domingo, 11 de dezembro de 2022

“Desigualdades Perigosas”

Dezembro Vermelho: um alerta para evitar preconceitos sobre o HIV/Aids e IST’s

Novo relatório do UNAIDS afirma que a desigualdade social no Brasil é o grande obstáculo para enfrentar a doença.

UNAIDS alerta que as desigualdades estão bloqueando o fim da pandemia de AIDS.
UNAIDS alerta que as desigualdades estão bloqueando o fim da pandemia de AIDS - Pexels/Anna Shvets

Amanda Alves da CNN
Intitulado “Desigualdades Perigosas”, o documento do Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS – UNAIDS aponta que as diferenças  sociais e a falta de acesso total ao tratamento pela população, impedem que o Brasil e o mundo alcancem a meta estipulada pela ONU de acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030.

A instituição já havia alertado, em julho deste ano, sobre o impacto na resposta ao HIV e à AIDS nas desigualdades de gênero, entre as populações-chave (travestis e pessoas trans, gays e homens que têm relações sexuais com outros homens, profissionais do sexo, pessoas em privação de liberdade e as que utilizam drogas injetáveis), crianças e adultos.

Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, de 1980 até junho de 2022, por meio de dados do Sinan, SIM e Siscel/Siclom, foram detectados 1.088.536 casos de Aids.

“O Brasil é um exemplo na resposta positiva ao HIV, com a possibilidade de acesso às ferramentas de prevenção, diagnóstico e tratamento pelo SUS. Mas os contrastes sociais seguem impactando negativamente e gerando barreiras que impedem o acesso. Por exemplo, uma pessoa trans, negra, vivendo com HIV e em situação de rua terá uma dificuldade extrema de acessar e seguir com o tratamento. Reconhecer a interseção dessas lacunas é um elemento primordial para uma abordagem integral”, destaca a diretora e representante do UNAIDS no Brasil, Claudia Velasquez.

Preconceitos e estigmas

Para as pessoas que vivem com o HIV, os preconceitos representam uma barreira.

“Eu não realizada o teste porque não me considerava uma pessoa suscetível ao vírus, mas a gente sabe muito bem que ele não escolhe”, recorda David Oliveira, 31 anos.

David descobriu a infecção em 2017 após uma pneumonia e algumas dificuldades por falta de testagem. Para ele, o acesso ao tratamento é necessário para que aqueles que vivem com o vírus possam ser felizes.

“Sabemos que não é só tomar os remédios. É preciso ter acesso a outros fatores que ajudam na nossa qualidade de vida, como saneamento básico, alimentação, acesso à terapia, esportes, educação, enfim, o que queremos é uma vida plena”, completa.

David Oliveira, 31 anos, descobriu a infecção por HIV em 2017 / Arquivo pessoal

No Brasil, o UNAIDS defende que uma atenção especial deve ser dada também à juventude, levando em consideração os diferentes ambientes urbanos, rurais e periféricos, além das comunidades quilombolas e indígenas. A instituição também recomenda ações de educação e comunicação sobre infecções sexualmente transmissíveis específicas para os mais jovens.

“Eu noto que nos últimos anos temos avançado em termos de produção tecnológica e farmacológica. Com informação, acesso à saúde e à cidadania ninguém mais vai se infectar ou morrer em decorrência da Aids”, fala a antropóloga, educadora e pesquisadora em áreas clínicas sobre HIV/Aids na Faculdade de Medicina da USP, Pisci Bruja.

Pisci Bruja tem 33 anos de idade e vive com o vírus há dez anos  / Arquivo pessoal

Desde a descoberta do HIV os avanços na medicina permitiram que as taxas de mortalidade diminuíssem. Houve uma queda de 24,6% no nível de mortalidade por Aids padronizado, que passou de 5,6 em 2011 para 4,2 por 100 mil habitantes em 2021, segundo o Ministério da Saúde.

Termos que reforçam preconceitos

Para Lucas Raniel, 30 anos, algumas expressões incentivam os julgamentos. “A única coisa que não avançou muito é a questão da comunicação. Utilizar termos como ‘luta contra a Aids’, ‘combate à Aids’ ou ‘o mês do combate à AIDS’ acabam criando pânico na população ao invés de criar uma informação sobre prevenção. O medo não é a melhor ferramenta de cuidado”, opina Lucas que atua como criador de conteúdo na página @vivocomhiv no Instagram e é palestrante na pauta de prevenção às IST’s, autocuidado e autoaceitação para pessoas que vivem com o vírus. 

Diagnóstico e tratamento

Dados do Ministério da Saúde mostram que, de 2007 até junho de 2022, foram notificados no Sinan 434.803 casos de infecção por HIV, sendo diagnosticados 40.880 novos casos só em 2021.

A taxa de pessoas que vivem com o vírus é maior entre os mais jovens. Entre 2011 e 2021, um total de 52.513 pessoas, entre 15 e 24 anos, de ambos os sexos, evoluíram para Aids, de acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV/Aids 2022, do Ministério da Saúde.

Para o sanitarista, professor de Saúde Pública e Epidemiologia do Centro Universitário São Camilo, Dr. Sérgio Zanetta, o meio mais eficaz para prevenir continua sendo o uso do preservativo em todas as relações sexuais. “A prevenção não é um objeto, ela é um conjunto de atitudes e de informações. O ato sexual não se resume estritamente à penetração. Há uma série de intimidades que precisam ser devidamente conhecidas e orientadas pelas pessoas. Mas, de um modo geral, em termos de grande efeito de saúde pública, a camisinha é o caminho para a proteção contra a transmissão de doenças ou infecções sexualmente transmissíveis, inclusive o HIV”, afirma.

No Brasil, o primeiro caso de HIV foi diagnosticado em 1983 em São Paulo. Desde então, os avanços no tratamento auxiliam no controle do vírus e da doença. O Sistema Único de Saúde – SUS disponibiliza o autoteste, que utiliza amostra de fluido oral e o resultado é obtido em 20 minutos, de forma acessível a todos.

“O autoteste é uma estratégia eficaz e internacional. Testando o maior número de pessoas, começamos imediatamente o tratamento e damos qualidade de vida ao paciente. Nós temos condições de tratar quem vive com HIV a ponto delas terem uma vida normal. E quando eu digo vida normal é poder ter relações sexuais seguras, engravidar, enfim. Enquanto isso, nós ganhamos tempo para tentar diminuir o número de casos e manter a busca incessante pela cura”, conta.

Nas primeiras duas a seis semanas depois da infecção pelo HIV, algumas pessoas podem apresentar sintomas similares aos de uma gripe, como febre, mal-estar prolongado, gânglios inchados pelo corpo, manchas vermelhas na pele, dor de garganta e dores nas articulações. Algumas pessoas não apresentam nenhum sintoma por anos.

Ainda de acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV/Aids 2022, a taxa de detecção do HIV apresentou queda de 26,5%, passando de 22,5 casos/100 mil habitantes em 2011 para 16,5 casos/100 mil habitantes em 2021. No mesmo período, essa redução foi mais importante no sexo feminino (43,6%) em relação ao masculino (16,2%).

“O Brasil é o primeiro e um dos únicos países a oferecer de forma gratuita e integral todo o tratamento medicamentoso contra o HIV, inclusive somos referência mundial há décadas. Os planos de saúde, por exemplo, não oferecem esse acolhimento, só o SUS trata 100% e esse é um motivo de muito orgulho”, finaliza.

CNN Brasil

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