Bairro de classe média, que fica a 6 km do centro de Maceió, está há 1 ano sob o risco de tremores
Dezenas de moradores abandonaram as casas, com receio de um novo tremor no Jardim das Acácias

© Pixabay
Às 14h30 de 3 de março de
2018, a professora Soraya Christina Omena, de 45 anos, se sentou no sofá
da sala para ver TV com o marido. O apartamento fica no Jardim das
Acácias - um conjunto de 23 blocos de edifícios de três pisos no coração
do Pinheiro, bairro de classe média a 6 km do centro de Maceió. Poucos
minutos depois, a professora sentiu o chão tremer.
"Foi uma sensação horrível", relembra ela. Os moradores
descerem para a rua, onde dezenas de outras pessoas estavam, sem
entender o que acontecia. Em muitos prédios, o abalo provocou fissuras.
Na Alameda São Benedito, uma das vias principais, houve rachaduras e
buracos. Ninguém - nem os técnicos da Defesa Civil nem os bombeiros -
sabia explicar o que aconteceu. Até hoje, há mais dúvidas do que
certeza.
Dezenas de moradores abandonaram as casas, com receio de
um novo tremor. Soraya tentou conviver com as rachaduras e o medo até
janeiro, quando se mudou. Trocou as filhas de escola e deixou para trás
os alunos do reforço, que usava para complementar a renda. "Foi uma
mudança brusca, mas não dava mais para ficar", lamenta.
O
Pinheiro tem pouco mais de 19 mil habitantes. Segundo a Defesa Civil de
Maceió, as fissuras provocadas pelo tremor chegam a 1,5 km de extensão e
afetam cerca de 2.480 moradias - 777 delas já desocupadas. A prefeitura
instituiu um aluguel social. "A partir da avaliação dos técnicos da
Defesa Civil de Maceió, a orientação é para que as famílias busquem
outro local", disse a Prefeitura, em nota.
No dia 26, a Defesa
Civil informou que 508 famílias foram cadastradas para ajuda
humanitária, com auxílio-moradia de R$ 1 mil mensais por um semestre. Do
total, 195 famílias já tiveram o valor liberado, enquanto outras 125
aguardam pendências burocráticas. "As demais famílias tiveram seus
cadastros enviados ao governo federal para análise", disse o coordenador
da Defesa Civil, Dinário Lemos.
Abandono
Só
que quem ficou ali ainda se sente abandonado pelo poder público.
Revoltados, muitos moradores chegaram a realizar protestos para cobrar
um posicionamento das autoridades. Em novembro, criaram o movimento SOS
Pinheiro, que tem como objetivo assegurar os direitos da vizinhança.
Segundo
Geraldo Vasconcelos de Castro Junior, um dos coordenadores desse
movimento, houve muita demora das autoridades em dar uma resposta.
"Em
fevereiro do ano passado, profissionais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte chegaram a fazer estudos. Em julho, divulgou-se o
primeiro relatório", disse, destacando que depois nada avançou. Segundo
ele, somente no dia 28 de dezembro o governo federal reconheceu a
situação de emergência do bairro, depois de o prefeito de Maceió, Rui
Palmeira (PSDB), publicar portaria com essa solicitação no Diário
Oficial do Município. No começo do ano, o presidente Jair Bolsonaro
classificou a situação como preocupante.
Causas
Ao
chegar ao bairro, ainda no ano passado, profissionais do Serviço
Geológico do Brasil (CPRM) se depararam com uma situação complexa e,
após análises, trabalham com quatro situações: características
geotécnicas do solo e ocupação do bairro; presença de cavidades e
cavernas em profundezas por causas naturais ou ações humanas; processo
de captura de água subterrânea; e falhas geológicas.
E pode haver
mais de um fator. "Não há saneamento básico e a drenagem é de 40 a 50
anos atrás, insuficiente para a urbanização. Também existia mineração
periurbana e há cavidades construídas que foram fechadas sob pressão.
Tem fraturas e falhas geológicas, existe movimento, mas não sabemos as
causas", explica Thales Sampaio, assessor da diretoria do Serviço
Geológico.
Jorge Torres, assessor técnico da Companhia de
Saneamento de Alagoas diz que a companhia "nunca realizou captação de
águas subterrâneas por meio de poços profundos".
A exploração do
salgema, para a produção de cloro e soda, que foi feita ali pela empresa
Braskem, também é uma hipótese investigada sobre o afundamento do
bairro. Em nota, a empresa destaca que "não tem" poços em atividade na
área e está oferecendo apoio e realizando estudos complementares para
ajudar a descobrir as causas das rachaduras. No total, segundo a
empresa, são sete poços inativos.
O Serviço Geológico definiu as
regiões de maior risco do bairro por cores: vermelho, laranja e amarela,
sendo a primeira a mais arriscada. Residindo hoje na área considerada
de maior risco do bairro, Eduardo Araújo não se vê morando em outra
região da cidade.
Acredita
que tudo o que está acontecendo em relação ao Pinheiro é, na verdade,
um grande espetáculo. "A começar pelo treinamento de evacuação
(realizado em fevereiro) onde nenhum profissional envolvido se mostrou
preparado para a tragédia que anunciam", critica. Procurada, a Defesa
Civil informou que o simulado, com 10 mil pessoas, atendeu ao que era
planejado.
Monitoria
Seis estações da Rede
Sismográfica Brasileira e 53 profissionais do Serviço Geológico do
Brasil trabalham ali. Conforme o órgão, a expectativa é de que as causas
sejam conhecidas até maio ou junho.
"Só vamos embora do Pinheiro
quando identificarmos a causa ou causas desse fenômeno. É o nosso
compromisso", afirma Antônio Carlos Bacelar, diretor de Hidrologia e
Gestão Territorial do Serviço Geológico. "Estamos avançando nos estudos,
mas ainda é prematuro apontar um diagnóstico conclusivo", diz Bacelar.
Entrevista
Quatro
perguntas para Francisco Pinheiro Lima Filho, geólogo e professor
Titular do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN)
1 - Qual trabalho foi realizado pelos especialistas da UFRN no local?
Inicialmente,
nos inteiramos dos relatórios, vimos in loco os problemas apontados
pela Defesa Civil e fizemos investigações geológicas e geofísicas
buscando, principalmente, responder algumas questões levantadas no
primeiro relatório da CPRM. Particularmente, fomos instados a nos
pronunciar sobre as possíveis causas do sismo e das fraturas que
ocorreram no bairro do Pinheiro e realizar um levantamento com o método
GPR (Georadar), em alguns locais previamente sugeridos, para investigar a
presença de "estruturas antrópicas" (dutos para água) e/ou de
"horizontes endurecidos". Levantamos aproximadamente 4.300 metros de
linhas geofísicas em ruas onde havia mais fraturas e verificamos que
nenhuma das feições acima citadas foram identificadas, consideradas como
possíveis causas das fraturas.
2 - O que já foi apurado sobre o problema?
Somente
foram levantadas algumas possibilidades. Este é um problema complexo do
ponto de visto técnico, político e social e que admite mais de uma
causa.
3 - Esse tipo de fenômeno é comum?
A
presença de fraturas é bastante comum nas rochas. Entretanto,
normalmente, não são ativas e não causam danos nas construções. O
constante surgimento de novas fraturas e o crescimento de fraturas já
existentes sugere que há um movimento vertical das camadas (colapso). A
determinação de sua origem e o dimensionamento da sua capacidade
potencial para deslocar as camadas no subsolo são as chaves que
determinarão o real risco para os moradores e para a infraestrutura do
bairro.
4 - O senhor já tinha atuado em situação semelhante?
Não. No Brasil, foi a primeira vez. Entretanto, não creio que tenha acontecido aqui um fenômeno semelhante a este.
Brasil ao Minuto
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