Há 34 anos, morria Tancredo Neves, o fundador da “Nova República”, que havia sido eleito presidente da República
No
dia 21 de abril de 1985, às 22h23min, no Instituto do Coração, em São
Paulo, após uma longa agonia, faleceu Tancredo de Almeida Neves, que
havia sido eleito presidente da República por via indireta no colégio
eleitoral, em 15 de janeiro, derrotando Paulo Maluf, o candidato do PDS,
partido de sustentação da ditadura militar. Tancredo havia renunciado
ao governo de Minas Gerais, que conquistou nas urnas em 1982, para
concorrer pelo PMDB ao Planalto. Atraiu dissidentes do PDS e com eles
formou a Aliança Democrática, tendo como vice o então senador José
Sarney, que era presidente nacional da legenda governista.
Foi uma verdadeira “via crúcis” a doença do presidente eleito
Tancredo Neves, submetido a várias internações e a intervenções
cirúrgicas em meio a boletins médicos com versões contraditórias que
confundiam a opinião pública. Os boletins eram lidos pelo jornalista
Antônio Brito, assessor de imprensa e porta-voz de Tancredo, ele próprio
angustiado profundamente com a bateria de exames que os médicos
impunham ao paciente ilustre. O esquife com o corpo do presidente eleito
percorreu avenidas de São Paulo e foi velado em Brasília, Belo
Horizonte e São João Del Rey, sua terra natal. Em cada cidade, multidões
silenciosas se despediram daquele que simbolizava a esperança do povo
brasileiro, tão sensivelmente sintetizada na palavra de ordem que guiou a
campanha tancredista: “Muda Brasil”.
Pela versão dos médicos, Tancredo fora acometido inicialmente do
“divertículo de Meckel”, na verdade um tumor que provocou fortes dores. A
partir da divulgação dessa versão, praticamente todos os médicos que
assistiam ao presidente enfermo acabaram envolvidos numa teia de
mentiras, falsidades, disfarces e camuflagens destinada a apresentar com
tintas róseas um horizonte na verdade carregado de sombras, como define
o jornalista Augusto Nunes, um dos biógrafos do ex-presidente. Os
médicos compreendiam que a situação era difícil e conversavam sobre isso
entre si, mas o restante do país recebeu um tratamento diferenciado – e
falso. Eles haviam concluído que se usassem a palavra “tumor”, o pânico
se espalharia entre os brasileiros. Era recomendável, portanto,
utilizar expressões mais brandas, acrescenta Augusto Nunes.
O presidente e sua esposa, dona Risoleta, chegaram a posar com os
médicos numa sala próxima à UTI do Hospital de Basede Brasília, para
onde ele foi levado inicialmente ao sentir-se mal durante a missa que
integrava a programação de sua posse. No dia 26 de março, Tancredo foi
desembarcado em São Paulo para ser internado no Instituto do Coração, o
mais moderno estabelecimento clínico do país. Nesse mesmo dia, foi
submetido a uma terceira operação que durou mais de cinco horas. A
eleição de Tancredo em janeiro – que, segundo ele, seria a última
eleição indireta no Brasil, criou expectativas otimistas junto a
segmentos da sociedade quanto à restauração democrática, vencidos 21
anos de regime militar. A candidatura de Tancredo foi absorvida
naturalmente após a derrota da emenda Dante de Oliveira, que previa a
restauração das eleições diretas-já, no plenário da Câmara Federal.
Depois de 15 de janeiro, enquanto se dedicava à complicada montagem
de um ministério formado por representantes de várias correntes,
distintas política e ideologicamente, o presidente eleito foi desenhando
aos poucos o seu programa de governo. Preocupava-o, especialmente, o
combate à inflação. Ele repetia que a inflação traduzia a manifestação
mais clara de desordem na economia nacional. “Não cairemos no erro
grosseiro de recorrer à recessão como instrumento deflacionário. Ao
contrário: vamos promover a retomada do crescimento, estimulando o risco
empresarial e eliminando gradativamente as hipertrofias do egoísmo e da
ganância”, salientou Tancredo. Sobre a dívida externa, Tancredo tinha
pontos devista diferentes dos que seriam adotados pelo governo José
Sarney. Pregava que a dívida externa deveria ser honrada e anunciava ser
contra a moratória unilateral. Defendia, igualmente, o fim da
ingerência do governo nas atividades sindicais.
Uma das marcas mais fortes da Nova República, de acordo com Tancredo,
seria a austeridade. “Quem quiser comer bem, beber bem, que o faça à
sua custa”, exclamou, antecipando o fim das mordomias. E arrematava:
“Ninguém vai ter mais casa de graça”. O primeiro discurso ao ministério,
concebido por Tancredo, acabou sendo lido por Sarney. À certa altura,
Tancredo enxertou uma expressão que tinha caráter de ordem: “É proibido
gastar”. Mas, segundo Augusto Nunes, o sonho de austeridade começou a
desvanecer-se na noite de 14 de março, quando o paciente Tancredo de
Almeida Neves foi internado no Hospital de Base de Brasília. O
agravamento da moléstia que o afligia já há tempos surpreendeu Tancredo
quando o presidente eleito estava alojado na Granja do Riacho Fundo,
colocada à sua disposição pelo presidente João Figueiredo, o último
presidente da era militar instaurada em março de 1964.
Tancredo foi acometido, nos momentos finais, de septicemia
generalizada e de infecção hospitalar. Sua vitória no colégio eleitoral
chegou a provocar reações de grupos de direita e de militares da linha
dura que não aceitavam o resultado do embate. As resistências foram
vencidas, inclusive, com apoio militar e devido à firmeza de Tancredo.
Depois de eleito, sua primeira providência foi fazer um giro diplomático
por vários países, apresentando-se como novo presidente do Brasil. Foi
uma estratégia calculada de Tancredo para deter bolsões de resistência à
sua eleição e de ameaça à democracia. Com sua morte, José Sarney foi
investido na presidência da República. Mas o general Figueiredo saiu
pelos fundos do Palácio do Planalto para não passar o cargo nem a faixa
presidencial a Sarney.
Nonato Guedes - Publicado por Lenilson Guedes
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