Com mais de 74 mil casos e 7.500 óbitos, por que a Itália tem mais mortes pelo novo coronavírus?
Há
um mês enfrentando o novo coronavírus Sars-CoV-2, a Itália soma mais de
74 mil casos e 7.500 mortes, o que equivale a uma taxa de letalidade de
10%. A China, onde o patógeno começou a circular, no fim do ano
passado, registra pouco mais de 81 mil positivos e 3.285 mortes, um
percentual de 4%. A Alemanha, com 34 mil contaminados e 181 óbitos, tem
letalidade de 0,5%.Por que as taxas são assim diferentes entre esses
três países? E por que a Itália tem tantas mortes em números absolutos?
Nos
últimos dias, médicos e estudiosos de outras áreas têm procurado
explicar essas discrepâncias entre os países mais afetados pelo
coronavírus, especialmente a situação da Itália, o primeiro europeu a
identificar casos de contaminação interna, em 21 de fevereiro.
O
principal argumento para a taxa de letalidade italiana estar tão acima
dos demais países está em uma provável subnotificação dos casos
positivos. A hipótese é considerada inclusive pela agência de Proteção
Civil, que centraliza nacionalmente as ações de combate à pandemia.
Na última segunda-feira (23), o responsável pelo órgão, Angelo Borrelli, afirmou
que para cada doente confirmado há outros dez não rastreados pelas
autoridades sanitárias.
O virologista Fabrizio Pregliasco,
professor da Universidade de Milão e diretor sanitário do Instituto
Ortopedico Galeazzi, concorda.
“Está claro que os casos reais
estão multiplicados por dez. A difusão real, sobretudo no norte da
Itália, é muito superior aos casos notificados. Pelo menos, dez vezes.
Isso acontece porque os testes hoje só estão sendo realizados em pessoas
que apresentam sintomas da Covid-19”, disse nesta quarta (25) à
reportagem.
Diante
disso, os 74 mil contaminados dos dados oficiais seriam, na verdade,
740 mil, o que faria a taxa de letalidade cair para 1%.
O fato de a
maioria dos infectados ser assintomática ou apresentar sintomas leves
também foi alvo de estudos nos Reino Unido, onde pesquisadores
concluíram que o novo coronavírus já pode ter contagiado até metade de
população, e na China, onde até 80% das infecções são leves, segundo
estimativas.
Mas, mesmo diante de uma taxa de letalidade menor, já
são cerca de 7.500 mortos na Itália, que apresenta, por enquanto, os
maiores números absolutos de vítimas fatais do mundo.
Para isso, a
explicação está na forma como o vírus entrou no país. Especialistas
afirmam que o patógeno circulou na Itália por várias semanas antes de
ter sido detectado.
No começo do mês, o infectologista Massimo
Galli, diretor no hospital referência em Milão para doenças infecciosas,
o Luigi Sacco, havia dito à Folha que o coronavírus está pelo menos
desde janeiro na Itália.
O virologista Pregliasco também está
convencido disso. “Certamente chegou alguém na Itália durante a fase
inicial da epidemia na China, quando a situação ainda não era evidente
para todos, que infectou uma série de pessoas que apresentaram sintomas
parecidos com os da gripe influenza”, afirma. “O paciente que chamamos
de 1 provavelmente era o paciente 200. Foi como a ponta de um iceberg.”
Antes
do primeiro caso de contaminação interna ser confirmado, em Codogno,
perto de Milão, o protocolo seguido pela Itália, recomendado à época
pela OMS (Organização Mundial da Saúde), era só submeter a testes
pacientes que apresentavam sintomas e tinham estado na China ou tido
contato próximo com um viajante.
Outra razão para a rápida difusão
do vírus no norte da Itália, especialmente na região da Lombardia, é
que esse primeiro caso, o do paciente 1, foi descoberto dentro de um
hospital, depois de horas de internação e contatos com familiares,
outros pacientes e operadores de saúde.
“O fato de os primeiros
casos sérios terem ido parar nos hospitais, sem terem sido tratados como
um problema infeccioso grave, deu um empurrão”, diz Pregliasco, que
rejeita a tese de que o vírus tem sido mais letal na Itália (e,
internamente, na Lombardia) porque tenha sofrido mutação.
“Tivemos menos sorte que os outros países da Europa, mas o vírus chegou também neles, com oito a dez dias de atraso.”
Essa
diferença de dias se tornou uma vantagem para os vizinhos, que puderam
iniciar antes as medidas rigorosas de restrição à circulação de pessoas,
adotadas na Itália quando o vírus já estava fora de controle. A
quarentena total só foi determinada pelo governo italiano 17 dias depois
que o primeiro caso de contaminação interna foi confirmado.
A
Alemanha, com taxa de letalidade baixíssima, tem sido ágil em fazer
testes na população e identificar casos positivos assintomáticos, o que
ajuda a impedir a circulação descontrolada do vírus. No entanto, nesta
quarta-feira, o próprio governo demonstrou cautela. “Estamos apenas no
início da luta contra a epidemia na Alemanha”, disse Lothar Wieler, do
Instituto Robert Koch, autoridade sanitária que comanda a crise no país.
Além
do modo como o vírus chegou na Itália e do “empurrão” dado pela
disseminação dentro de hospitais, contribuiu para o alto número de
mortes a grande faixa da população idosa, a segunda maior do mundo,
atrás do Japão.
Os italianos acima de 65 anos representam 23% da
população de 60 milhões – na China, esse percentual é de 12%. Esse é
justamente o maior grupo de risco do coronavírus. Quase 85% das vítimas
fatais na Itália têm acima de 70 anos.
Um estudo divulgado há
alguns dias pelo Centro de Ciência Demográfica da Universidade de
Oxford, no Reino Unido, defende que uma outra particularidade italiana
contribuiu para aumentar o número de casos e mortes.
“A Itália é
um país caracterizado por extensos contatos intergeracionais, baseados
em um alto grau de proximidade residencial entre filhos adultos e seus
pais”, escreveu a professora Jennifer Dowd, coautora com outros sete
pesquisadores. “Mesmo quando as gerações não moram juntas, contatos
diários entre elas são frequentes. Muitos italianos preferem viver perto
da família estendida e se deslocar diariamente para o trabalho.”
O
estudo conclui: “Essas interações intergeracionais, coabitação e
padrões de deslocamento podem ter acelerado o surto de coronavírus na
Itália, por meio de redes de contato social que aumentaram a proximidade
dos idosos com os casos iniciais”.
Notícias ao Minuto - Publicado por: Suedna Lima
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