Com o reaparecimento de doenças erradicadas, pais que não vacinarem filhos serão multados
Em
 meio à queda da cobertura vacinal e reaparecimento de doenças 
erradicadas, como o sarampo, casos de famílias que não vacinam os filhos
 têm chegado à Justiça, que passou a determinar imunização das crianças.
 Nos últimos seis meses, houve ao menos três episódios no País. 
Especialistas explicam que a vacinação é um direito previsto no Estatuto
 da Criança e do Adolescente (ECA) e que a falta de proteção contra 
doenças põe a vida das crianças em risco. Nesses casos, os pais podem 
ser multados e até perder a guarda da criança.
O
 mais recente foi no início de janeiro, quando a Justiça de Minas 
determinou que um casal vacinasse os dois filhos. Os pais diziam que 
tinham se baseado em artigos científicos e informaram que se converteram
 a uma religião que proíbe a “contaminação por vacina”. Após perder a 
ação em 1ª instância, a família recorreu, mas perdeu.
Para 
fundamentar sua decisão, o desembargador Dárcio Lopardi Mendes citou a 
Constituição, que “proclama a saúde como direito social” e “preconiza 
que a saúde é direito de todos e constitui dever do Estado assegurá-la, 
de forma a resguardar um bem maior: a vida”. O caso corre em segredo de 
Justiça. A reportagem conseguiu localizar a família, da região de Poços 
de Caldas (MG), mas ela não quis se manifestar.
Também foi com 
base na Constituição que Carlos Roberto da Silva, desembargador da 7.ª 
Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC),
 determinou que um casal de Rio do Sul, região do Alto Vale catarinense,
 atualizasse a carteira de vacinação dos três filhos em julho de 2019.
“Tem
 o arcabouço que começa na Constituição, pois é obrigação do Estado de 
garantir a saúde e isso suplanta determinadas convicções pessoais. O ECA
 também contempla essa obrigatoriedade dos pais em relação à saúde e do 
ensino. A vacinação é um dever dos pais e um direito das crianças e 
adolescentes”, disse o desembargador ao Estado.
A ação havia sido ajuizada pelo Ministério Público e a família recorreu.
“O
 argumento deles era um temor de que os filhos pudessem ter alguma 
rejeição. Solicitamos consulta médica nas crianças para afastar a 
hipótese de rejeição, o agravo foi julgado e foi mantida a decisão de 
proceder a vacinação sob pena de multa. É uma demonstração dessa 
lamentável situação de abandono dos pais em relação à obrigatoriedade 
das vacinas.”
Em
 São Paulo, o Ministério Público Estadual (MPE) resolveu intervir no 
caso de uma família de Paulínia, que não queria vacinar o filho de 2 
anos.
“O casal informou que optou por um crescimento de 
‘intervenções mínimas’, que o filho estava saudável e que ele não ia à 
escola, portanto, estaria ‘longe de riscos de infecções'”, informou a 
assessoria do órgão.
A
 queda da cobertura vacinal é um problema que tem se acentuado nos 
últimos anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, das oito vacinas 
obrigatórias para crianças de até 1 ano de idade, apenas a BGC, que 
protege contra a tuberculose e é dada após o nascimento, atingiu a meta 
de 95% em 2018.
A cobertura da tríplice viral, que protege contra 
sarampo, caxumba e rubéola, caiu de de 102,39% em 2011 para 91,98%. 
Segundo o ministério, com as campanhas realizadas no ano passado, 2019 
conseguiu superar a meta e 99,4% das crianças de 1 ano foram vacinadas –
 a pasta não informou a cobertura das demais vacinas e afirmou que os 
dados ainda estão em consolidação.
Conselho Tutelar e Ministério Público apuram denúncias
Presidente da Comissão de Direito Médico e de Saúde da seccional 
paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Juliana Hasse diz 
que a Justiça se baseia não só na legislação vigente, mas em evidências 
científicas sobre a eficácia das vacinas. Segundo ela, esse tipo de caso
 não deveria ser resolvido nos tribunais.
“Geralmente,
 a escola denuncia para o conselho tutelar, que vai apurar, e o 
Ministério Público pode oferecer denúncia. Sabemos que a judicialização 
está crescendo de um modo geral, mas não há necessidade disso”, afirma 
Juliana. “É uma questão de conscientizar os pais sobre a importância 
disso. Tem de ter um pediatra com bom senso e seguir as diretrizes 
baseadas na ciência.”
Juliana diz que a legislação precisa ser fortalecida para que não seja preciso recorrer ao judiciário.
“Algumas
 doenças voltaram. Quando não vacina, além de descumprir o ECA, os pais 
trazem mais riscos à criança. Só se desobriga quando há um relatório 
médico apontando que a criança tem algum problema de saúde que a impede 
de ser vacinada.”
Segundo ela, a multa aos pais pode chegar a R$ 20 mil e, em casos mais extremos, os pais podem perder a guarda do filho.
Escolas exigem carteira de vacinação atualizada
Em agosto de 2018, a Prefeitura de São Paulo anunciou que passaria a 
exigir a carteira de vacinação das crianças matriculadas nas creches e 
pré-escolas da rede municipal duas vezes por ano: no ato da matrícula e 
no mês de agosto. As crianças que não estão vacinadas não são impedidas 
de fazer a matrícula ou a rematrícula, mas os pais são orientados a 
fazer a atualização da carteira.
O Programa Municipal de 
Imunizações prevê, segundo a Prefeitura, “vacinação em escolas com busca
 ativa de crianças para atualização da caderneta de vacinação, de acordo
 com o levantamento do perfil epidemiológico, e quando há a necessidade 
de ampliação da cobertura vacinal”.
Em
 novembro do ano passado, a cobertura vacinal da poliomielite atingiu 
86,39% e a da tríplice viral atingiu 100,5% entre as crianças até 1 ano 
da capital.
A gestão municipal informou que servidores 
das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) vão visitar as escolas no primeiro 
dia de aula, no dia 5 de fevereiro, para conversar com os pais sobre a 
importância da vacinação. “A partir dessa sensibilização, haverá a 
avaliação da carteira de vacinação dos alunos.”
No Paraná, uma lei
 sancionada em 2018 tornou obrigatória a apresentação da carteira de 
vacinação nas escolas públicas e particulares do Estado, mas a medida 
não faz com que o aluno sem imunização seja impedido de frequentar a 
escola. A regra entrou em vigor no ano passado.
“Após a conclusão 
de todo o processo de efetivação das matrículas, é gerado um relatório 
com a relação nominal dos estudantes cuja declaração de vacinação ainda 
não foi entregue. Os pais ou responsáveis são contatados pela escola e 
devem regularizar a situação em um prazo de 30 dias, sob pena de serem 
acionados pelo Conselho Tutelar”, explica a Secretaria da Educação e do 
Esporte do Paraná.
Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de
 Ensino no Estado de São Paulo (SIEEESP), Benjamin Ribeiro da Silva diz 
que, com o reaparecimento de doenças, as escolas particulares 
intensificaram as campanhas com os pais e alunos.
“A
 gente tem orientado as famílias e algumas escolas, que têm serviços 
médicos, fazem a campanha (de vacinação) dentro da escola. (O tema é 
abordado) nas reuniões, no site das escolas. Hoje, a comunicação digital
 é muito grande e algumas escolas têm sistema de comunicação por SMS.”
Silva afirma que, neste momento de férias, os pais podem aproveitar para atualizar a carteira de vacinação dos filhos.
Em
 novembro do ano passado, pais da escola de ensino infantil Carinha 
Suja, localizada na Santa Cecília, na região central de São Paulo, 
relataram que receberam um comunicado informando que agentes de saúde 
visitariam a unidade para verificar a carteira de vacinação e que a 
entrada dos alunos só seria “permitida mediante o envio dos documentos 
solicitados”.
Consultada pela reportagem no dia da ação, realizada
 em 21 de novembro, a coordenadora pedagógica da escola, Meire Andrade, 
afirmou que o comunicado tinha como objetivo conscientizar as famílias e
 que nenhuma criança seria barrada.
“Não tivemos nem dez vacinas 
aplicadas, porque as crianças estão com a carteira em dia. (O 
comunicado) foi para que os pais tivessem uma responsabilidade maior, 
porque já vínhamos fazendo um trabalho nos bastidores. Se tivesse 
ocorrido algum problema, iríamos chamar para conversar, fazer a 
conscientização.”
Durante o surto de sarampo, a escola teve uma ação de bloqueio por caso suspeito da doença.
Congresso discute prisão para quem negligencia imunização
No
 mês passado, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos 
Deputados aprovou um projeto de lei que prevê a prisão de quem deixar de
 vacinar criança ou adolescente. A medida ainda precisa ainda passar 
pela Comissão de Constituição e Justiça, para depois ir ao plenário da 
Casa.
O texto acrescenta ao Código Penal o crime de omissão e 
oposição à vacinação. Os responsáveis que se negarem ou se omitirem a 
vacinar a criança ou adolescente, sem justa causa, poderão sofrer 
detenção de um mês a um ano ou multa. Ainda conforme o projeto, a mesma 
pena pode ser aplicada para quem divulgar, propagar e disseminar, por 
qualquer meio, notícias falsas sobre as vacinas componentes de programas
 públicos de imunização.
Três perguntas para Guido Levi, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)
Qual o impacto da decisão dos pais de não vacinar os filhos?
Vacinar
 os filhos é uma decisão individual e coletiva. Ao não vacinar, os pais 
podem expor a criança a doenças até mortais e também expõe pessoas que 
têm alguma imunodeficiência ou que não podem ser vacinadas por causa da 
idade. A vacinação tem um valor para a sociedade. Na Constituição e no 
ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) podemos encontrar a 
obrigatoriedade da vacinação.
Quais medidas poderiam ser adotadas para fazer com que os pais vacinem os filhos?
Achamos
 que a retirada do poder familiar, a prisão dos pais e tirar a guarda 
são medidas extremas. E criar obstáculos para a criança poder se 
matricular na escola seguramente será mais um problema para a educação. É
 importante que a criança apresente a carteira de vacinação e alguém com
 conhecimento técnico deve analisar e verificar se está tudo em ordem.
A escola pode ser um caminho para conscientizar as famílias?
Todas
 as escolas deveriam ter uma pessoa treinada para oferecer esse tipo de 
informação. Cada um tem como fazer a sua parte. A nossa sociedade tem 
médicos e enfermeiros que fazem cursos e disseminam essas informações. É
 importante que os professores se envolvam. O ideal é não ter de chegar à
 esfera judicial. Se não, voltaremos ao passado, quando as pessoas 
acreditavam que não vacinar é um desrespeito aos direitos individuais, 
quando, na verdade, é respeito aos direitos coletivos. Tivemos um longo 
período que o sarampo desapareceu e as principais vítimas são bebês que 
ainda não podem tomar a vacina.
Fonte: Terra = Publicado por: Gerlane Neto

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