“Operação Calvário” afasta o ex-governador Ricardo Coutinho do grande debate político nacional – por Nonato Guedes
Foi
uma guinada, e tanto, na trajetória política do ex-governador Ricardo
Coutinho (PSB). No pouco tempo que teve para começar a “desencarnar” do
poder que empalmou por oito anos à frente dos destinos da Paraíba, ele
saltou em grande estilo para a crônica policial, às voltas com prisão,
habeas corpus, audiência de custódia e, ontem, tornozeleira eletrônica,
determinada pelo desembargador Ricardo Vital para reforçar medidas
cautelares impostas pelo Superior Tribunal de Justiça. O pedido de
prisão, novamente, do ex-governador, foi denegado – e a “turma” toda
implicada na “Calvário” ganhou o direito de sair da cadeia. Mas é
ostensiva a restrição à liberdade. Ricardo & companhia vivem,
atualmente, em regime de “liberdade vigiada”, com os passos monitorados
permanentemente e a comunicação inter-pares bloqueada para prevenir
qualquer ensaio de rearticulação da organização criminosa que, segundo o
Ministério Público, “assaltou os cofres públicos” da Paraíba.
Este
não era o enredo que Coutinho traçara para si tão logo se
desvencilhasse das obrigações derivadas do exercício da “curul”
governamental. Nem era o figurino aguardado junto a setores da opinião
pública do Estado. A expectativa reinante nessas hostes era a de que o
líder socialista paraibano tivesse papel relevante no grande debate
político nacional que passa pelas medidas adotadas pelo governo de Jair
Bolsonaro e pelas próprias atitudes do capitão reformado, em estado de
beligerância constante com segmentos da sociedade, por “dá cá aquela
palha”, já que motivações concretas não há para os ataques reiterados à
imprensa, a artistas, intelectuais, policiais, parlamentares, ministros
de Cortes de Justiça, etc, etc. Na falta de motivações concretas, só se
pode atribuir o rosário de destemperos do presidente Bolsonaro à sua
índole. É da natureza dele não gostar de ser contrariado. Também é da
sua índole o despreparo para conviver democraticamente.
Como
se vê, há assuntos de sobra para uma boa discussão política. No papel
de presidente da Fundação João Mangabeira, um instituto de estudos
políticos do PSB nacional, o ex-governador da Paraíba chegou a enveredar
por declarações contra o que qualificou de “atitudes fascistas” do
governo Bolsonaro, fazendo coro com a verborreia do seu grande parceiro,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também em liberdade após ter
cumprido 580 dias de carceragem em Curitiba. Providencialmente,
Coutinho emudeceu em avaliações sobre as primeiras coordenadas do
governo João Azevêdo, por cuja eleição se empenhou mas com o qual rompeu
em pouco tempo, imbuído de uma certa recaída personalista com laivos de
narcisismo. O que ele pensa da gestão que está aí – e que, na largada,
foi carimbada como “de continuidade”, em meio ao compromisso tácito de
que “neste governo ninguém solta a mão de ninguém?”. Talvez porque
“soltaram” as mãos dentro da antiga seita, Coutinho e seus discípulos
mais ortodoxos, Ricardo não pensa nada sobre Azevêdo. Ou melhor, pensa
muito. Negativamente. E não fala!
Já
vazou – não de depoimentos extraídos na Operação Calvário, mas de
inconfidências do “QG” ricardista improvisado, cujos tentáculos
espalham-se pelas franjas do município do Conde, onde a prefeita Márcia
Lucena chegou a ser presa – que “esse governo” (referência ao governo de
João Azevêdo) “não nos representa”. Também pipocou o julgamento de que é
um governo com feição ideológica direitista, apreciação que teria sido
reforçada com o ingresso do atual chefe do Executivo nas fileiras do
“Cidadania”, legenda com a qual nem o PSB de Coutinho nem o PT do pajé
Lula da Silva dialogam. “Incompatibilidades gritantes”, justificam. Como
se houvesse alternativa plausível para Azevêdo no campo da esquerda,
depois que ele foi expulso, em ação “manu militari”, das fileiras da PSB
pelo Senhor de Baraço & Cutelo Ricardo Coutinho.
Nenhuma
palavra de “encorajamento” a Azevêdo por ter perfilado junto com outros
governadores na criação do “Consórcio Nordeste”, que tanto irritou
Bolsonaro, brotou da boca de Ricardo em alocuções na sua tribuna
predileta, a rede social – embora o ex-governador tenha modelado para
consumo externo o perfil de um homem público aberto às mudanças ou a
gestos de independência. (Pelo menos foi esta a sua atitude em relação
ao governicho de Michel Temer, já que em relação a Lula e Dilma Rousseff
choveu tanto elogio que foi confundido com bajulação). Os “ricardistas”
poderão contrapor que, no reverso da medalha, também não há, pelo menos
publicamente, comportamento de terra arrasada do ex contra o sucessor, o
que é verdade. Só que isto se dá mais por cálculo político do que por
repentino altruísmo de Coutinho, que nunca foi dado a gestos altruístas
largos, como a Paraíba sabe de cor e salteado.
Resta
comprovado que numa hora em que a paisagem política está tão anêmica,
tão insossa, sem a proliferação de ideias pujantes ou de atores de
escol, até a Oposição mostra-se amputada de qualquer pretensão de
protagonismo, tendo em vista que o seu líder maior está acorrentado por
uma tornozeleira que lhe retira muito da autoridade para “parlar” alguma
coisa sobre qualquer assunto da ordem do dia. Assim é – não o que
parece ser.
Fonte: Polêmica Paraíba - Créditos: Nonato Guedes
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