Um em cada quatro brasileiros não se sente próximo de ninguém, diz estudo do Instituto Locomotiva
Um levantamento conduzido no país com 1.682 participantes com idades de 18 a 77 anos mostrou que a qualidade da rede de relacionamentos dos brasileiros é baixa e que a insatisfação nas interações sociais prevalece.

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DANIELLE CASTRO - RIBEIRÃO
PRETO, SP (FOLHAPRESS) - A imagem do brasileiro simpático e aberto a
novas amizades é menos real do que imaginamos. Um levantamento conduzido
no país com 1.682 participantes com idades de 18 a 77 anos mostrou que a
qualidade da rede de relacionamentos dos brasileiros é baixa e que a
insatisfação nas interações sociais prevalece.
Também
indicou que situações presenciais nos fazem mais felizes, favorecendo a
construção de uma rede mais ampla de relacionamento que as virtuais.
Os
resultados apontam que um quarto da população tem uma rede empobrecida e
não se sente próxima de ninguém. A pesquisa do Instituto Locomotiva,
elaborada pela divisão de Estudos Gameficados e Neurociências, levou em
consideração uma amostra balanceada, de acordo com critérios
sociodemográficos, que participou via plataforma online.
O
neurocientista Álvaro Machado Dias, professor livre-docente da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo), colunista da Folha e sócio do
Instituto Locomotiva, diz que o resultado não surpreendeu, mas foi mais
intenso do que o esperado.
"A baixa conectividade interpessoal
dos brasileiros e o desconforto no trato com estranhos contrastam com a
visão que formamos dos barzinhos lotados, mas não se engane: poucos
circulam fora de suas bolhas", afirma.
Isso significa que
somos afetados pelo contato direto e que o olho no olho nos permite ser
mais felizes em nossos relacionamentos. "A migração das relações
pessoais para o ambiente digital não contribui para a formação de laços
interpessoais satisfatórios e de longo prazo."
A pesquisa surgiu a
partir da tese de que o Brasil possui a maior taxa de ansiedade do
mundo. "Isto gera uma espécie de normalidade psicopatológica,
caracterizada por baixa confiança interpessoal. De acordo com o
Latinobarómetro, apenas 5% das pessoas confiam em desconhecidos no país,
é o menor índice da América Latina e um dos menores do mundo", disse.
Os
pesquisadores concluíram que interações presenciais são mais
confortáveis que virtuais para 22% dos entrevistados –71% dos
participantes disseram ficar satisfeitos com relacionamentos reais, ante
58% de satisfação com relações virtuais.
De acordo com os
dados apurados, o brasileiro é mais tímido e afetado pela violência do
cotidiano do que aparenta. A maior parte das pessoas realmente se sente
mal falando com estranhos.
Desconhecidos Dois terços da
população agem de forma diferente com quem não conhece, indicando uma
forte distinção entre personas pública e privada na vida dessas pessoas.
Dos que declararam uma divisão bem marcada, 42% disseram também sentir
desconforto extremo na interação com desconhecidos.
Dias
atribui essa resposta social a uma combinação de fatores como medo da
violência (sobretudo a causada pela criminalidade), desigualdade social
com componentes racistas e visão pouco lisonjeira do caráter do outro.
Também
remonta ao excesso de trabalho combinado com falta de aparelhos sociais
que estimulem a convivência, ao ódio político e à virtualização
relacional excessiva, sendo que esta última, para o neurocientista, só
agrava o problema.
Assim
sendo, quem conta com uma rede ampla de relacionamentos, por exemplo,
apresenta maior satisfação, inclusive na interação com desconhecidos. A
insatisfação na interação com pessoas novas, aliás, está presente em 15%
das respostas da amostra, um índice três vezes maior do que o relatado
para conhecidos, amigos e familiares.
Aqueles com menos
relacionamentos ou mais superficiais, por sua vez, têm um
descontentamento mais latente mesmo quando está com pessoas que conhece,
indicando que a baixa qualidade da rede afeta também a percepção geral.
Redes
sociais e games não são em si negativos, no entanto podem ser gatilhos
para solidão por levarem a mais tempo conectado a bolhas, em detrimento
de relações pessoais.
"Essas tecnologias têm potencializado a
ansiedade e a depressão dos jovens e pessoas mais solitárias de todas as
idades. Há ainda uma verdadeira explosão nos discursos de ódio nos
games, que lembra o que se passava com o Twitter e Facebook há quatro ou
cinco anos."
Para o neurocientista, a grande distinção não é
entre público e privado, mas entre íntimo e estranho, e a capacidade de
transitar de um para o outro. A razão pela qual mais tempo conectado não
é proporcional à formação de vínculo é o fato de que a falta de
proximidade dificulta a empatia.
Vinicius Dalosto Pellegrino,
20, é empresário e trabalha com tráfego pago, analisando o potencial de
interação das pessoas no virtual. Apesar de saber como encontrar nas
redes sociais as preferências e informações das pessoas, ele diz que sua
rede de relacionamentos é mais forte no mundo real.
"Dá para
contar nos dedos os meus amigos. Tenho no máximo três pessoas em quem
realmente confio, além da minha namorada, e todas elas são meus primos",
disse Pellegrino.
O empresário mora com os pais
e o irmão, com quem tem um bom relacionamento, e diz que esses laços
pessoais geram, para ele, uma facilidade muito maior de confiar no
outro. "Acho que tanto na vida real quanto na vida virtual eu sou a
mesma pessoa. Só tento diferenciar a vida profissional. Tenho, porém,
uma certa dificuldade quando tento socializar com pessoas que ainda não
conheço."
Notícias ao Minuto
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