Registro fotográfico: 301 novas espécies são descobertas em quatro anos na Amazônia
A lista também encanta pela diversidade da Amazônia
© Nacho Doce/Reuters
Era o penúltimo dia
de uma expedição de 15 dias pela região entre os Rios Roosevelt,
Guariba e Aripuanã, na fronteira entre os Estados do Amazonas e Mato
Grosso, quando um grupo de macaquinhos com longa cauda avermelhada
resolveu aparecer para as lentes do fotógrafo Adriano Gambarini. Era
2013, a espécie tinha sido vista pela primeira vez em 2010, mas faltava
um registro fotográfico do primata e mais detalhes sobre ele.
Apelidados de zogue-zogue rabo de fogo, os animais comiam
frutas de ingá, embaúba e cacauí. A expedição, organizada pelo
WWF-Brasil, havia conseguido chegar até eles pela vocalização que fazem
em campo, especialmente pela manhã e na estação chuvosa. Estava claro
para o grupo - encabeçado pelo pesquisador Julio César Dalponte, o
primeiro a ver o bicho ainda em 2010 - que se tratava de uma nova
espécie.
A
descrição, porém, só viria em 2014, num trabalho ao qual se juntou o
pesquisador José de Sousa e Silva Júnior, o Cazuza, do Museu Paraense
Emílio Goeldi. Inicialmente batizado como Callicebus miltoni, foi depois
renomeado para o gênero Plecturocebus, para diferenciar do gênero
Callicebus, específico para os macacos desse tipo que ocorrem na Mata
Atlântica.
O rabo de fogo foi descrito dentro de um mega esforço
de identificação de espécies promovido pelo Goeldi e que acrescentou, em
apenas quatro anos (de 2014 a 2018), 301 novas espécies para a ciência.
O balanço, que será divulgado nesta semana, foi passado com
exclusividade para o jornal O Estado de São Paulo.
A realização de
mais estudos de campo, aliados ao desenvolvimento de tecnologias de
informática e de análise de laboratório foram fundamentais para o rápido
avanço. Desde o início do século, o museu identificou 587 espécies -
mais da metade só nos últimos quatro anos. Entre os achados, a maior
parte (183) é de invertebrados - com destaque para os aracnídeos (141).
Há também 20 peixes, 18 anfíbios, 14 répteis e 3 mamíferos, 5 fungos e
58 plantas.
'Muitas espécies podem estar desaparecendo antes mesmo de serem conhecidas'
"O
número impressiona, mas a verdade é que a Amazônia ainda é muito
desconhecida, e é importante conhecê-la o mais rápido possível, porque a
região está sofrendo com uma rápida dinâmica de desmatamento e muitas
espécies podem estar desaparecendo antes mesmo de serem conhecidas",
afirma Ana Albernaz, diretora do museu. "Saber isso contribui para
políticas públicas que possam minimizar as perdas, como a criação de
unidades de conservação."
Foi quase o que aconteceu com um outro
tipo de macaco zogue-zogue. A espécie intrigava Cazuza pelo menos desde
1995, quando ele coletou um exemplar em Alta Floresta, no norte de Mato
Grosso. "Eu percebia que era diferente de outros animais, mas era sutil,
não muito convincente", conta. Só quando outros pesquisadores
encontraram mais exemplares e foi feita uma investigação genética, além
da morfológica, que se concluiu que se tratava de uma nova espécie.
Quando
a descrição do Plecturocebus grovesi foi, enfim, publicada, no final do
ano passado, já foi acompanhada de uma previsão dramática. Se a região
de Alta Floresta continuar sofrendo com os índices de desmatamento dos
últimos anos, até 2042 poderá ocorrer uma perda de 86% do hábitat do
animal. "A distribuição da espécie ficará fragmentada e extremamente
reduzida, com alta possibilidade de inviabilizar a manutenção das
populações na natureza", explica o pesquisador.
A lista também
encanta pela diversidade da Amazônia. É o caso das aranhas que se
parecem com formigas, como a Myrmecium nogueirai. "É uma vantagem
evolutiva, uma vez que as formigas tem poucos predadores. Além disso, as
formigas são muito numerosas, então, alguém parecido com elas se
mistura na multidão e tem menos chance de ser predado", conta o biólogo
do Goeldi Alexandre Bonaldo.
Ao
longo dos últimos quatro anos, o gênero dessa espécie foi revisto e
passou a incluir 38 espécies, sendo 28 delas propostas como novas para a
ciência.
Segundo o pesquisador, o grupo dos aracnídeos foi o que
mais teve descobertas por causa da participação do Brasil em um projeto
internacional realizado entre 2008 e 2014 que teve como objetivo
investigar a família Oonopidae em todo o planeta e envolveu cientistas
dos Estados Unidos, da Europa, da África do Sul, da China, da Austrália,
da Argentina e do Brasil.
"O projeto trouxe tecnologias da
chamada cybertaxonomy para acelerar a descrição das espécies e torná-las
comparáveis em todo o globo. Uma plataforma web, com tecnologias de
geração de descrições automáticas, nos permitiu descrever aranhas
sul-americanas em moldes comparáveis com as que estavam sendo descritas
na China, por exemplo", explica. Até 2008, quando projeto começou, 500
espécies tinham sido descobertas em 200 anos. No final, já havia mais de
3000 espécies conhecidas da família. Mesmo após concluído, as
tecnologias adotadas na plataforma continuaram sendo usadas em mestrados
e doutorados orientados por Bonaldo.
Espécies homenageiam primatologistas
Os dois novos macacos descritos na lista do Goeldi fazem homenagens a
grandes primatologistas. O Plecturocebus miltoni é uma honra ao
professor Milton Thiago de Mello, da Universidade de Brasília,
responsável pela formação da maioria dos primatólogos na ativa. Aos 103
anos, ele continua participando de eventos científicos. O P. grovesi
lembra o inglês Colin Groves, morto no ano passado, responsável por
compilações e atualizações sobre taxonomia de primatas. E Cazuza também
já viu seu nome em uma espécie. Ele faz parte da coleção do Goeldi, mas
foi descrito por uma americana, por isso não compõe a lista do museu.
Brasil ao Minuto com informações do jornal O Estado de S. Paulo
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