Ronaldo Cunha Lima versus Vital do Rêgo em 82: disputa empolgante, vencida pelo poeta

Nonato Guedes
Enquanto Wilson Braga e Antônio Mariz duelavam pelo Palácio da
Redenção em 1982, na volta das eleições diretas a governadores
estaduais, pondo fim ao ciclo de governadores “biônicos”, nomeados pelo
Palácio do Planalto, na cidade de Campina Grande, segundo colégio
eleitoral da Paraíba, com quase 100 mil eleitores, travou-se uma disputa
empolgante que repercutiu na mídia nacional entre dois líderes
políticos: Ronaldo Cunha Lima e Antônio Vital do Rêgo. Ambos eram
advogados, haviam sido cassados pela ditadura militar e atraíam
admiradores pela versatilidade como tribunos carismáticos. O páreo
contou com 7 candidatos em meio à proliferação de sublegendas –
concorreram, ainda, Moisés Lira Braga, Geraldo Magela Barros, Manoel
Barbosa, Edgar Malagodi (PT) e Hermano Nepomuceno.
Na contagem final, Ronaldo Cunha Lima, do PMDB, superou o rival
Antônio Vital do Rêgo (PDS) com 12.054 votos de diferença – alcançou
40.679 sufrágios contra 28.625 dados ao oponente. Para governador,
Wilson Braga (PDS) derrotou Antônio Mariz (PMDB) por 151 mil votos de
vantagem, beneficiando-se, entre outros fatores externos, da vinculação
geral de votos, apontado pelo PMDB como casuísmo remanescente da
ditadura que se aproximava dos estertores. Uma matéria do jornal“O
Estado de S. Paulo”, em abril daquele ano, tinha o título “Poeta
enfrenta “ator” na Paraíba”. Boêmio, dotado de grande empatia pessoal e
poder de comunicação impressionante, Ronaldo era o político do abraço,
da conversa ao pé do ouvido, autor de discursos emocionais intercalados
com versos ou repentes, a exemplo dos cantadores nordestinos. Também
advogava gratuitamente para os pobres.
No mesmo ano de 82, Cunha Lima chegou a ser lançado candidato ao
governo do Estado por um grupo dissidente do PMDB, liderado por
Marcondes Gadelha, que acabou migrando para o PDS. O sonho de Ronaldo,
contudo, era o de reconquistar a prefeitura como reparação pela
“injustiça” que dizia ter-lhe sido atribuída, com a cassação do mandato
pelo AI-5 em 68, quando ocupava a prefeitura campinense há apenas 34
dias, eleito pelo voto popular. Ronaldo responsabilizava por sua
cassação o “sistema” vigente, que, segundo ele, tinha pavor aos líderes
populares, e foi tentar a sorte no Sul antes de retomar a militância
política e ocupar cargos profissionais em banca de advocacia, tendo se
apresentado em programa de televisão de grande audiência respondendo, em
versos, a perguntas sobre a vida do poeta Augusto dos Anjos, que fora
eleito em pesquisa o Paraibano do Século passado.
Ex-deputado estadual e federal, genro do ex-governador Pedro Gondim,
Vital do Rêgo também foi cassado pelo AI-5, depois de Ronaldo, mas
preferiu sobreviver em Campina Grande, onde prestou assessoria a firmas
empresariais e montou um escritório de advocacia que o tornou estrela de
auditórios. Suas características eram a dramaticidade dos gestos e uma
agilidade retórica que lotavam os fóruns em sessões de júri. No
palanque, adotava um estilo que lembrava o do ex-presidente Jânio
Quadros: tanto podia chorar, como desmaiar. Desde a morte do pai,
vestia-se sempre de preto – segundo ele,em sinal de luto, mas, conforme
outras versões, em sinal de repúdio aos que o cassaram e ainda
permaneciam vivos. Místico, apresentava-se como “o bom filho”, que
rezava todos os dias pela memória do pai e venerava sua ”mãezinha”. No
governo de Tarcísio Burity, ocupou a reitoria da Universidade Regional
do Nordeste (hoje UEPB), onde, segundo alunos, fez uma gestão repressiva
e, segundo ele, uma gestão democrática. Foi presidente da seccional
paraibana da Ordem dos Advogados do Brasil e envolveu-se em incidentes e
polêmicas pelas suas posições combativas. Vital não identificava
culpados pela sua cassação, preferindo virar a página de sua história.
Politicamente, Ronaldo e Vital sempre haviam percorrido caminhos
diferentes, e mesmo juntos, eventualmente, no MDB, em 68, pareciam
adversários. Naquela época, Ronaldo elegeu-se prefeito pelo MDB com o
apoio de Vital, que integrava uma sublegenda, e obteve sobre este uma
diferença de pouco mais de cinco mil votos. Em 82, apesar do favoritismo
de Ronaldo detectado por pesquisas, Vital, por estratégia, prometia dar
o troco e derrotar seu competidor por mais de seis mil votos. Ambos
foram os primeiros a participar de um debate ao vivo numa emissora de
rádio de João Pessoa, que prendeu as atenções do público por quase
quatro horas, em 82. Foi um debate de alto nível, a respeito do qual
analistas políticos cravaram empate, apesar de Vital ter estado sempre
na ofensiva. Vital foi generoso na avaliação da competição. “Debater com
Ronaldo enfeitiça a gente”, entregou. Ambos deixaram herdeiros
políticos – Cássio, o filho de Ronaldo, elegeu-se governador por duas
vezes, deputado federal e senador, não reeleito em 2018. Vital do Rêgo
Filho, “Vitalzinho”, foi deputado estadual, federal, senador, candidato a
governador e atualmente é ministro do Tribunal de Contas da União.
Veneziano Vital do Rêgo foi vereador, deputado estadual, federal,
prefeito de Campina Grande por duas vezes e atualmente é senador. Sua
mulher, Ana Cláudia, deve concorrer à prefeitura da cidade se houver
eleição municipal este ano. Nilda Gondim, viúva de Vital, cumpriu um
mandato de deputada federal.
Os Guedes
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