Gugu pagou indenização para se livrar de processo por abuso sexual de menino de 14 anos
No dia 27 de agosto de 2017, o
Diário da Justiça publicou uma decisão do Fórum Central Cível de São
Paulo, em que o DJ Leandro Kloppel Lo Frano renunciava à ação que movia
contra Antônio Augusto Moraes Liberato, o Gugu.
Em consequência do ato, foi extinto o
processo de número 1049937-02.2013.8.26.0100, que tramitou sigilosamente
durante quatro anos e que descreve uma situação de abuso sexual
cometido por Gugu e por um empresário desde que Leandro tinha 13 anos de
idade.
O motivo da desistência é que Gugu
indenizou Leandro, que pedia na ação 10 milhões de reais. Gugu teria
pago 1 milhão de reais e arcado com as honorários advocatícios.
O DCM recebeu a inicial do processo de
uma fonte que terá seu nome protegido e decidiu publicar a reportagem em
razão do interesse público, já que se trata da revelação de um esquema
de exploração sexual que envolveu, de um lado, um menor de idade, recém
saído da infância, e, de outro, uma poderosa máquina de shows e
entretenimento sob controle de Gugu.
“O requerido (Gugu) se utilizou do seu
prestígio, que é público e notório, para, juntamente com a sua rede de
malfeitores, abusar sexualmente do requerido, sob a chancela de fazê-lo
mais um astro de televisão”, escreveram os advogados de Leandro.
“Corrompeu-lhe de ambição, a ponto de cegá-lo e de tirar do requerente (Leandro)
o direito de fazer suas próprias escolhas”, acrescentaram Marcos
Rogério Ferreira e Thúlio Caminhoto Nassa, no texto que abre o processo.
Sempre de acordo com o relato do
processo, a vida de Leandro se encontrou com a de Gugu em 1997, quando,
aos 13 anos de idade, ele foi chamado para fazer um teste para a
formação de um novo grupo musical, que se chamaria Boomerang, “sob a
regência da equipe do requerido, o Sr. Gugu Liberato”.
Filho de um caminhoneiro e de uma dona de
casa, residindo em Santo André, na Grande São Paulo, Leandro já
trabalhava como modelo fotográfico desde os 9 anos de idade, na agência
Pro-Art.
“Na época, o ‘Programa do Gugu’ tinha
como assessor ou produtor (não se sabe ao certo qual a designação do
cargo ocupado) o Sr. Francisco Suassuna (vulgo Ramon), que teria sido
incumbido de organizar a seleção dos candidatos”, contaram os advogados.
O teste foi na escola de dança Rita
Camilo, em Guarulhos, São Paulo. O processo de escolha ocorreu a portas
fechadas, de forma individualizada, e não se destinava à avaliação da
qualidade vocal ou habilidade para dança, “mas, primordialmente, ao estereótipo físico e ao tamanho do pênis”.
Para tanto, Ramon pedia que os candidatos se masturbassem na sua frente, “para que a virilidade do garoto fosse apreciada”.
Os candidatos, naturalmente, estranhavam e
alguns reclamavam, mas Ramon os convencia com o argumento de que o
tamanho do pênis seria importante “porque terá uma parte do show da
banda em que os integrantes ficarão apenas de toalha”.
“Envergonhados, nitidamente assustados,
se sujeitavam àquilo em razão do Sr. Ramon dizer que, apesar do
constrangimento, eles seriam muito famosos caso a ‘equipe’ os
escolhesse. Afinal, trabalhariam diretamente com o Sr. Gugu Liberato”.
Leandro foi um dos cinco escolhidos e só
seria apresentado a Gugu seis meses depois. Logo após ser comunicado da
seleção, Leandro foi morar em uma casa na Vila Maria, onde há
escritórios do SBT, a emissora onde Gugu tinha os seus programas de
auditório.
O pretexto utilizado por Ramon para
convencer os pais a autorizarem a mudança dos adolescentes é que os
ensaios seriam intensos até a estréia do grupo.
“Os pais do requerente (Leandro), assim
como os pais dos demais integrantes, que desconheciam o absurdo processo
de seleção, sentindo-se seguros pelo prestígio que cercava até então o
Sr. Gugu Liberato, que vivia o auge de sua fama em rede nacional,
resolveram aceitar a condição imposta e liberar os meninos”, narram os
advogados.
Na casa, os adolescentes descobriram que o “teste do sofá” ia além da masturbação diante do empresário.
“Durante seis meses, entre alguns ensaios
e algumas aulas, lá estava o Sr. Ramon bulinando um aqui, outro acolá.
Ora atacava os meninos quando tomavam banho, ora quando dormiam, razão
pela qual os garotos procuravam não mais ficar sozinhos na casa. Pelas
investidas, o Sr. Ramon ganhou dos garotos o apelido de ‘sabonete’”.
Ramon, primeiro à esquerda; Leandro está à direita: no Telegrama Legal do Gugu |
Nesse período de preparação para a banda,
Ramon teria levado os adolescentes para conhecerem diretores de
televisão, que eram homossexuais, e argumentava que esta era uma das
formas de viabilizar o empreendimento.
Quase no fim do período de ensaios, eles
foram levados para a casa do Gugu, em Aldeia da Serra, na Grande São
Paulo, para uma festa de apresentação, regada a espumante Viúva Negra, o
preferido do apresentador.
Leandro já tinha completado 14 anos e,
depois desta primeira festa, participou de outra, também na casa de
Gugu. Segundo o relato, além do apresentador, estavam presentes Rodolfo,
da dupla ET e Rodolfo, o produtor do Domingo Legal Mariano e Ramon.
Leandro se recorda de que comentários
como “que delícias” e “que corpo, hein!” eram comuns. Acomodados em
sofás e poltronas, os adultos pediram para que os garotos se “pegassem”
enquanto eles olhavam.
Num intervalo, Ramon se aproximou de
Leandro e disse que Gugu teria gostado muito dele, e o orientou a ir até
o quarto do apresentador na mansão, para que pudessem ficar mais
reservados.
Sozinho com o menino, Gugu teria sido
gentil com ele e teria feito “questão de demonstrar o seu poder, suas
conquistas e tudo o que poderia proporcionar a Leandro”
“Nesta oportunidade — diz o relato —,
apenas trocas de carícias aconteceram entre os dois. Fato é que, depois
desse dia, o Sr. Ramon e ninguém mais da equipe do Sr. Gugu Liberato
bulinou o requerente (Leandro).
Gugu também teria lhe dito que outros artistas jovens fizeram sucesso “em razão da proximidade que tinham com ele”.
Uma ou duas semanas depois da segunda
festa na casa de Gugu, o Boomerang fez sua estréia na TV, com uma
apresentação no programa de Carla Perez, ex-dançaria do grupo É o Tchan.
Logo em seguida, eles se apresentaram no
programa “Sabadão Sertanejo”, do próprio Gugu. Também participaram do
Programa Livre, no mesmo SBT, atração que já não era mais apresentada
por Serginho Groisman, mas por Babi.
Também foram no Bom dia e Companhia, também na emissora de Sílvio Santos, em que Leandro foi apresentado como “loirão” da banda.
“Boom, boom, boom, boomerang”, começam a cantar.
Em seu programa, Gugu apresentou a banda
nos seguintes termos: “Eles ainda não gravaram, mas cantam nos shows a
música que todo mundo conhece, Morango do Nordeste. Eles cantam no show,
não é que gravaram o disco, eles cantam no show. E eu pedi para que
eles viessem no programa cantar essa música. É o Boomerang”, diz
enquanto gira na direção dos rapazes.
No Domingo Legal, Gugu os promoveu também
através do quadro Telegrama Legal, em que um ator que se passa por
repórter pergunta a um dos integrantes:
“É complicado o fato de vocês serem
bonitos, serem jovens e, de repente, fazerem sucesso? Não confundem
muito a beleza com o talento?”
Era esse o lado público da banda. Nos
bastidores, a relação era de outra natureza. Para comemorar o lançamento
nacional, os meninos da banda, o empresário, diretores do programa e
Gugu foram jantar no restaurante japonês Nacombi, em São Paulo.
Após muitas doses de saquê, Leandro saiu
com Gugu e, segundo ele, foram para o apartamento do apresentador na rua
da Consolação, também na capital, perto do Nakombi.
Esta foi a primeira noite em que dormiram juntos, segundo o relato apresentado à justiça. Leandro tinha apenas 14 anos de idade.
Leandro, na época em que a banda foi lançada |
Quando completou 18 anos, como presente
de aniversário, Leandro ganhou de Gugu uma viagem a Orlando, onde
conheceu a Disney. O empresário Ramon acompanhou a dupla.
Para obter visto de entrada, Gugu assinou
documento perante as autoridades norte-americanos como responsável
financeiro de Leandro.
Na volta, ele contou ao apresentador que
estava namorando uma jovem da sua idade e que não pretendia levar
adiante o relacionamento com Gugu.
O apresentador teria concordado, mas
pouco depois começou a telefonar e a enviar e-mails para Leandro, que já
tinha se casado com a jovem, que estava grávida.
A mulher descobriu os e-mails e o casamento, pouco depois, acabou. A esta altura, eles já tinham uma filha.
A banda também tinha acabado, mas Leandro continuava sob a influência de Gugu, como dançarino de seus programas no SBT.
Em 2007, quando já tinha 23 anos,
separado fazia algum tempo e sem deslanchar na carreira musical ou de
dançarino, Leandro foi para Ibiza, na Espanha, por sugestão de Gugu.
Fez curso de DJ e de inglês, patrocinado pelo apresentador. Quem o recebeu em Ibiza foi um amigo de Gugu, Júnior Brasil.
“Sem condições para compreender o real
interesse do requerido (Gugu), que era mantê-lo bem distante do Brasil,
mas sob suas rédeas, mesmo bastante sentido por ter de se distanciar da
sua filha, o requerente (Leandro) aceitou a oferta e foi morar em
Ibiza”, destacaram os advogados no processo.
Gugu bancava Leandro na Europa, embora
este trabalhasse como DJ. Leandro apresentou comprovantes de depósitos
de Gugu em sua conta, dinheiro que, algumas vezes, era destinado a
alugar uma casa para ele e o apresentador se encontrarem.
O processo contém um vídeo que mostram amigos e amigas de Gugu consumindo cocaína e fumando maconha em festas dadas por eles.
Em meados de 2011, Gugu já tinha um novo namorado, segundo Leandro, e a relação dele com o apresentador terminou com inimizade.
Leandro foi acusado pelo novo namorado de
Gugu de roubar bebidas na festa. Leandro contou que esperava ser
defendido pelo apresentador, mas isso não aconteceu.
O ex-Boomerang mandou e-mail para Gugu em
que expressava toda sua mágoa, mas depois recuou, segundo ele
pressionado por Ramon. Os e-mails foram juntados ao processo.
Pelo que descreve, Leandro vivia em uma gangorra emocional com Gugu, que o teria levado à depressão.
Decidiu romper definitivamente com o
apresentador e tentar retomar uma carreira artística no Brasil — sem
Gugu. Mas não conseguiu e culpou o apresentador.
Uma produtora o encaixou na fase eliminatória para a formação do elenco da Fazenda de Verão da Record, em 2012.
Eram dois participantes e apenas um deles permaneceria no programa, em princípio escolhido pelo público.
Naquele ano, quem apresentou os
participantes da Fazenda foi Gugu e, revertendo uma tendência do
público, Leandro acabou excluído da atração.
O ex-Boomerang suspeitou de que Gugu
tivesse manobrado nos bastidores para vetá-lo e, em razão disso,
procurou um advogado, por sugestão da própria produtora.
Ele entende que sua exposição em rede nacional contrariava Gugu. “Não
era do seu interesse que o requerente ficasse exposto ao país no
reality, com a possibilidade de, por exemplo, após uma festa regada a
bebidas, acabar falando demais”.
A primeira providência dos advogados
Marcos Rogério Ferreira e Thúlio Caminhoto Nassa foi notificar Gugu
extrajudicialmente, convidando-o para uma reunião no escritório.
A resposta veio imediatamente, através de um contato do advogado Carlos Eduardo Farnesi Regina.
Em seguida, Gugu contratou o escritório de Miguel Reale Júnior, um dos advogados que pediriam o impeachment de Dilma Rousseff.
Houve mais quatro encontros e, em um
deles, integrantes da banca de Reale Júnior gravaram a reunião e usaram
um trecho da conversa para tentar intimidar os defensores de Leandro.
Era uma fala em que Marcos Rogério
responde a uma pergunta sobre o que Gugu teria em troca do pagamento da
indenização. O advogado diz: “o silêncio”.
Parece óbvio, já que as tratativas
visavam resolver extrajudicialmente um caso de abuso sexual evidente. Se
houvesse acordo, não haveria processo. Não havendo processo, o caso não
se tornaria público.
Mas, em nome de Gugu, o escritório de Reale Junior denunciou os colegas por tentativa de extorsão.
O caso teve repercussão em duas frentes, tudo longe dos olhos e dos ouvidos do público.
O promotor Salmo Mohamri dos Santos
Júnior, da 42a. Promotoria de Justiça de São Paulo, abriu um
Procedimento de Investigação Criminal, o chamado PIC, e o Tribunal de
Ética da OAB aceitou a denúncia.
Os advogados tinham currículo que
descartam a hipótese de que fossem aventureiros. Marcos Rogério era
membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB e dono de duas
escolas de preparação para concursos públicos.
Thúlio Caminhoto, além de membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB, era professor da PUC de São Paulo.
Eles próprios apresentam seu currículo na ação que seria proposta contra Gugu alguns meses depois, em julho de 2013.
Marcos Rogério respondeu a processo no
Tribunal de Ética e Disciplina da OAB. O relator tinha encaminhado voto
pela sua condenação, que poderia levá-lo a ser suspenso da atividade
profissional por dois anos, mas o plenário reverteu o encaminhamento,
quando seus advogados lembraram os julgadores da gravidade do caso
envolvendo Gugu.
Um dos presentes no julgamento conta que o
que mudou seu voto foi o alerta de que se tratava de um caso de
“estupro de vulnerável” — tecnicamente, talvez não seja, mas as
evidências juntadas no processo são fartas no sentido de que houve abuso
sexual, que pode ter afetado a personalidade de Leandro de maneira
irreversível.
No julgamento no Tribunal de Ética da
OAB, foi relatada uma conversa com Leandro. Perguntado se ele podia se
definir como hétero ou homossexual, respondeu, chorando: “Não sei”.
Na Justiça, a denúncia também foi
arquivada, com a manifestação da juíza no sentido de que os advogados,
ao procurarem Gugu para tentar um acordo, cumpriram um dever, não apenas
exerceram um direito.
Leandro mora em Zurique, na Suíça, mas
faz apresentações como DJ em vários países. Na semana passada, ele
estava na Flórida, conforme contou em sua conta no Instagram.
O DCM o procurou, através do seu irmão,
Hugo Kloppel, que mora em São Paulo. Depois de três conversas por
telefone, ele disse que não daria entrevista.
Seu irmão também nada falaria. Há uma
cláusula do acordo celebrado com Gugu que impede Leandro de falar
publicamente sobre o caso.
Os advogados de Leandro também foram procurados, mas até agora não retornaram a ligação.
Um dos trechos do relato de Leandro é um
alerta para a sociedade que faz vista grossa para a exploração sexual
subjacente na indústria da fama:
“Os adolescentes, além de não terem
maturidade psicológica suficiente para encarar os fatos, estavam
obcecados pelo status que lhes seria atribuído em pouco espaço de tempo.
Natural, pois, que não tivessem se disposto a contar aos seus pais todo
o ocorrido no processo de seleção. Sabiam todos os 5 (cinco)
integrantes que contar aos seus pais sobre ocorrido significaria abrir
mão da, talvez, única oportunidade de suas vidas de se tornar famosos.”
Sobre Gugu, os advogados disseram:
“O que se pretende discutir aqui é o grau
de prejudicialidade da ilicitude perpetrada pelo requerido (Gugu), que,
usando do seu poder conquistado pela fama, corrompeu e aliciou o
requerente (Leandro) enquanto o mesmo ainda tinha 14 anos (catorze) anos
de idade, gerando-lhe danos psicológicos irreparáveis”.
Nesse caso, se deixasse que a história
fosse sepultada com Gugu, o jornalismo só favoreceria esquemas
semelhantes no Brasil, e em outras partes do mundo.
As crianças e os adolescentes precisam ser protegidos.
A reportagem se baseou no relato do processo, extinto depois que Gugu
indenizou Leandro, em acordo fora dos autos, comunicado ao juízo. Todos
os nomes citados aqui podem, caso desejem, se manifestar.
O advogado Marcos Rogério Ferreira procurou o DCM para
esclarecer também que, tecnicamente, não foi condenado em primeira
instância na OAB. O que houve é que a representação contra ele proposta
pelo escritório de Miguel Reale Júnior, em nome de Gugu, foi aceita, ao
contrário do que ocorreu com o Thúlio Caminhoto Nassa, outro advogado
da causa. O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB julgou a representação
e o absolveu, por entender que não houve violação ética ao dizer para
os advogados e um assessor de Gugu que, havendo acordo, Gugu teria o
silêncio de Leandro.
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