'Brasil é governado por um bando de maluco', diz Lula na prisão em entrevista exclusiva
O ex-presidente Lula foi entrevistado na prisão em Curitiba

© Reuters / Paulo Whitaker
CURITIBA, PR
(FOLHAPRESS) - O ex-presidente Lula afirmou nesta sexta (26), em
entrevista exclusiva concedida à Folha de S.Paulo e ao jornal El País,
que o Brasil está sendo governado por "um bando de maluco".
Depois de uma batalha judicial em que a entrevista chegou a
ser censurada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), decisão revista na
semana passada, o petista enfim recebeu os dois veículos, em uma sala
preparada pela Polícia Federal na sede do órgão em Curitiba, onde está
preso.
Os agentes explicaram aos jornalistas, fotógrafos e
cinegrafistas presentes que ele seria colocado em uma mesa a uma
distância de 4 metros de todos. Ninguém poderia se aproximar. Segundo a
PF, eles estavam cumprindo um protocolo de segurança comum a todos os
presos. Em duas horas e dez minutos de conversa, o ex-presidente falou
da vida na prisão, da morte do neto, do governo de Jair Bolsonaro, das
acusações de corrupção que sofre e da possibilidade de nunca mais sair
da prisão.
"Não tem problema", afirmou ele quando questionado
sobre a possibilidade. "Eu tenho certeza de que durmo todo dia com a
minha consciência tranquila. E tenho certeza de que o Dallagnol não
dorme, que o [ministro da Justiça e ex-juiz Sergio] Moro não dorme."
Reservou
ao ex-magistrado, o primeiro que o condenou pelo caso do triplex do
Guarujá, algumas de suas principais ironias. "Sempre riram de mim porque
eu falava 'menas'. Agora, o Moro falar 'conje' é uma vergonha",
afirmou.
Lula disse também acreditar que "Moro não sobrevive na
política". Já sobre o presidente Jair Bolsonaro, não foi tão taxativo.
Apesar de várias críticas, afirmou que "ou ele constrói um partido
sólido, ou não perdura".
Lula disse que a elite brasileira deveria
fazer uma autocrítica depois da eleição de Bolsonaro. "Vamos fazer uma
autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país estar governado
por esse bando de maluco que governa o país. O país não merece isso e
sobretudo o povo não merece isso", afirma.
E comparou o tratamento
que a imprensa dá a ele com o que reserva ao atual presidente da
República. "Imagine se os milicianos do Bolsonaro fossem amigos da minha
família?", questionou, referindo-se ao fato de o filho do presidente,
Flávio Bolsonaro, ter empregado familiares de um miliciano foragido da
Justiça em seu gabinete quando era deputado estadual pelo Rio.
O
ex-presidente chorou quando falou da morte do neto Artur, de 7 anos,
vítima de uma bactéria, há um mês: "Eu às vezes penso que seria tão mais
fácil que eu tivesse morrido. Eu já vivi 73 anos, poderia morrer e
deixar o meu neto viver".
Lula disse ainda que, se sair da prisão,
quer "conversar com os militares" para entender "por que esse ódio ao
PT" já que seu governo teria recuperado o orçamento das Forças Armadas.
Disse
que acompanha a briga de Bolsonaro com o vice-presidente, Hamilton
Mourão. Mas afirmou que era "grato" ao general "pelo que ele fez na
morte do meu neto [defender que ele fosse ao velório], ao contrário do
filho do Bolsonaro [Eduardo]", que afirmou no Twitter que Lula queria se
vitimar com a morte do menino.
Afirmou que o país tem hoje "o
mais baixo nível de política externa que já vi na vida". E disse, em tom
de brincadeira, que o ex-chanceler de seu governo, Celso Amorim, tem
uma dívida por ter deixado o atual chanceler, Ernesto Araújo, seguir
carreira no Itamaraty.
Questionado sobre Fernando
Henrique Cardoso, disse que o ex-presidente poderia "ter um papel de
grandeza e mais respeitoso com ele mesmo, não comigo". O ex-presidente
falou ainda da necessidade de diálogo entre partidos de esquerda. E
comentou o fato de o senador Cid Gomes (PSB-CE), irmão de Ciro Gomes,
que afirmou em um encontro do PT: "Lula está preso, babaca!".
O
petista disse que não ficou chateado pois está mesmo preso. "Isso é uma
verdade. Só não precisava chamar os outros de babaca", disse, rindo.
Lula
foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de
Guarujá. Ele está preso desde abril de 2018, depois de ter sido
condenado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a segunda
instância da Justiça Federal.Na última terça-feira (23), em decisão
unânime, a Quinta Turma do STJ reduziu a pena do ex-presidente e abriu
caminho para ele saia do regime fechado ainda neste ano. O tribunal
manteve a condenação do petista, mas baixou a pena de 12 anos e 1 mês de
prisão para 8 anos, 10 meses e 20 dias.
O petista já foi
condenado também no caso do sítio de Atibaia (SP) -a 12 anos e 11 meses
pela juíza Gabriela Hardt, na primeira instância em Curitiba, pelos
crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. O caso, porém, ainda passará
pela análise do TRF-4.
O pedido de entrevista com o ex-presidente
passou por um vaivém de decisões judiciais. Em julho de 2018, a juíza
federal Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena de Lula,
barrou a realização da entrevista, afirmando não haver previsão
constitucional que dê ao preso direito de falar com a imprensa.
Após
reclamação ao STF (Supremo Tribunal Federal) feita pela Folha de
S.Paulo, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou em 28 de setembro que a
entrevista fosse realizada em Curitiba. A liminar, porém, foi derrubada
no mesmo dia pelo ministro Luiz Fux, também do Supremo. Ele julgou
pedido do partido Novo, que alegava que o PT apresentava Lula como
candidato à Presidência da República, desinformando os eleitores.
O
petista foi impedido de concorrer na eleição presidencial devido à Lei
da Ficha Limpa, que barra candidaturas de condenados em segunda
instância, e acabou substituído por Fernando Haddad, também do PT.
Ao
suspender a entrevista, Fux determinou ainda que, caso já tivesse sido
realizada, sua divulgação estaria censurada. A liminar de Fux foi
revogada no último dia 18 pelo presidente do STF, ministro
Dias Toffoli.Já nesta quinta-feira (25), véspera da entrevista, a
Polícia Federal tentou modificar a decisão do STF, permitindo que
jornalistas de outros veículos assistissem à entrevista, conduzida
pela Folha de S.Paulo e pelo jornal El País, autores da ação judicial no
Supremo.
Lewandowski, no entanto, barrou a presença de
jornalistas que não sejam da Folha de S.Paulo e do El País e considerou a
iniciativa da PF uma "franca extrapolação dos limites da autorização
judicial em questão".
A entrevista é assinada por Mônica Bergamo, Marelene Bergamo e Victor Parolin
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