Sirius: acelerador de elétrons revela detalhes da estrutura de moléculas biológicas do novo coronavírus
Nessas análises iniciais, pesquisadores do CNPEM observaram cristais de uma proteína imprescindível para o ciclo de vida do vírus SARS-CoV-2, o novo coronavírus

© Google
O Sirius, nome da nova fonte
de luz síncrotron brasileira, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia
e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), realizou os primeiros
experimentos em uma de suas linhas de luz nesta semana. A primeira
estação de pesquisa a entrar em funcionamento é capaz de revelar
detalhes da estrutura de moléculas biológicas, como proteínas virais.
Nessas análises iniciais, pesquisadores do CNPEM
observaram cristais de uma proteína imprescindível para o ciclo de vida
do vírus SARS-CoV-2, o novo coronavírus. Os primeiros resultados
revelam detalhes da estrutura dessa proteína, importantes para
compreender a biologia do vírus e apoiar pesquisas que buscam novos
medicamentos para a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
A
primeira estação de pesquisa a entrar em funcionamento no Sirius é a
linha de luz Manacá, dedicada a cristalografia de proteínas. Usando a
difração de raios X esta linha de luz é capaz de revelar a posição de
cada um dos átomos que compõem a proteína estudada, o que auxilia os
pesquisadores a investigar a sua ação no organismo e sua interação com
moléculas que têm potencial para o desenvolvimento de fármacos.
Além
do Sirius, há outros aceleradores no mundo estudando as moléculas do
coronavírus. “Há mais de 200 estruturas de pedaços do coronavírus
depositada no banco de dados internacional, mas a nossa [fonte de luz
síncrotron], já é uma das melhores em termos de resolução, já estamos
competitivos comparados com outros experimentos. é uma corrida, tem
muitos pesquisadores no mundo tentando fazer isso, estamos colhendo
pistas, e isto que está sendo feito em vários aceleradores. Os
pesquisadores querem olhar a estrutura e testar ligantes que podem ser
candidatos a fármacos”, disse a pesquisadora do CNPEM que coordena a
primeira estação de pesquisa a entrar em operação, Ana Carolina Zeri.
Neste
primeiro experimento no Brasil foi analisada a 3CL Protease, do SARS-
CoV-2. “Também conhecida por Mpro, essa molécula, em formato que lembra
um coração, é uma das principais proteases do vírus, essencial para seu
ciclo de vida. Essas proteases, fundamentais para a replicação viral,
são alvos conhecidos para o desenvolvimento de medicamentos, já que, ao
inibir essas proteínas, é possível interferir na proliferação do vírus.
Inclusive, as primeiras drogas para HIV foram desenvolvidas mirando
proteases do vírus e as drogas com essa ação estão presentes nos
coquetéis utilizados para HIV, até hoje”, explicou a pesquisadora da
força tarefa do CNPEM contra Covid-19, Daniela Trivella.
O
início dos experimentos nas instalações do Sirius envolve um minucioso
processo de testes, no qual milhares de parâmetros são avaliados para
garantir a geração de dados precisos. “Para constatar que a estação de
pesquisa está dentro dos parâmetros projetados, gerando resultados
confiáveis, resolvemos primeiramente a estrutura de proteínas bem
conhecidas, como lisozima – uma molécula presente na nossa lágrima e
saliva. Reproduzimos as medidas esperadas para essas amostras-padrão e,
então, ao verificarmos a boa performance da máquina, seguimos para a
coleta de dados de experimentos reais, com cristais de proteínas do
SARS-CoV-2”, explica Ana Carolina Zeri.
A amostra analisada nos
primeiros experimentos no Sirius foi a proteína 3CL do SARS-CoV-2.
Produzida e cristalizada no Laboratório Nacional de Biocências (LNBio),
do CNPEM, a 3CL participa do processo de replicação do vírus dentro do
organismo durante a infecção.
“Inicialmente, reproduzimos a
estrutura de uma proteína já conhecida para testar os resultados gerados
pela Manacá. Com a obtenção de dados confiáveis e competitivos, vamos
aprofundar os estudos em biologia molecular e estrutural que integram
nossa força-tarefa contra o SARS-CoV-2. Temos vários grupos de
pesquisadores mobilizados para investigar os mecanismos moleculares
relacionados à atividade dessa proteína, buscar inibidores de sua
atividade, estudar outras proteínas virais, gerar conhecimentos que
podem apoiar o desenvolvimento de medicamentos contra a doença”,
detalhou o Diretor do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio),
Kleber Franchini.
Os próximos passos da pesquisa do CNPEM integram
a Rede Vírus MCTI, comitê de assessoramento estratégico do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovações que atua na articulação de Unidades
de Pesquisa envolvidas no combate ao coronavírus.
“Além
do nosso compromisso com a agenda pública de pesquisas com o
SARS-CoV-2, coordenada pelo MCTI, o início da operação da Manacá vai
beneficiar a comunidade científica de todo o País. Pesquisadores
dedicados a estudar os detalhes moleculares relacionados à doença
poderão submeter, a partir da próxima semana, propostas de pesquisa para
utilizar essa linha de luz”, anunciou o Chefe da Divisão de Materiais
Moles e Biológicos do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do
CNPEM, Mateus Cardoso.
Para utilizar o Sirius, as propostas de
pesquisa da comunidade científica passarão por uma avaliação técnica dos
especialistas do LNLS. “Neste momento, consideramos que a máquina está
em fase de comissionamento científico (fase final de testes), realizando
experimentos ainda em condições que impõem algumas limitações.
Entretanto, em resposta à crise causada pela covid-19, optamos por
disponibilizar antecipadamente essa ferramenta aos pesquisadores que já
têm familiaridade com experimentos de cristalografia de proteínas, para
que eles possam avançar no entendimento molecular do vírus”, ponderou o
Diretor do LNLS, Harry Westfahl Jr.
Dentre as 13 estações de
pesquisa do Sirius previstas para a 1ª fase do projeto, duas delas
tiveram as montagens priorizadas, desde o início da pandemia, por
permitirem estudos sobre o vírus e sua interação com células humanas.
Além da Manacá, a equipe do projeto corre contra o tempo para entregar,
ainda nos próximos meses, a linha de luz Catereté, voltada a técnicas de
Espalhamento Coerente de Raios X, onde será possível produzir imagens
celulares tridimensionais de alta resolução.
O diretor-geral do
CNPEM e do projeto Sirius, José Roque, destaca que, em resposta à uma
situação emergencial, a comunidade científica está sendo chamada a
apresentar suas propostas de pesquisa em SARS-CoV-2. “Começamos a
oferecer condições de pesquisa inéditas para os pesquisadores do país.
Neste momento, em que se fala tanto da importância da ciência e
tecnologia para a solução de problemas, estamos diante de uma máquina
avançada, projetada por brasileiros e construída em parceria com a
indústria nacional. Espero que, cada vez mais, todos os setores da
sociedade reconheçam a importância da ciência para a solução dos nossos
problemas e as capacidades que temos no país”, conclui.
Projetado e construído por brasileiros, o Sirius é uma das fontes de
luz síncrotron mais avançadas do mundo. Este grande equipamento
científico possui em seu núcleo um acelerador de elétrons de última
geração, que gera um tipo de luz capaz de revelar a microestrutura de
materiais orgânicos e inorgânicos. Essas análises são realizadas em
estações de pesquisa, chamadas linhas de luz. O Sirius irá comportar
diversas linhas de luz, otimizadas para experimentos diversos, e que
funcionarão de forma independente entre si, permitindo que diversos
grupos de pesquisadores trabalhem simultaneamente, em diferentes
pesquisas nas mais diversas áreas, como saúde, energia, novos materiais,
meio ambiente, dentre outras. Sirius é financiado pelo Ministério de
Ciência, Tecnologia e Inovações.
Notícias ao Minuto
Nenhum comentário:
Postar um comentário