No Dia do Nordestino, o maior líder político da região seguia preso em Curitiba

No chão em que ele nasceu faltavam pão e água. “A minha história é
uma história sem alegria”, contou ele em depoimento ao jornalista
Audálio Dantas, já falecido, abordando a sua trajetória a partir do
Nordeste. Em São Paulo, aproximou-se de operários metalúrgicos e chegou à
presidência do Sindicato da categoria, um dos mais representativos do
país e da América Latina. Lula comandou assembleias históricas em São
Bernardo do Campo, palco de deliberações sobre greves nas portas de
fábrica, onde piquetes eram montados para evitar furos na paralisação.
Enfrentou uma prisão e ameaça de enquadramento na Lei de Segurança
Nacional. Mas, com habilidade, pavimentou o caminho para forçar os
patrões a negociarem com os grevistas e cederem na pauta de demandas, o
que ocorreu.
O maior feito de Lula em benefício da região que lhe deu régua e
compasso foi a transposição das águas do rio São Francisco, interligando
vários Estados do Nordeste. A promessa havia sido feita ainda por dom
Pedro no Império, com o argumento de que venderia a última joia da Coroa
para salvar o povo nordestino vítima da calamidade da estiagem. Acabou
sendo pelas mãos de um nordestino a concretização do sonho que, conforme
prometido, iria significar a redenção do Nordeste. Lula, antes de ser
preso, teve a felicidade de compartilhar a chegada das águas da
transposição em diferentes eixos de variados Estados da região. Isto se
deu, por exemplo, no cariri paraibano, onde ele foi recepcionado pelo
ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), juntamente com a presidente Dilma
Rousseff. O cronograma de obras da transposição tem sofrido problemas
burocráticos e até mesmo interrupção no bombeamento de água no governo
Bolsonaro. Nem por isso grande parte dos nordestinos deixa de reconhecer
o mérito de Lula.
No período em que atuava na militância sindical, Lula mantinha
distância de partidos políticos e não se alinhava com o comunismo.
Acreditava que os trabalhadores eram massa de manobra dos grupos
econômicos poderosos e influentes, especialmente no Nordeste, onde por
muito tempo vigorou o bico de pena, o voto de cabresto, incentivado por
oligarquias. Com o tempo, Lula descobriu – e foi convencido – de que
precisava entrar na política-partidária para fazer as coisas andarem. A
maior ousadia que ele cometeu foi criar um Partido dos Trabalhadores,
para se contrapor a legendas tradicionais que revezavam a hegemonia
política no Nordeste. Ele foi deputado federal e marcou presença na
Assembleia Nacional Constituinte, mas era um crítico das limitações do
Legislativo.
Quando as eleições diretas para presidente da República foram
restauradas, Lula lançou-se candidato em 1989, num cenário pulverizado e
marcado pelas presenças de figuras de expressão da política nacional.
Logrou ir para o segundo turno, passando por cima de candidatos como
Leonel Brizola e Ulysses Guimarães. No segundo turno, o embate se deu
com Fernando Collor de Melo, que fizera fama com o apelido de “caçador
de marajás” do serviço público quando era governador de Alagoas. Collor
saiu vitorioso, mas sofreu impeachment em 1992, acusado de envolvimento
com irregularidades comandadas pelo esquema PC Farias. Lula manteve a
persistência e continuou se candidatando a presidente, mesmo diante de
desigualdades.
Em 2002, ele finalmente ascendeu à presidência da República,
derrotando José Serra, do PSDB, e tendo como vice o empresário José
Alencar, de Minas Gerais. Em 2006 Lula foi reeleito, mas já aí eclodiram
os primeiros problemas, com denúncias sobre “mensalão” que era pago a
parlamentares da base governista para que votassem em prol de matérias
do governo. Em 2010, Lula indicou uma ilustre desconhecida, Dilma
Rousseff, como candidata, e contribuiu decisivamente para sua eleição.
Em 2014, Dilma disputou a reeleição e elegeu-se em páreo acirradíssimo. A
ex-presidente foi alvo de um processo de impeachment por suposta
prática de pedaladas fiscais e outras irregularidades. No ano passado
deu-se a prisão de Lula, por determinação do ex-juiz Sergio Moro, atual
ministro da Justiça. Arrolado em vários processos, Lula cumpre pena na
Superintendência da PF em Curitiba. Os lulistas mais fanáticos acreditam
que está próxima a sua liberdade, mas o próprio Lula tem dito que só
lhe interessa a liberdade conjugada com a sua absolvição ou a declaração
de sua inocência. O caso é um quebra-cabeças para ministros do Supremo
Tribunal, que decretarão se ele sai ou não da prisão e se estará elegível
para os futuros embates.
Os Guedes - Por Nonato Guedes, em 08 de outubro de 2019
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