CONJURAÇÃO MINEIRA: as mulheres do 21 de abril de 1789– Por Fernanda Canofre
Foi
escrito por uma mulher o bilhete destinado a três líderes da Conjuração
Mineira de 1789 que os avisou da prisão de Joaquim José da Silva
Xavier, o Tiradentes.
“Dou-vos parte
com certeza [de] que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim
Silvério [dos Reis] e o alferes Tiradentes para que vos sirva, ou se
ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas;
e mais vale morrer com honra que viver com desonra.”
A
autora dessas palavras, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, é a única
mulher que se conhece hoje com papel ativo na inconfidência, mas virou
uma nota de rodapé.
Além dela, a
história costuma esquecer a viúva Inácia Gertrudes de Almeida, que se
arriscou escondendo Tiradentes no Rio de Janeiro, quando aliados o
abandonaram, e do destino imposto à companheira dele, Antônia Maria do
Espírito Santo, e à filha do casal, Joaquina, única descendente com
registros históricos comprovados.
Pintura
retrata o alferes Tiradentes pouco antes de ser enforcado como punição
pela participação na Conjuração Mineira de 1789
– Reprodução/Enciclopédia Ilustrada do Brasil
A referência ao bilhete de Hipólita está nos Autos da Devassa, o processo instaurado pela Coroa contra os conspiradores de Minas Gerais, que queriam dar fim ao domínio português.
A referência ao bilhete de Hipólita está nos Autos da Devassa, o processo instaurado pela Coroa contra os conspiradores de Minas Gerais, que queriam dar fim ao domínio português.
Apesar de terem
seus nomes em documentos públicos desde o século 18, a memória sobre
essas mulheres vem sendo resgatada em livros recentes como a biografia
“O Tiradentes”, do jornalista Lucas Figueiredo, e “Ser Republicano no
Brasil Colônia”, da historiadora Heloísa M. Starling.
“Os
documentos falam, mas a gente tem que saber perguntar a eles. Os
historiadores que olharam para os Autos, olharam com outras perguntas”,
diz Starling.
Hipólita e o marido
viviam na fazenda da Ponta do Morro, localizada em um ponto estratégico
entre o Rio de Janeiro e a antiga Vila Rica —hoje Ouro Preto—, em Minas
Gerais.
O local recebeu várias
reuniões dos conspiradores, por onde passaram Tiradentes, Alvarenga
Peixoto, padre Toledo, entre outros, como lembra Starling.
Mulher
rica, respeitada, com idade em torno de 40 anos, era Hipólita quem
escrevia as cartas enviadas pelo marido, Francisco Antônio de Oliveira
Lopes, semianalfabeto, ao movimento. O nome dele está no Panteão dos
Inconfidentes, criado por Getúlio Vargas em 1942, depois da repatriação
de restos mortais dos conspiradores que morreram no degredo na África.
Os
registros que existem sobre Hipólita não permitem afirmar o que a levou
a se tornar uma conspiradora. Mas são suficientes para notar o papel
fora da curva que assumiu em um meio que não era para as mulheres nem na
Europa, nem nas colônias: a política.
Com
a Conjuração desidratando, já sem povo e desorganizada, Hipólita é quem
tenta colocar o movimento no eixo, e acredita nele o bastante para
instruir a deflagração da rebelião, afirmam Figueiredo e Starling. A
tentativa, porém, fracassa, e as estradas de Minas se enchem de comboios
de presos.
“Independente do destino
da Conjuração Mineira, esse bilhete mostra que tem uma mulher, que
estava informada da questão política e militar, e que ela era valente o
suficiente para dizer aos homens: quem não tem competência para as
coisas, não se meta nelas. Não é pouca coisa”, diz a historiadora.
O
aviso de Hipólita ecoou na resistência de alguns, mas também ajudou
quem tinha documentos e provas da conspiração a ter tempo de se livrar
deles e poupar-se das punições, afirma Figueiredo. O papel dela saltou
aos olhos assim que ele leu os Autos, porque acabou sendo mais efetivo
do que o de muitos conjurados célebres.
O
processo não a lista entre os conspiradores, mas a punição imposta a
ela foi mais dura do que a de qualquer outra esposa. Enquanto mulheres
como Bárbara Heliodora, casada com Alvarenga Peixoto, puderam manter
metade dos bens, depois que os maridos foram enviados ao degredo na
África, de Hipólita foi retirado tudo.
A
justificativa para a punição imposta pelo então governador de Minas
Gerais, o Visconde de Barbacena, foi a efetiva participação de Hipólita
na rebelião. Nos anos seguintes, ela usou de todo tipo de expediente
—suborno, aliciamento de testemunhas, ocultação de bens— para reaver
junto à Coroa o que era seu, como fazendas, lavras e escravos (todos
eles foram alforriados por ela depois). E teve sucesso.
A
companheira de Tiradentes, Antônia do Espírito Santo, e a filha
Joaquina, também ficaram sem nada, segundo Figueiredo. Apesar das
promessas do alferes, os dois nunca se casaram.
“Sempre
que tinha uma mulher do outro lado, a Coroa passava por cima. A
sentença recai sobre os filhos homens de Tiradentes, a condenação diz
que filhos varões passam a sofrer, não podem ter emprego público, nem
comendas [que eram remuneradas], que eles ficam proscritos”, diz o
biógrafo, lembrando que Joaquina sequer é citada.
O
único bem que Antônia conseguiu preservar foi um lote passado para seu
nome, por Tiradentes, em 1788, antes de se separarem e ele voltar aos
planos da revolta.
Em 1804, um censo
realizado em Vila Rica apontou que mãe e filha viviam em uma casa
construída no terreno, com outras 17 pessoas —a mãe de Antônia, cinco
tias e nove primos. É o último registro sobre as duas.
Também
há poucos registros conhecidos sobre Inácia Gertrudes de Almeida, viúva
de um porteiro da Casa da Moeda, no Rio de Janeiro, que ajudou
Tiradentes a encontrar esconderijo na casa de um artesão na rua dos
Latoeiros. O anfitrião o recebeu atendendo a um pedido dela.
Tiradentes
foi preso no local após tentar contato com Silvério dos Reis, o delator
da Conjuração, que teve uma vida próspera depois graças à Coroa.
A
ação de Inácia foi uma dívida de gratidão, por Tiradentes ter curado
uma ferida grave no pé da filha dela. As duas acabaram presas e tiveram
seus bens sequestrados, segundo relata o historiador José Vieira Fazenda
no livro “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro”.
“Se
a Conjuração tivesse dado certo, a gente ia dever esse movimento a duas
mulheres que agiram em um momento crítico”, diz Figueiredo. “Se os
conjurados conseguissem reorganizar o movimento, isso se daria em função
delas, que foram corajosas, audaciosas, muito cerebrais, e agiram para
jogar o movimento para frente.”
Fonte: Polêmica Paraíba - Créditos: Fernanda Canofre - Publicado por: Suedna Lima
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