‘Estamos mais perto da vacina contra o HIV’, diz infectologista Brenda Hoagland
Brenda Hoagland coordena, no Brasil, estudo mundial que testará novo anticorpo contra o vírus

Enquanto aumenta a epidemia de HIV/Aids no Brasil — os casos em
jovens de 15 a 24 anos, por exemplo, cresceram 85% nos últimos dez anos
—, aumentam também os esforços da comunidade científica para multiplicar
os meios de prevenção. A mais nova iniciativa é o primeiro estudo
mundial, liderado no Brasil pela Fiocruz, a avaliar o uso de um
anticorpo desenvolvido em laboratório, o VRC01, que promete combater 90%
dos subtipos do HIV. Somente no continente americano, 24 centros
realizarão a pesquisa com participantes voluntários. E, em território
nacional, a empreitada será coordenada por Brenda Hoagland,
infectologista do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do
Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). A
instituição receberá cem voluntários para os testes a partir de março,
entre gays, bissexuais, travestis e transexuais.
O que é esse estudo?
Ele foi nomeado com a sigla AMP, que significa Anticorpos Mediando
Prevenção. Trata-se de prevenir o HIV utilizando um anticorpo
neutralizante, feito em laboratório e aplicado na veia. Esse anticorpo
não tem o vírus HIV nele, então é importante entender que a pessoa que
recebê-lo não vai, de modo algum, entrar em contato com o vírus. Ele foi
criado com base nos anticorpos produzidos por pessoas que conseguem
controlar naturalmente o HIV no corpo. Esta é uma porcentagem bem
pequena da população, mas há quem neutralize o HIV de forma espontânea, e
é nesse mecanismo que o AMP se baseia.
Esse anticorpo foi criado no Brasil?
Não, ele foi criado nos Estados Unidos há cinco anos, em laboratórios
do que seria o equivalente ao Ministério da Saúde do Brasil. Desde
então, ele foi testado em 140 pessoas saudáveis que não tinham risco
claro de infecção por HIV. Agora, testaremos em pessoas também
saudáveis, mas que fazem parte do grupo mais vulnerável para a infecção,
aquele que estatisticamente é o mais afetado. Na América, esse grupo
reúne gays, bissexuais, travestis e transexuais. Já na África, são as
mulheres. Faremos testes em muito mais pessoas nesta fase do estudo:
2.700 na América e 1.500 mulheres na África Subsaariana
Qual é o principal objetivo?
Criar um novo medicamento de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). As
pessoas poderiam tomá-lo antes de situações em que estarão expostas ao
HIV. Já existem algumas PrEPs, mas ainda não estão disponíveis no
Brasil. Esta em que estamos trabalhando não será necessariamente melhor
do que as outras, mas será mais uma boa opção, se passar nos testes. Eu
comparo muito ao anticoncepcional feminino: existem vários tipos de
pílula e isso é muito bom, porque cada mulher vai se adaptar melhor com
uma. O mesmo vale para quem quer se prevenir do HIV.
Mas estamos perto de uma vacina?
Ainda não, mas estamos mais perto do que jamais estivemos, porque
agora temos um melhor entendimento de como o anticorpo funciona. Se ele
for bem-sucedido, isso vai nos dar também informações sobre como
elaborar uma vacina eficiente. Termos o anticorpo já é um grande passo
nisso.
Na sua visão, qual seria o impacto do surgimento de uma vacina segura e eficaz contra o HIV?
Seria muito importante, mas quem trabalha com prevenção não acredita
que um único método, mesmo uma vacina, seja suficiente. Não se pretende
aqui substituir o preservativo. Falamos sempre em prevenção combinada.
Como anda atualmente o número de novas infecções por HIV no país?
Os dados mais recentes mostram que houve 44 mil novos casos em 2015. A
epidemia está aumentando, com certeza. E o Brasil responde por 40% dos
novos casos de HIV na América Latina.
No continente americano, onde exatamente o estudo será realizado?
Ele será feito em 19 centros dos EUA, quatro do Peru e um do Brasil, que é o da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Por que só um no Brasil?
Porque era importante ter um laboratório com certa estrutura para esse estudo e se achou melhor fazer só aqui.
Até quando a Fiocruz receberá voluntários?
Começaremos a receber em março, e nossa meta é chegar aos cem
voluntários, o que deve ocorrer até setembro. Eles vão passar por uma
análise, para ver se se encaixam no perfil, e os primeiros devem começar
a receber o anticorpo em abril. Esta fase do estudo deve durar dois
anos, período no qual os voluntários receberam a aplicação intravenosa a
cada dois meses.
Que tipo de pessoa pode se voluntariar?
Precisa ter entre 18 e 50 anos e ser homem que se identifica como gay
ou bissexual, e homem ou mulher que se declara travesti ou transexual. O
foco são esses grupos não para alimentar o estigma sobre eles, e sim
porque são eles os que, nas estatísticas, aparecem como os que mais se
infectam nas Américas.
Qual será a próxima etapa?
Seguiremos para a fase 3, que definirá melhor os efeitos colaterais. A
boa notícia é que esse estudo já começou em outros países, e 500
pessoas já receberam o anticorpo, sem registro de problemas. Mas é bom
destacar que ainda não temos certeza se ele realmente previne o HIV,
então as pessoas não devem buscar o estudo achando que estarão
protegidas.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário