Nonato Guedes

O PSDB realizou, ontem, em nível nacional, prévias cujos resultados indicarão o candidato do partido à eleição presidencial de 2022. O confronto se dá entre dois candidatos – os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, já que um terceiro concorrente, o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, não tem chances. Em tese, as prévias decidirão o futuro da legenda e da chamada ‘terceira via’, que tenta se consolidar para quebrar a polarização já ensaiada entre Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a corrida presidencial. Mas o clima de acirramento tende a dificultar a superação das divisões internas após as prévias.

O que deveria se constituir em exemplo de embate democrático foi desvirtuado ao longo do processo de cooptação de votos de convencionais e, com mais ênfase, nos debates travados entre postulantes, sobretudo entre Doria e Eduardo Leite, que praticamente “esqueceram” Jair Bolsonaro e Lula da Silva como adversários e reservaram para eles mesmos essa condição. Houve denúncias de fraudes e de outras irregularidades, envolvendo a adoção de um aplicativo cuja segurança pode ser brecha para judicializações futuras. Esses fatos, evidentemente, contribuíram para acirrar ânimos e radicalizar posições, degenerando em guerra fratricida no chamado ninho tucano, de tal sorte que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, “condestável” do PSDB, já era considerado ausente das manifestações programadas para ontem, segundo versões, devido a problemas de saúde. Seja como for, FHC desencantou-se com a postura de Doria e com o clima das prévias.

João Doria, que é tido como o “pai da vacina” por ter acelerado a partir de São Paulo a imunização de grupos sociais contra a Covid-19 e Eduardo Leite, que se apresenta como símbolo da renovação política no cenário tucano e no próprio cenário político brasileiro, comprometeram-se a continuar filiados ao PSDB em caso de derrota e a buscarem a união do partido e o diálogo com outras siglas na hipótese de vitória. Para evitar fragmentação do campo político, será preciso buscar alianças com Sergio Moro, do Podemos, Rodrigo Pacheco, do PSD, e outras legendas, como União Brasil (DEM e PSL) e MDB. Uma provável aliança em torno de Sergio Moro passou a empolgar alguns tucanos muito mais do que a ideia da candidatura própria, inclusive pelo fato de que tanto João Doria quanto Eduardo Leite pontuam lá embaixo em percentuais de intenções de voto na corrida pela presidência da República, enquanto Moro, recém-chegado ao palco, já começa a destronar Ciro Gomes, o eterno candidato do PDT, na terceira posição.

Ao todo, 44,7 mil tucanos (cerca de 3% do 1,3 milhão de filiados) se inscreveram para a votação indireta, em que cada grupo representa 25%: filiados, prefeitos e vices, vereadores e deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores e vices, ex-presidentes do PSDB e o atual. São Paulo larga com 35% do peso nas prévias. Além do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite tem o apoio de estados chaves no tucanato, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Depois da pior derrota em eleições ao Planalto em 2018 com Geraldo Alckmin, que obteve 4,76%, as prévias foram a aposta do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, para reenergizar o partido. Ele minimizou, em entrevista à Folha de S. Paulo, as previsões de que a sigla sairá do pleito em pedaços – Doria tem a preferência dos militantes e Leite a dos parlamentares.

Apesar de alardearem diferenças entre si, Eduardo Leite e João Doria acumulam incômodos em comum. O primeiro é o apoio a Jair Bolsonaro em 2018, que ambos consideram, agora, um erro. O gaúcho e o paulista também miraram no presidente e no PT durante as prévias. O baixo patamar nas pesquisas de opinião (em torno de 5% no último Datafolha) também alcança os dois. Eduardo Leite ressalta dispor de menor rejeição, enquanto João Doria espera que a população reconheça o seu empenho pela vacina contra a Covid. Em nota, Eduardo Leite frisou que as prévias darão oportunidade eleitoral ao PSDB. Já o governador João Doria disse: “O PSDB é o único dos grandes partidos nacionais que se revitalizou e renovou suas lideranças. As prévias ajudaram nesse processo, deram novo impulso e visibilidade às propostas e realizações do PSDB. Elas demonstraram que o nosso partido está pronto para voltar a resolver as grandes questões nacionais”.

Os tucanos perderam espaço na conjuntura brasileira desde que deixaram de polarizar com o Partido dos Trabalhadores (PT) a hegemonia de poder e, até mesmo, de penetração eleitoral. No pleito de ontem, os filiados foram às urnas ou ao aplicativo sem saber quem sairia vencedor. Primeiro nome a se lançar como pré-candidato, Doria abriu a disputa como favorito, mas viu Eduardo Leite ganhar protagonismo entre setembro e outubro, com diversas declarações de apoio. Com o apoio do maior diretório do país e novas articulações, Doria conseguiu recuperar o fôlego nas últimas semanas mas o resultado ainda é incerto. Ambos cantam vitória. Para ganhar em primeiro turno, um dos três precisa ter mais do que 50% dos votos. Caso nenhum conquiste, deverá haver outro turno em 28 de novembro.

Fonte: Os Guedes