já no segundo período, observa-se a ampla
dispersão de regiões com óbitos, tanto no entorno das regiões que
apresentaram no primeiro período, quanto para áreas mais interioranas do
país.”
Como
os municípios pequenos estão tendo um aumento de casos nestas duas
últimas semanas, a preocupação dos pesquisadores foi em relação às
recomendações de isolamento que estão sendo aplicadas de diferentes
formas em cada localidade.
“Não é possível pensar isso de maneira
isolada, porque as cidades não são isoladas”, diz Magalhães. “Todas têm
uma conexão muito grande entre elas, principalmente pelo fluxo de
pessoas.”
Por isso, de acordo com ela, quando se pensa em abertura
ou liberação da mobilidade das pessoas nos municípios é preciso prestar
atenção sempre ao entorno. “Será que essas outras cidades terão
condições de atender nos serviços de saúde todos os seus habitantes?”,
indaga.
“Será que a população desta localidade procura outros
centros urbanos para serem atendidos? Para pensar as políticas de
isolamento para prevenção da covid-19 é preciso entender essas redes que
são criadas pelas próprias necessidades da população, porque diferentes
fatores fazem as pessoas transitarem por esses espaços, e nem sempre
esses municípios tem capacidade de atender os próprios habitantes.”
Pelos
dados de mobilidade da REGIC, se vê que as pessoas, assim como os
vírus, não se prendem aos limites territoriais. Fora das capitais, é
comum sair do município em busca de serviços.
“No caso de saúde,
pode ocorrer também a procura por outros Estados”, explica Magalhães.
“Um exemplo muito típico é na bacia do rio São Francisco, a divisão
entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). São cidades vizinhas onde o fluxo
de população é muito intenso, mas em estados diferentes.”
Nesse
contexto, diz a pesquisadora, a equipe do MonitoraCovid-19 procura
mostrar que as medidas de isolamento precisam ser pensadas em conjunto,
pois não adiantará um município ou Estado pensar em políticas de saúde
separadamente.
“As
cidades precisam se organizar para conseguir uma contenção, que possa
ser efetiva para a diminuição de novos casos da infecção de Covid-19”,
recomenda.
Fonte: BBC Brasil - Publicado por: Fabricia Oliveira
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