'Tenho obsessão para desmascarar Sergio Moro', diz o ex presidente Lula na prisão
Lula também afirmou que, sob atual gestão Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil está sendo governado por "um bando de maluco"
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© Isaac Amorim/MJSP
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O
ex-presidente Lula afirmou nesta sexta-feira (26), em entrevista
exclusiva concedida à Folha de S.Paulo e ao jornal El País, ter obsessão
para "desmascarar" o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro,
responsável por sua condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP).
"Eu tenho uma obsessão", afirmou.
"Porque eu tenho certeza, o Moro tem certeza [da inocência dele]. Se as
pessoas não confessarem agora, no dia da extrema unção vão confessar.
Ele [Moro] tem certeza que eu sou inocente."
Lula também afirmou que, sob atual gestão Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil está sendo governado por "um bando de maluco".
Após
uma batalha judicial na qual a entrevista chegou a ser censurada pelo
STF (Supremo Tribunal Federal), decisão revista na semana passada pelo
presidente da corte, Dias Toffoli, o petista recebeu os dois veículos,
em uma sala preparada pela Polícia Federal na sede do órgão em Curitiba,
onde está preso desde abril do ano passado.
Ele entrou na sala
pouco depois das 10h para a entrevista que durou duas horas e dez
minutos. Antes de ela começar, os jornalistas perguntaram como Lula
estava. " Não tão bem quanto vocês, mas estou indo aqui", respondeu.
Veja
trechos da primeira parte da entrevista, na qual Lula também disse que
economizou R$ 1,2 trilhão de reservas sem prejudicar nenhum aposentado.
A gente queria começar falando sobre a prisão do senhor. O que passou por sua cabeça quando estava sendo preso?
Durante
todo o processo, eu sempre tive certeza, [pelos] discursos da Lava
Jato, de que [a operação] tinha um objetivo central, que era chegar em
mim. Aliás uma jornalista importante, amiga nossa, escreveu um artigo em
que dizia: o que eles querem é o Lula. E isso foi ficando patente em
todos os depoimentos.
A imprensa
retratava: prenderam fulano. Vai chegar no Lula. Prenderam fulano. Vai
chegar no Lula. E muita gente que era presa, a primeira pergunta que
faziam [para a pessoa] era: "Você é amigo do Lula? Você conhece o
Lula?".
A imprensa retratava, as pessoas contavam, advogado
conversava com advogado. E foi ficando patente que o objetivo era
chegar em mim. Tinha companheiros no PT que não gostava quando eu dizia
isso. "Eles vão chegar em mim e depois vão caminhar para criminalizar o
PT."
Muita gente achava que eu deveria sair do Brasil, ir para uma
embaixada, que eu deveria fugir. E eu tomei como decisão que o meu
lugar é aqui [no Brasil].
Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o
[ex-juiz e ministro Sergio] Moro, de desmascarar o [procurador Deltan]
Dallagnol e a sua turma, e desmascarar aqueles que me condenaram, que eu
ficarei preso cem anos, mas eu não trocarei a minha dignidade pela
minha liberdade.
Eu quero provar a farsa montada. Montada aqui
dentro, montada no Departamento de Justiça dos EUA, com depoimento de
procuradores, com filme gravado, e agora mais agravado com a criação da
fundação Criança Esperança do Dallagnol, pegando R$ 2,5 bilhões da
Petrobras para criar uma fundação para ele.
Eu tenho uma obsessão.
Você sabe que eu não tenho ódio, não guardo mágoa porque, na minha
idade, quando a gente fica com ódio a gente morre antes.
Então
como eu quero viver até os 120 anos, porque eu acho que sou um ser
humano que nasceu para ir até 120 [anos], eu vou trabalhar muito para
provar a minha inocência e a farsa que foi montada.
Por isso eu
vim para cá com muita tranquilidade. Havia uma briga no sindicato aquele
dia [da prisão, em abril de 2018], entre os que queriam que eu viesse e
os que queriam que eu não viesse [para a prisão].
E eu tomei a
decisão. Eu falei "olha, eu vou". Eu vou lá. Eu não vou esperar que eles
venham até mim. Eu vou até eles porque eu quero ficar preso perto do
Moro. O Moro saiu daqui [de Curitiba]. Mas eu quero ficar preso. Porque
eu tenho que provar a minha inocência.
O senhor, concretamente, é um fato, pode ser que fique aqui para sempre. O senhor mesmo assim acha que tomou a decisão correta?
Tomaria outra vez.
O senhor já pensou que pode ficar aqui para sempre?
Não
tem problema. Eu tenho certeza que eu durmo todo dia com a minha
consciência tranquila. Eu tenho certeza que o Dallagnol não dorme, que o
Moro não dorme. E aqueles juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal),
que nem leram a sentença? Fizeram um acordo lá [entre eles]. Era melhor
que um só tivesse lido e falado "olha, todo mundo aqui vota igual".
Então,
sinceramente, quem tem 73 anos de idade, quem construiu a vida que eu
construí nesse país, quem estabeleceu as relações que eu estabeleci
nesse país, quem fez o governo que eu fiz nesse país, quem recuperou a
auto estima e o orgulho do povo brasileiro como eu e vocês fizemos no
meu período de governo, não vou me entregar.
Então eles sabem que
eles têm aqui um pernambucano teimoso. É o que eu digo sempre. Quem
nasceu em Pernambuco e não morreu de fome até os 5 anos de idade, não se
curva mais a nada.
Você pensa que eu não gostaria de estar em
casa? Adoraria estar em casa com a minha mulher, com os meus filhos, os
meus netos, os meus companheiros. Mas não faço nenhuma questão. Porque
eu quero sair daqui com a cabeça erguida como eu entrei. Inocente. E eu
só posso fazer isso se eu tiver coragem e lutar por isso.
Com a decisão da Justiça de que a OAS devolva o dinheiro do apartamento de dona Marisa, o senhor acredita em sua absolvição?
Por
incrível que pareça, eu acredito. Eu ainda continuo com a cabeça de
Lulinha paz e amor. Eu acredito na construção de um mundo melhor, de um
mundo de Justiça.
Eu penso que haverá um dia em que as pessoas que
irão me julgar estarão preocupadas com os autos do processo, com as
provas, e não com a manchete do Jornal Nacional, com a capa das
revistas, com fake news.
As pessoas se comportarão como juízes
supremos, de uma corte [o STF] [da qual] não podemos recorrer. E que já
tomou decisões muito importantes.
Essa corte, por exemplo, votou
[a liberação de pesquisas com] células-tronco contra uma boa parte da
Igreja Católica. Já votou a questão [da demarcação da área indígena de]
Raposa Serra do Sol contra os poderosos do arroz no estado de Roraima.
Essa mesma corte votou a união civil [de homossexuais] contra todo o
preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros
pudessem entrar [nas universidades]. Ela já demonstrou que teve coragem e
se comportou.
Ora, no meu caso a única coisa que eu quero é que
votem com relação aos autos do processo. Eu não peço favor de ninguém,
eu não quero favor de ninguém. Eu só quero que as pessoas, pelo amor de
Deus, julguem em função das provas.
Porque eu tenho certeza, o
Moro tem certeza [de sua inocência]. Se as pessoas não confessarem
agora, no dia da extrema unção vão confessar. Ele tem certeza que eu sou
inocente. Esse Dallagnol tem certeza de que ele é mentiroso. E mentiu a
meu respeito. Então eu tô aqui, meu caro, para procurar justiça, para
provar inocência. Mas estou muito mais preocupado com o que está
acontecendo com o povo brasileiro. Porque eu posso brigar e o povo nem
sempre pode.
O
senhor, durante esse um ano, passou por dois momentos de muita
tristeza, que foi a morte do seu irmão e depois a morte do seu neto
Artur. O que, para o senhor, depois de viver isso, fica da vida?
Esses
dois momentos foram os mais graves. Eu poderia incluir a perda de um
companheiro como o [ex-deputado] Sigmaringa Seixas, que era meu
companheiro de dezenas e dezenas de anos. A morte do meu irmão Vavá... O
Vavá era como se fosse um pai da família toda. E a morte do meu neto é
uma coisa que efetivamente não, não... [chora].
Eu às vezes penso
que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Eu já vivi 73 anos,
poderia morrer e deixar o meu neto viver. Mas não são apenas esses
momentos que deixam a gente triste.
Eu tento ser alegre e
trabalhar muito a questão do ódio. Eu trabalho muito para vencer a
questão do ódio. A questão da mágoa profunda.
Quando eu vejo essa
gente que me condenou na televisão, sabendo que são mentirosos, sabendo
que forjaram uma história... Aquela história do power point do
Dallagnol, nem o bisneto dele vai acreditar naquilo. Nesse messianismo
ignorante.
Então
eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. Mas o que me mantém vivo, e é
isso o que eles têm que saber, eu tenho compromisso com esse país.
Eu
tenho compromisso com esse povo. E eu estou vendo a obsessão que está
acontecendo agora. De destruir a soberania nacional. De destruir
empregos. De juntar R$ 1 trilhão, para que? Às custas dos aposentados?
Se
eles lessem alguma coisa, se eles conversassem, eles saberiam que esse
cidadão aqui, analfabeto, com um curso de torneiro mecânico, juntou R$
370 bilhões e dólares de reservas, que a R$ 4 o dólar dá mais de R$ 1,2
trilhão, sem causar nenhum prejuízo a nenhum brasileiro.
Então, se
eles querem economizar R$ 1 trilhão tem uma fórmula secreta: coloque o
povo no orçamento da União. Gere emprego. Gere crédito para as pessoas.
Ah,
o povo tá devendo? Tire todo o penduricalho da dívida do povo e ele
paga apenas o principal no banco e você vai perceber que as pessoas
voltam a comprar. Um país que não gera emprego, não gera salário, não
gera consumo, não gera renda, quer pegar do aposentado e do velhinho R$ 1
trilhão? O Guedes precisava criar vergonha.
Onde ele fez esse
curso de economia dele? Se ele quiser me visitar aqui, eu discuto com
ele esse problema dos pobres sem causar prejuízo aos pobres. Por que ele
não mostra os privilegiados [de quem] eles falam que vão acabar com os
privilégios? Coloca a lista no jornal de dez privilegiados. Coloca o
nome CPF. Não.
É o coitado que vai ter que trabalhar até 65 anos,
que vai ter que contribuir 40 anos [para se aposentar]. Ele não percebe
que muita gente morre sem chegar a essa idade. Lamento profundamente o
desastre que está acontecendo nesse país. E é por isso que eu me
mantenho em pé.
O texto é da jornalista Mônica Bergamo
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