Possibilidade de conspiração interna preocupa governo Donald Trump
As acusações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que seu antecessor, Barack Obama, teria ordenado escutas contra ele, e suas afirmações de que a burocracia vem promovendo vazamento de
segredos para desacreditá-lo são os mais recentes sinais da preocupação
da Casa Branca quanto a um “Estado profundo” que estaria trabalhando
para bloquear a presidência.
O
conceito de um “Estado profundo” –uma nebulosa rede de dirigentes de
agências e oficiais das Forças Armadas que conspiram secretamente para
influenciar as políticas do governo– costuma ser usada para descrever
países como o Egito, Turquia e Paquistão, nos quais elementos
autoritários se unem para solapar líderes democraticamente eleitos.
Mas na Ala Oeste da Casa Branca, Trump e seu círculo mais próximo de assessores, especialmente seu estrategista-chefe, Stephen Bannon,
veem a influência de forças como essas também nos Estados Unidos, e
essencialmente argumentam que seu governo está sendo minado de dentro.
É
uma afirmação extraordinária para um presidente no exercício do cargo.
Trump, que no ano passado descartou furiosamente a conclusão dos
serviços de informações norte-americanos de que os russos interferiram na eleição presidencial a
fim de beneficiá-lo, agora solicitou à sua equipe e ao comitê do
Congresso que está investigando a influência de Moscou na eleição que encontrem provas de que Obama comandou um esforço para espioná-lo.
SISTEMA HOSTIL
“O
que o presidente Trump está descobrindo é que ele tem um imenso, imenso
problema abaixo dele, e acho que está chocado por o sistema ser hostil a
esse ponto”, disse Newt Gingrich, importante assessor da campanha de
Trump que afirmou ter conversado com Bannon muitas vezes sobre suas
suspeitas quanto ao Estado profundo e sua influência, que ele vê como
perniciosa.
“Estamos
enfrentando uma estrutura burocrática permanente que está se defendendo
e está perfeitamente disposta a violar a lei para fazê-lo”, disse
Gingrich.
Nem
Trump e nem Bannon usaram publicamente a expressão “Estado profundo”.
Mas ambos argumentaram que existe um esforço orquestrado em curso,
alimentado por vazamentos e protegido pela mídia noticiosa, para
derrubar o novo presidente e interferir com sua agenda.
“As
reportagens sobre investigações com potenciais motivações políticas
logo antes da eleição de 2016 são muito preocupantes”, disse Sean
Spicer, o secretário de imprensa da Casa Branca, no domingo (5).
POSTURA ALARMANTE
Veteranos
de governos anteriores se alarmaram com a postura da equipe de Trump,
argumentando que ela sugere um país não democrático no qual as normas
legais e morais são ignoradas
“Eu
jamais usaria a expressão ‘Estado profundo'”, disse Michael Hayden,
diretor da CIA (serviço secreto americano) nas Presidências de Obama e
George W. Bush, em entrevista à rede de TV MSNBC, na segunda-feira (6).
“É uma expressão que usamos quanto à Turquia e países desse tipo, mas
não sobre a república norte-americana”.
Loren
DeJonge Schulman, antiga integrante do Conselho de Segurança Nacional
na presidência Obama e pesquisadora sênior do Center for a New American
Security, disse que presidentes e funcionários importantes da Casa
Branca reclamam frequentemente daquilo que veem como uma burocracia
morosa.
Mas
é perturbador que um governo no poder afirme que funcionários civis
estão trabalhando ativamente para subverter sua autoridade.
“Um
Estado profundo, quando estamos falando da Turquia, Egito ou outros
países, é uma parte do governo, ou pessoas de fora do governo, que
literalmente controlam a direção em que o país avança, não importa quem
esteja nominalmente no comando, e provavelmente estão envolvidas em
homicídios e outras práticas corruptas”, disse Schulman. “É chocante
ouvir esse tipo de raciocínio vindo de um presidente ou das pessoas mais
próximas a ele.”
Mas para os aliados e partidários de Trump, o presidente estava simplesmente dando voz a uma teoria que lhes é cara.
“Estamos
falando do surgimento de um Estado profundo liderado por Barack Obama, e
isso é algo que deveríamos impedir”, disse o deputado Steve King,
republicano de Iowa. “A pessoa que mais compreende isso é Steve Bannon, e
eu acho que ele está propondo medidas para corrigir o problema”.
GOLPES
Estado
profundo é uma expressão ouvida frequentemente com relação a países nos
quais há um histórico de golpes militares e nos quais generais muitas
vezes detêm o poder mesmo que haja líderes eleitos.
O
Paquistão é o exemplo número um: o Estado profundo é muitas vezes
invocado em discussões sérias sobre o papel das Forças Armadas e do
serviço de inteligência do país na política.
Grandes
segmentos da população consideram a mão invisível das forças de
segurança como responsável por grandes eventos políticos e por toda
espécie de acontecimentos cotidianos, como controles policiais de
veículos.
“O
conceito do Estado profundo emerge em lugares nos quais o Exército e o
aparato de segurança criam fronteiras que as pessoas da política civil
se veem forçadas a respeitar”, disse Peter Feaver, especialista em
relações entre civis e militares na Universidade Duke, e antigo assessor
de segurança nacional no governo Bush. “Se essas fronteiras são
desrespeitadas, o Estado profundo interfere para reordenar as coisas,
muitas vezes por meio do uso da força militar.”
Vazamentos vs. oposição séria
Nos
Estados Unidos, não é nada incomum que desentendimentos entre facções
rivais de um governo venham em público. Na Presidência de Ronald Reagan,
o secretário de Estado, George Shultz, e o secretário da Defesa, Caspar
Weinberger, eram antagonistas frequentes, e brigavam por meio de
reportagens rivais na imprensa.
“Só
porque você vê coisas como vazamentos, interferência e obstrução, não
significa necessariamente que exista um Estado profundo –essas são
coisas que já vimos no passado, historicamente, e nada tem de novo”,
disse James Jay Carafano, pesquisador da Heritage Foundation que
assessorou Trump em sua transição. “O que seria diferente é se houvesse
pessoas do governo anterior orquestrando conscientemente uma oposição
interna séria ao presidente.”
Na
ausência de provas, em um sentido ou no outro, acrescentou Carafano, “é
difícil saber. Trump está recorrendo a uma retórica política forte ou
isso é uma teoria séria?”
Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário