Procuradores e promotores pedem ao Supremo Tribunal Federal que derrube oito artigos da Lei do Abuso de Autoridade
Três
importantes entidades de procuradores e promotores pediram ao Supremo
Tribunal Federal (STF) que barre oito artigos da Lei de Abuso de
Autoridade, aprovada pelo Congresso após a derrubada em série de vetos
presidenciais ao texto. Por meio de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, os integrantes do Ministério Público afirmam que a
lei tem objetivo de satisfazer “os interesses corporativos dos
advogados”, e criminaliza e inviabiliza o trabalho de investigadores e
magistrados.
A
ação é subscrita pelos advogados Aristides Junqueira Alvarenga e
Juliana Moura Alvarenga Diláscio, que representam a Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos
Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Nacional dos Procuradores
da República (ANPR).
O Congresso derrubou 18 vetos do presidente
Jair Bolsonaro à lei que endurece a punição a juízes, promotores e
policiais por abuso de autoridade, no dia 24 de setembro. O presidente
havia feito 33 vetos ao texto. Posteriormente, segundo apurou o
Estadão/Broadcast, telefonou para o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (DEM-AP), e deu aval para que o Congresso derrubasse parte
dos vetos.
Os artigos questionados:
Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do
investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.
Art.
27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de
infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de
qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de
infração administrativa:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.
Art.
30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa
sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou
conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada,
procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.
Art.
32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de
investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a
qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou
administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o
acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a
realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública
ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação
legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.
Art. 38.
Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação,
inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as
apurações e formalizada a acusação:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 43. A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B:
‘Art.
7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado
previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.’
As razões dos promotores e procuradores
Um ponto de questionamento dos procuradores é o artigo que criminaliza a violação de prerrogativas de advogados.
“Ao
examinar o ordenamento jurídico pátrio, se verifica que nenhuma
profissão, por mais relevante que seja, goza de imunidades semelhantes
ou inviolabilidade absoluta do tipo que a regra projetada pretende
conferir aos advogados.”
“As
ações humanas que eventualmente invistam contra liberdades
profissionais não constituem, de per si, condutas criminosas. Embora
merecedoras de reprovação e punição, especialmente na esfera funcional, o
mero desatendimento da lei não é suficiente à caracterização de crime
de tamanha gravidade. Deve-se exigir mais, sob pena de criar uma odiosa
espécie de responsabilidade objetiva”, afirmam.
De acordo com a
entidade, os crimes tipificados pela Lei do Abuso têm descrição vaga e,
portanto, “colocam nas mãos do julgador a definição casuística daquilo
que é crime ou não é; e, consequentemente, permitem perseguições
indevidas”.
“Pergunta-se: o que seria violar o direito ou
prerrogativa do advogado, impedindo ou limitando o exercício da
advocacia?”, segue o texto.
Para as entidades dos promotores e
procuradores, “desnecessários maiores refinos jurídicos para se perceber
que o tipo penal, por ser absolutamente aberto, tudo aceita, acabando
por permitir que as mais variadas condutas cotidianas de juízes,
promotores, policiais e outros agentes públicos sejam enquadrados de
forma desmedida em sua previsão normativa”.
“Há, destarte,
inconstitucionalidade por violação a diversos direitos e garantias
fundamentais, notadamente, a exigência básica de que, em Estado de
Direito vinculado à dignidade da pessoa humana, a lei penal seja
precisa, certa e determinada”, alega a ação.
De
acordo com as associações, “poder-se-ia afirmar que o magistrado
cometeria o crime caso indeferisse alguma pergunta do advogado à
testemunha ou negasse a produção de determinada prova, ainda que, à toda
evidência, fossem diligências meramente protelatórias”.
“Um
promotor de justiça que negasse acesso ao advogado a investigações
sigilosas, igualmente, praticaria um delito, um delegado de polícia que
requeresse uma busca e apreensão contra advogado, também, incidiria nas
sanções penais estabelecidas por Lei, ora impugnada”, alerta.
“Ficariam,
assim, inviabilizadas as atividades afetas ao Poder Judiciário,
Ministério Público e Polícias, pois aquele agente público que ousasse
contrariar o interesse de algum advogado responderia criminalmente por
isso”, afirmam.
“Além
disso, o dispositivo viola o princípio constitucional da igualdade, uma
vez que, sem nenhum parâmetro razoável, pretere outras inúmeras
categorias que, também, possuem prerrogativas legalmente reconhecidas.
Por que não se criminaliza a conduta de violar prerrogativa de médico,
dentista, parlamentar, agentes consulares ou qualquer outro profissional
liberal? Não há justificativa plausível para esse privilégio à
advocacia em detrimento de outros que se colocam em similar situação”,
seguem os procuradores.
“Assim, não há exagero em se afirmar que o
dispositivo padece de vício por desvio de finalidade; é buscada, com
sua aprovação, a satisfação de interesses corporativos de uma classe
específica, bem como uma clara retaliação aos agentes públicos e
engessamento da atividade-fim de instituições de Estado responsáveis
pelo combate ao crime e não, como deveria ser, por imperativo
inconstitucional, o alcance do bem comum e do interesse público”,
concluem.
‘Insegurança jurídica’
Para
o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
(Conamp), Victor Hugo Azevedo, “há quase que um discurso comum de que
essa lei viola princípios constitucionais muito claros”.
“Por
exemplo, o princípio da separação dos poderes, quando considera crime o
juiz decretar prisão ou bloqueio bens ou o Ministério Público oferecer
uma denúncia”, destaca Victor Hugo.
Ele adverte que “o Poder
Legislativo está se imiscuindo em atividades próprias do Poder
Judiciário”. “Isso viola os princípios da separação dos poderes.”
O líder dos promotores ressalta que “a lei provoca insegurança jurídica”.
“Todos
os crimes são vagos, imprecisos, recheados de subjetividade. Para
prever crime tem que ser uma lei certa. Essa lei não define isso com
clareza, expressões nela contidas são altamente ambíguas. Como vamos
saber o que passa a ser considerado crime se a expressão é vaga,
imprecisa?”
Fonte: Noticias ao minuto - Publicado por: Suedna Lima
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