Na crise, brasileiro muda de hábitos e troca cerveja no bar por consumo em casa
SÃO PAULO - O aperto no orçamento das
famílias brasileiras não poupou nem a cervejinha do final de semana. A
produção de cerveja caiu 6,7% no primeiro trimestre, em relação ao mesmo
período do ano passado, segundo dados da CervBrasil, associação que
reúne os fabricantes do setor. E, com a inflação em alta e a renda em
queda, o consumidor mudou de hábitos. Na hora da cerveja com os amigos e
a família, a ida a bares e restaurantes saiu de cena e deu a vez para o
consumo em casa.
— É expressiva a queda (no consumo) fora
de casa. Houve uma mudança no comportamento. Com a baixa confiança e a
queda do poder aquisitivo, os volumes consumidos tiveram retração e
houve migração para produtos de menor preço. O hábito de consumo também
mudou, por conta do cenário de crise econômica — diz Paulo Petroni,
diretor executivo da CervBrasil.
Dados da Nielsen confirmam que os
brasileiros estão preferindo beber cerveja em casa, na medida em que
reduziram os gastos com entretenimento — estratégia definida pelo
instituto de “levar o bar para dentro de casa". Na pesquisa, realizada
no final de 2015, 61% dos entrevistados disseram que iriam cortar o
lazer fora de casa, e 37% afirmaram estar optando pelo consumo
compartilhado (reuniões e confraternizações em casa).
— Isso explica o motivo da queda de 1,2%
na cesta Nielsen de bebidas alcoólicas. Enquanto há uma aumento das
vendas desses produtos no canal autosserviço (supermercados,
conveniência), houve uma queda no varejo de balcão, o bar — diz Tatiane
Vale, analista da Nielsen, acrescentando que essa é a maior queda para o
segmento desde 1992.
Para evitar que as vendas caiam ainda
mais, as cervejarias tradicionais estão estimulando o consumo via
promoções e ofertas de garrafas retornáveis, nas versões 300 ml, 600 ml
ou de um litro. Essas opções sempre existiram, mas eram destinadas aos
bares e restaurantes. Em tempos de recessão, porém, Petroni diz que essa
alternativa sai mais barata ao consumidor e, para o fabricante,
significa uma margem maior.
— Há um investimento maior das empresas nessas embalagens. O consumidor abre mão da conveniência neste momento — explicou.
A VOLTA DAS EMBALAGENS RETORNÁVEIS
As embalagens retornáveis respondem por
48,7% do consumo em domicílio no Brasil, sendo maior nas regiões Norte
(53,3%) e Nordeste (61,2%).
— O foco nos próximos meses será a
embalagem retornável. Isso em todas as marcas tradicionais. Essa opção
garante uma rentabilidade melhor — afirma Adalberto Viviani, consultor
especializado no segmento de bebidas.
A Ambev, maior fabricante de cerveja no
país, passou a estimular desde o ano passado a venda de garrafas
retornáveis, receita que deve ser mantida ao longo de 2016. “Temos
também acelerado nossa estratégia da garrafa de vidro retornável nos
supermercados, impulsionando acessibilidade aos consumidores quando eles
mais precisam, com melhores margens do que as latas de alumínio
descartáveis", afirmou a empresa em seu relatório de resultados de 2015,
divulgado no mês passado. No último trimestre, a Ambev dobrou o volume
de vendas de garrafas retornáveis.
Robson Munhoz, diretor de relacionamento
com o varejo da consultoria NeoGrid, lembra que varejistas e
cervejarias têm negociado melhores preços também para tentar sustentar o
consumo na crise.
— As pessoas estão aguardando por ofertas. Se eu não tiver ofertas desses itens, as pessoas estão preferindo não comprar — diz.
De acordo com a Neogrid, em fevereiro do
ano passado, a cada cem tipos de cerveja ofertados (de diferentes
marcas e embalagens), o consumidor não encontrava nos supermercados
16,65% desses itens. No mesmo mês deste ano, esse índice caiu para
11,77%, o que, segundo o executivo, mostra não só uma maior oferta de
itens pelo varejo, assim como uma menor demanda do consumidor — o que
evita que os produtos faltem na prateleira.
A crise também afetou as estratégias das
cervejarias artesanais. Na paulista Urbana, houve uma forte migração
das garrafas (que não são retornáveis) para o chope e o growler —
garrafas que servem para armazenar as bebidas retiradas das torneiras de
chope.
— Antes, a nossa produção de chope era
de 5% do total, agora já é de 60%. Para os bares, o custo é menor,
porque não têm o gasto com a embalagem, e para o consumidor também, que
vai em busca de um produto de qualidade para levar para casa — disse
André Concegliero, fundador da cervejaria, sobre o growler.
Segundo ele, enquanto uma garrafa de 300
ml da cerveja é vendida entre R$ 18 e R$ 20 nos bares que distribuem a
marca, o mesmo volume do chope da marca sai por cerca de R$ 12.
Um dos locais em que a Urbana é
distribuída é o Empório Alto de Pinheiros, tradicional ponto de venda de
cervejas artesanais e importadas de São Paulo. Um dos sócios da casa,
Paulo Almeida, conta que aumentaram as vendas em growlers, mas não
atribui essa mudança só à crise, mas também a novos hábitos de consumo.
— Para o estabelecimento, essa venda de
cerveja em uma embalagem retornável é positiva porque há um giro maior
dos barris e você estará com um chope sempre fresco. Há também um apelo
ecológico — disse.
Classe ‘a’ busca melhor relação custo benefício
Mas ele admite que a crise afetou a
forma de consumo dos clientes, em geral das classes “A” e “B”. Mesmo com
poder aquisitivo maior, diz que seu público também está procurando
melhor custo benefício. Houve queda da venda das garrafas tradicionais,
principalmente em janeiro e fevereiro, quando distribuidores e
supermercados realizaram grandes promoções para não ficar com o produto
estocado.
Já na Dortmund Beer, outra fabricante
artesanal, além de uma leve queda na produção, houve aumento da
inadimplência dos clientes, em geral pequenos distribuidores de bebida.
— A inadimplência subiu em torno de 20%.
Clientes que nunca tiveram problema começaram a atrasar os pagamentos —
afirmou Maria Fernanda Grothm, diretora da empresa.
Na Colorado, a queda nas vendas foi parcialmente compensada após a venda da empresa para a Ambev, que melhorou a distribuição.
— Todo o país está sofrendo com a crise.
Agora estamos crescendo um pouco menos, então a solução é buscar formas
criativas de distribuir o produto e torná-lo mais acessível, mas sem
perder o espírito de uma cerveja artesanal — diz Marcelo Carneiro,
fundador da Colorado.
Fonte O Globo
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