Bolsonaristas acusam o deputado Luciano Bivar de envolvimento em assassinato nos anos 1980
Em 1982, o corpo de Claudete Maria da Silva foi achado em um rio; ela sumiu após dizer que encontraria o pai do bebê que esperava, um advogado casado
Em 3 de outubro de 1982, uma nota publicada num dos principais
jornais de Pernambuco informava que o corpo de uma mulher tinha sido
encontrado boiando no Rio Capibaribe, no Recife. A
morte, tudo indicava, ocorrera por afogamento, embora os bombeiros
encarregados do resgate tivessem observado sinais de violência. Um exame
mais detalhado feito depois constatou que havia água nos pulmões da
vítima, identificada como Claudete Maria da Silva, uma
massagista de 30 anos, o que confirmava a suspeita inicial de
afogamento. Mas os legistas também perceberam hematomas nos braços, no
rosto e nos olhos da mulher, marcas que sugeriam que ela teria sofrido
agressões antes de cair ou ser atirada no rio. Suicídio ou assassinato? O
caso ganhou ingredientes eletrizantes quando a polícia descobriu que
Claudete estava grávida de oito meses e, horas antes de desaparecer,
havia confidenciado a uma amiga que iria se encontrar com o pai da
criança — um advogado casado, rico, membro de uma família tradicional e
influente no estado. Trinta e sete anos depois, esse mistério virou arma
de uma guerra suja em Brasília.
A morte da massagista ressurge em meio à disputa pelo controle do PSL entre Jair Bolsonaro e o deputado federal Luciano Bivar
— o advogado casado, rico e suposto pai da criança. Na época, Bivar foi
apontado pela polícia como o principal suspeito do crime, mas o
inquérito instaurado para apurar o caso, até onde se sabe, não chegou a
nenhuma conclusão definitiva sobre a autoria. Para os bolsonaristas, não
há dúvida. Bivar não só matou a mulher como usou a influência política
que sua família já tinha na ocasião para impedir o avanço das
investigações e escapar de uma acusação de homicídio. Para provar isso,
aliados do presidente da República estão empenhados em colher documentos
e testemunhos que possam levar à reabertura do caso. Uma fonte próxima a
Bolsonaro disse a VEJA que o objetivo é fulminar a imagem do
parlamentar, que comanda o partido e hoje é considerado um dos maiores
desafetos do presidente e seus aliados. A investigação particular sobre o
passado de Luciano Bivar está sendo realizada por duas pessoas próximas
ao presidente da República, uma delas dona de um cargo importante no
governo.
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“QUEIMADO” – Bolsonaro: conhecimento do caso ainda durante a campanha (Adriano Machado/Reuters) |
Presidente da Embratur, o empresário Gilson Machado foi o primeiro a
levar a Bolsonaro a informação de que Luciano Bivar teria envolvimento
com o assassinato da massagista. Machado se aproximou muito do
presidente durante a campanha em 2018, quando surgiram os primeiros
embates entre o grupo de Bolsonaro e o grupo de Bivar pelo controle do
partido. Ele relatou a amigos que, em certo momento, ainda na
pré-campanha, Bivar ameaçou retirar a legenda de Bolsonaro caso ele,
Bivar, não fosse o candidato a vice na chapa. Se isso acontecesse, não
haveria tempo hábil para Bolsonaro trocar de partido e sua candidatura à
Presidência da República fatalmente naufragaria. O impasse foi
resolvido depois que Machado entregou a Bolsonaro um dossiê com a
informação de que Bivar estaria ligado a um crime de morte ocorrido
havia mais de três décadas. “Todo mundo com idade sabe que as suspeitas
recaíam sobre o Bivar”, disse a VEJA o presidente da Embratur,
confirmando que levou as informações ao presidente. “Ele também soube
por outras pessoas porque é uma história muito conhecida no Recife. Não
fui o único.”
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O ALVO – Luciano Bivar: ele quer expulsar os bolsonaristas do partido - (Cristiano Mariz/.) |
O dossiê não trazia muitos detalhes sobre o nível de participação do
deputado no crime, apenas alguns recortes de jornal. Bolsonaro pediu
então a Gilson Machado que levantasse mais informações — missão que foi
conferida ao segundo personagem desse enredo: o coronel aposentado da
Polícia Militar Luiz de França e Silva Meira. Amigo do presidente da
República, líder bolsonarista em Pernambuco e também desafeto de Bivar, o
coronel procurou policiais e promotores da época e concluiu que
interferências políticas teriam impedido a elucidação do crime. O
militar também localizou pessoas próximas a Claudete que lhe relataram
conversas que tiveram com a massagista dias antes de sua morte. Um
dossiê ampliado com essas informações foi entregue à coordenação da
pré-campanha de Bolsonaro e, não por acaso, também ao próprio Luciano
Bivar. Depois disso, os ânimos arrefeceram, o impasse sobre as legendas
foi rapidamente resolvido nos termos em que queriam os bolsonaristas e
não se falou mais sobre o caso da massagista.
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O COORDENADOR – Gilson Machado levou o caso ao presidente: “Todo mundo sabe” - (./.) |
A trégua durou até outubro último, quando bolsonaristas e bivaristas
voltaram a se desentender sobre candidaturas e estratégias para as
eleições municipais do ano que vem. O fim do armistício foi anunciado de
maneira cifrada pelo presidente da República. Numa conversa gravada na
porta do Palácio da Alvorada, Bolsonaro recomendou a um apoiador que se
afastasse do PSL justificando que Luciano Bivar estaria “queimado”. Não
era apenas mais um dos conhecidos impropérios do presidente. Dias antes,
Bolsonaro estivera com Gilson Machado, que, não por coincidência, lhe
relatou os avanços da investigação particular sobre o passado do
presidente do PSL. O coronel Meira, segundo o presidente da Embratur,
teria localizado a mãe e a irmã da massagista. O depoimento delas ao
policial aposentado não deixava dúvida sobre o envolvimento de Luciano
Bivar no crime. Faltava apenas convencer a mãe e a irmã, que estavam com
medo, a repetir a história ao Ministério Público e convencer os
promotores a reabrir o caso. Provavelmente foi esse relato que levou o
presidente a concluir que Bivar estaria “queimado”.
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O INVESTIGADOR – Meira: “Testemunhas importantes não foram ouvidas” - (Max Rodrigues/Farol de Notícias/.) |
VEJA localizou o coronel Meira no Recife. O policial confirmou a
amizade com o presidente e sua atuação na investigação privada sobre o
caso da massagista. Ele conta que há um mês descobriu onde estavam
morando a mãe e a irmã de Claudete e ficou surpreso ao saber que nenhuma
das duas foi procurada pela polícia durante as investigações. No
primeiro encontro com a irmã, o coronel diz que ouviu, entre outras
coisas, um relato detalhado sobre o relacionamento de cinco anos que
Claudete teria mantido com Luciano Bivar entre o fim da década de 70 e o
início dos anos 1980. A irmã ficou de consultar a mãe sobre a
possibilidade de ir ao Ministério Público para formalizar um depoimento.
“Bivar usou a influência política que já tinha na época para que o
inquérito não seguisse seu curso normal. A polícia investigou mal,
testemunhas importantes deixaram de ser ouvidas e o nome do deputado
misteriosamente desapareceu do processo”, afirma o militar. O coronel
ressalta que repassou essas informações a Gilson Machado, que, por sua
vez, as levou ao presidente Bolsonaro.
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MISTÉRIO – O corpo de Claudete Maria da Silva: sepultado no Recife - (Marlon Costa/Futura Press) |
Por intermédio do coronel, VEJA também se encontrou com a irmã de
Claudete. A entrevista aconteceu dentro do carro de Meira no centro do
Recife. Nervosa, ela pediu que seu nome e sua imagem não fossem
divulgados. À reportagem, confirmou o relacionamento de Claudete e
Bivar, de quem supostamente a massagista estava grávida, e disse que a
família, muito pobre, não tinha condições de acompanhar as
investigações. “Tudo o que queríamos era enterrar o corpo. Esse caso
envolve muita gente poderosa. Minha mãe passa mal sempre que se fala
sobre o assassinato da minha irmã, e ainda temos muito medo”, ressalta.
Segundo ela, Claudete e Bivar se afastaram quando foi descoberta a
gravidez, e, a poucos dias do parto, o deputado voltou a procurá-la.
“Ele disse que queria reatar, marcou um encontro e pediu a ela que
levasse todas as cartas de amor que guardava”, continua a irmã. Depois
disso, Claudete sumiu. “Eu me lembro que estávamos assistindo à TV
quando passou a reportagem sobre o aparecimento do corpo de uma mulher
no Rio Capibaribe. Minha mãe disse na hora: é de Claudete. Ela tinha
medo da relação de Bivar com Claudete. Ele já era gente poderosa, e a
gente era humilde”, conta.
Os aliados do presidente sabem que, juridicamente, não há muito que
fazer. Devido ao tempo, o crime está prescrito, ou seja, ninguém pode
ser punido pela morte da massagista. “Teoricamente, é possível analisar
depoimentos ou alguma outra prova para tentar revelar o culpado e dar
uma explicação à família. Mas só”, explica Davi Tangerino, advogado
criminalista e professor da Fundação Getulio Vargas. A varredura no
passado de Bivar, portanto, atende apenas aos objetivos bélicos dos
bolsonaristas. É também uma amostra do baixo nível que atingiu a briga
interna no PSL, uma espécie de vale-tudo na disputa pelo poder.
Bolsonaro, além de fustigar o passado de Bivar, acionou seus aliados
para tentar ocupar os principais cargos do partido. Em um
contra-ataque, Bivar ameaçou expurgar os bolsonaristas. Procurado por
VEJA, Luciano Bivar não quis comentar o caso. Nesse ambiente altamente
inflamável, é difícil prever se o dossiê sobre o passado do deputado vai
funcionar como água ou gasolina.
Publicado em VEJA de 13 de novembro de 2019, edição nº 2660
Veja - Por Nonato Viegas
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