Vice-presidente Hamilton Mourão: “Não vejo hoje no país ameaça a nossa democracia”
O
Governo do presidente Jair Bolsonaro segue a Constituição e não oferece
risco à democracia, apesar de todos os sinais emitidos de uma ruptura
por Bolsonaro e seus pares. “Estamos em pleno funcionamento da
democracia, todas as instituições funcionam de forma independente”,
diz o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva que hoje está à
frente do Conselho da Amazônia, um colegiado que reúne ministérios para
discutir ações de proteção à floresta. Em uma conversa de 25 minutos
por videoconferência com o EL PAÍS e outros três veículos internacionais
na última quarta-feira (10), em que só puderam ser feitas duas perguntas por
jornalista (enviadas antecipadamente, sem possibilidade de réplica),
Mourão refutou qualquer ameaça de golpe ou autogolpe, e minimizou os
ataques à democracia brasileira promovidos de dentro do Governo. Desde a
intenção do presidente de armar a população —“não é da cultura do
brasileiro ter armas”— até os atos de apoiadores do presidente, que
fazem ataques ao Supremo Tribunal Federal e pedem intervenção militar.
“São muito mais retórica do que ações contra as instituições”, afirma
Mourão.
Para
o vice-presidente, os protestos têm uma repercussão muito pequena nas
ruas, “muito pouca gente comparece”. O problema é que o presidente
Bolsonaro saúda publicamente esses poucos que se aglomeram em frente ao
Palácio da Alvorada praticamente todos os finais de semana. No dia 31 de
maio chegou a sobrevoar de helicóptero, ao lado do ministro da Defesa,
Fernando Azevedo, uma dessas manifestações em que pessoas sustentavam
faixas contra o Supremo. Mas o vice repete: “Não vejo hoje no país
ameaça a nossa democracia.” O formato engessado da conversa com o
vice-presidente não permitiu contrastar as ponderações do vice, que não
se vê como um representante das Forças Armadas —“sou um político
atualmente”, afirmou. O fato é que as sucessivas investidas de Brasília à
ordem democrática fez jornais como o Financial Times e o New York Times
questionarem, nos últimos dias, o destino desses flertes autoritários
no Brasil.
Mas,
para Mourão, ruptura democrática houve de fato na Venezuela, onde ele
viveu como adido militar da embaixada brasileira em Caracas, entre 2002 e
2004. “Ali eu realmente vi a democracia ser destruída e vi o que são
ataques à imprensa”, disse ele, lembrando jornalistas sendo atacados na
rua e ameaçados de morte por agentes do Governo, além de veículos
sufocados por falta de recursos mínimos para funcionar. “Isso não ocorre
no Brasil”. De fato, não, ao menos por enquanto. Mas o presidente
Bolsonaro repete arroubos autoritários, como no final do ano passado,
quando tentou excluir o jornal Folha de São Paulo, por exemplo, de
licitações de assinatura do Governo por não concordar com a cobertura
crítica do jornal ao seu Governo. Depois, recuou, muito embora
incentivasse empresas a parar de anunciar no veículo. O presidente
também ataca publicamente jornalistas, seja mandando calar a boca na
frente de seus apoiadores, seja nas redes, especialmente mulheres,
incitando ataques, amplificados por seus filhos, a jornalistas como
Patricia Campos Mello.
Mourão integra um Governo que promove um
clima belicoso em diversas instâncias, inclusive com os demais poderes,
fomentando a interferência constante do Supremo Tribunal Federal,
especialmente durante a pandemia de coronavírus, que já matou mais dee
40.000 pessoas no país. Uma das mais recentes decisões da Corte diz
respeito à mudança na metodologia empregada para divulgar os dados do
Ministério da Saúde. No dia 5 de junho, sem prévio aviso, o Ministério
alterou a forma de apresentar os casos e óbitos por Covid-19 no Brasil.
Com a mudança, os dados acumulados de casos e óbitos deixaram de ser
divulgados. No domingo, 7, o Governo chegou a retificar os números de
mortos inicialmente publicizados reduzindo-os pela metade, o que acendeu
o alerta de que os dados passariam a ser manipulados. Uma liminar do
Supremo obrigou o Governo a voltar atrás e divulgar os dados da mesma
forma que eram apresentados desde os primeiros registros da Covid-19 no
Brasil no final de fevereiro. O ministro interino, o general Eduardo
Pazuello, passou horas da terça-feira, dia 9, dando explicações a deputados na
Câmara sobre as mudanças que haviam sido feitas para garantir que
números não estavam sendo omitidos, prática comum durante a ditadura
militar.
Questionado
sobre a imagem das Forças Armadas diante da presença cada vez maior de
militares no ministério — já são mais de 20 — em meio à pior pandemia da
história, o vice optou pelo distanciamento. “A gestão do Ministério da
Saúde, apesar de estar nas mãos de um oficial general da ativa, não está
nas mãos das Forças Armadas”, disse ele. “Todo sistema de saúde tem sua
gestão própria, o papel do Governo Federal é estabelecer as políticas,
facilitar as questões logísticas e distribuição de recursos necessários,
para que estados e municípios operem seus sistemas de saúde”. O Governo
já é alvo de ações na Justiça, e inclusive no Tribunal Penal
Internacional, que questionam a condução das políticas de combate à
pandemia. No limite, podem alcançar ministros militares do Governo.
A
intenção de se descolar, no entanto, é limitada aos olhos de
observadores experientes, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), filho e neto de militares. Em entrevista a este jornal, Fernando Henrique Cardoso
disse que “quem vai ser responsabilizado pelos erros do Governo,
queiram ou não, serão os militares”. No dia seguinte à publicação da
entrevista, Mourão usou o Twitter para responder ao ex-presidente.
“Quanto à afirmação: ‘os responsáveis pelos erros do Governo, queiram ou
não, serão os militares”; convido o ex-presidente FHC a refletir sobre a
História do Brasil e verificar se não são eles que, mais uma vez,
servindo ao Estado, mantêm a estabilidade institucional do país.’
“Cometemos erros no controle de queimadas”
Apesar da negativa a FHC, Mourão reconheceu ao menos um erro do Governo
na entrevista de quarta-feira, no que diz respeito à Amazônia. “O
presidente teve consciência de que cometemos erros em relação ao combate
ao desmatamento e às queimadas”, diz ele, que comanda o Conselho da
Amazônia. O desmatamento cresceu quase 35% entre agosto de 2018 e julho
de 2019, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e a
intenção de Mourão é que os resultados apareçam neste segundo semestre.
Uma ação
do Exército na região, que ficará por dois meses na floresta, pretende
coibir o desmatamento que, segundo o vice, deve ser reduzido ao mínimo,
como afirmou em reunião ministerial desta terça-feira. Mas não respondeu
quanto seria esse mínimo. Apesar da imagem negativa do Governo nessa
questão, Mourão assegura que o Brasil não é o vilão da história. “Não
somos em hipótese alguma o vilão ambiental do mundo”, diz ele, lembrando
que o país não queima petróleo e carvão para produzir energia, como
outros países. “Em termos ambientais temos uma das legislações mais
avançadas”, disse ele na entrevista desta quarta-feira. No entanto, não foram
poucas as tentativas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de
perdoar multas ambientais de produtores rurais que desmataram áreas
verdes ilegalmente.
O futuro da fiscalização da Amazônia, agora
sob as ordens de Mourão, é uma incógnita. Ele garante que serão criadas
condições para fortalecer os órgãos de fiscalização com a criação de 20
bases de apoio na região. “Buscamos solução para reconstruir o Ibama
[Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] e o ICMBio e outras agências que
se ressentem de fiscalização”, preconiza. A ação de dois meses do
Exército consumiu 60 milhões de reais na Amazônia, pouco menos que o
orçamento anual do Ibama (75 milhões de reais). Fiscalizar é caro,
observa Mourão, por exigir recursos como helicóptero, aeronaves e
viaturas especiais para transitar na região. A ideia é convencer a
Alemanha e a Noruega, patrocinadores do Fundo Amazônia, a reativar
recursos que foram suspensos desde que as queimadas viraram notícias no
mundo inteiro. “Estamos colocando métricas para que possam ser medidos
resultados”, explica Mourão. Otimista, acredita que em dois a três meses
os recursos dos fundos estarão liberados e poderão financiar ações de
fiscalização de Ibama e ICMBio. “O Brasil é muito maior que os problemas
sazonais que estamos vivendo”, disse ele quando questionado sobre a
imagem abalada do país no exterior.
Seu
otimismo se estende a uma visão de resiliência do Governo que integra,
acossado por mais de 30 pedidos de impeachment e processos que pedem a
cassação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral. Mesmo com um índice de
rejeição de 43%, segundo o último levantamento do Datafolha, contra 30%
nos primeiros meses no poder, ele aposta que o Governo tem plenas
condições de ir até 2022, e quem sabe, “se o presidente se candidatar,
sermos reeleitos”.
Fonte: EL País - Publicado por: Fabricia Oliveira
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