E-mails da Vale apontam manipulação de laudo de estabilidade, diz Ministério Público de Minas Gerais
Barragem se rompeu em 25 de janeiro deixando ao menos 166 mortos; número pode subir já que ainda há desaparecidos

© Washington Alves / Reuters
Funcionários da Vale e da
empresa alemã Tüv Süd agiram em conluio para "torturar os números" e
mascarar a condição crítica da barragem 1 do Córrego do Feijão, em
Brumadinho (MG), assumindo os riscos de morte, segundo o Ministério
Público de Minas Gerais.
Segundo promotores de uma força-tarefa montada para investigar
a tragédia, é isso que apontam e-mails encontrados em equipamentos
apreendidos. A barragem se rompeu em 25 de janeiro deixando ao menos 166
mortos. O número pode subir para 310, dado que ainda há desaparecidos.
Nesta
sexta-feira (15), oito funcionários da Vale foram presos pelo núcleo do
eixo criminal das investigações, na segunda fase de operações. Foram
ainda cumpridos mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro e em São
Paulo.
"Nessa sequência de emails, que virão a público em breve,
percebe-se uma intensa articulação e um grande esforço para torturar os
números de forma que a situação crítica da barragem não refletisse numa
declaração negativa de estabilidade", afirmou o promotor William Garcia
Pinto Coelho.
Em
um dos e-mails encontrados em equipamentos apreendidos na primeira fase
da operação, um funcionário da empresa alemã Tüv Süd menciona de forma
expressa que a Vale estaria pressionando a empresa para atestar a
estabilidade da barragem. O trecho está na decisão judicial que
autorizou as prisões.
O engenheiro Makoto Namba, da Tüv Süd, que
assinou o laudo de estabilidade, escreveu a Arsênio Negro Jr., Vinícius
da Mota Wedekin e Marlísio Cecílio, engenheiros da mesma empresa, em 13
de maio do ano passado que "tudo indica que não passará, ou seja, fator
de segurança para a seção de maior altura será inferior ao mínimo de
1.3, Dessa maneira, a rigor, não podemos assinar a Declaração de
Condição de Estabilidade da barragem, que tem como consequência a
paralisação imediata de todas as atividades da mina Córrego do Feijão." O
email continua: "Mas como sempre a Vale irá nos jogar contra a parede e
perguntar: e se não passar, irão assinar ou não?"
Uma mensagem de
outro funcionário diz que a Vale estaria usando a promessa de contratos
futuros para conseguir o laudo positivo, segundo o Ministério Público.
De acordo com Garcia, ele usa a palavra "blackmail", chantagem em
inglês, para afirmar isso.
A Promotoria afirma ainda que
documentos apreendidos na Vale, nas empresas contratadas e documentos
pessoais dos funcionários comprovam que havia uma interlocução constante
entre a mineradora e a empresa responsável pelo laudo, desde antes do
rompimento. O objetivo seria combinar uma forma de disfarçar a situação
real da estrutura.
Entre o volume de provas que ainda será
analisado estão mensagens de texto, de voz e conversas de WhatsApp que
foram trocadas entre funcionários das empresas. A força-tarefa busca
esclarecer como funcionava o fluxo da tomada de decisões dentro da Vale e
até que ponto a alta cúpula da empresa tinha conhecimento dos riscos em
Brumadinho.
Entre o material apreendido na sede da Vale, no Rio
de Janeiro, está o HD de um notebook da secretaria do conselho
administrativo da mineradora.
"Não temos a menor dúvida que as
oito pessoas presas hoje sabiam do risco de ruptura e poderiam ter
intervido", afirmou o delegado Bruno Tasca, do Departamento de Crimes
Ambientais da Polícia Civil, que executou parte das prisões em Belo
Horizonte.
Apenas dois dos presos foram ouvidos nesta sexta:
Felipe Figueiredo Rocha, da gerência Gestão de Riscos e de Estruturas
Geotécnicas Ferrosas, e Cristina Heloíza da Silva Malheiros, responsável
pelo monitoramento in loco da barragem.
Os demais presos serão
ouvidos na próxima semana. Os homens serão encaminhados à Penitenciária
Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, e
as mulheres à Penitenciária Estevão Pinto, na própria capital mineira.
O
juiz Rodrigo Heleno Chaves, que autorizou a prisão dos funcionários da
Vale, indeferiu o pedido de prisão temporária de quatro funcionários da
Tüv Süd. A Promotoria ainda avalia se irá ingressar com recurso.
Quatro
dias depois da tragédia, no dia 29 de janeiro, foram detidos para
depoimentos os engenheiros André Yum Yassuda e Makoto Namba, da Tüv Süd,
e César Augusto Paulino Grandchamp, Ricardo de Oliveira e Rodrigo
Arthur Gomes, funcionários da Vale. Depois de dez dias presos, eles
foram liberados no dia 7.
Em nota, a Vale disse que "está
colaborando plenamente com as autoridades e permanecerá contribuindo com
as investigações para a apuração dos fatos, juntamente com o apoio
incondicional às famílias atingidas."
A Tüv Süd não respondeu à reportagem.
Brasil ao Minuto com informações da Folhapress
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