sábado, 8 de fevereiro de 2020

Fora da cela, Lula demonstrou pouca (quase nenhuma) capacidade de mobilização

Impedimento de Lula pela Lei da Ficha Limpa, deixa a esquerda na encruzilhada

Embora Lula ainda tenha peso político, hoje está longe de ser uma unanimidade; fora da cela, demonstrou pouca capacidade de mobilização


APEGO AO PODER – O operário que disputou com Collor as eleições de 1989: sua liderança na oposição começa a ser contestada - Antonio Ribeiro; Juca Martins/.
Quando surgiu, na década de 80, como força de combate à ditadura nos estertores do regime militar, o Partido dos Trabalhadores representava a vanguarda política não apenas em termos de oposição ao establishment. A sigla trazia também promessas de um novo padrão de ética no trato com a coisa pública e um olhar prioritário para as fatias mais pobres da população. Egresso do movimento sindical para formar a agremiação ao lado de operários, intelectuais e católicos de esquerda, entre outras forças, Luiz Inácio Lula da Silva virou líder e símbolo maior desse movimento. Como se sabe, o PT prosperou, ganhando espaço em prefeituras importantes, nos governos estaduais e no Congresso, até chegar à Presidência da República. Depois de três tentativas fracassadas em eleições, a legenda instalou-se no Planalto: Lula lá em 2002. Por treze anos o PT permaneceu ali, com os dois mandatos de Lula e, no restante do período, com uma sucessora escolhida a dedo por ele, Dilma Rousseff.
A conquista do poder levou inevitavelmente a ser testadas na prática as bandeiras que a legenda bradava enquanto oposição. Deu no que deu: um desastre. Aos anos de prosperidade do primeiro mandato de Lula se seguiram escândalos bilionários de corrupção e a bancarrota econômica, da qual o país ainda não se recuperou totalmente. Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, o petista passou 580 dias no cárcere. Mesmo preso, continuou dando as cartas no seu partido, e, de volta à liberdade, intensificou o movimento para tentar reaver o espaço perdido pela sigla — uma estratégia malsucedida até aqui. Embora Lula ainda tenha peso político e público cativo consideráveis, hoje está longe de ser uma unanimidade e, fora da cela, demonstrou pouca (quase nenhuma) capacidade de mobilização. Nos bastidores, ele enfrenta críticas de outros partidos de esquerda, e mesmo dentro do PT algumas vozes estão se levantando contra as ordens de seu eterno mandachuva, um comportamento inimaginável até pouco tempo atrás.
Nesta edição, uma reportagem trata exatamente dos atuais dilemas e da dificuldade da esquerda de encontrar alguém capaz de unificar e liderar a oposição não apenas no pleito municipal deste ano, mas, principalmente, nas eleições presidenciais de 2022. Salvo um improvável duplo twist carpado jurídico, o ex-metalúrgico está impedido pela Lei da Ficha Limpa de concorrer (algo que deixa a oposição numa encruzilhada). Para voltar ao poder, a esquerda precisa do apoio de Lula. Ao mesmo tempo, para vencer, ela necessita sair de debaixo da sombra e da imagem envelhecida do seu desgastado líder. Lula livre, quem diria, aprisionou a esquerda em um problema de difícil solução.
Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673

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