Fotógrafo de Brasília gera polêmica ao convidar voluntárias para fotografar suas vaginas
Post da discórdia: Foto do quadril de uma mulher usando apenas calcinha e a frase "tire essa vergonha e vamos conversar" |
Em poucas horas, uma enxurrada
de críticas tomou conta da sua timeline. “Começou com alguns
comentários. Deletei uma meia dúzia, os mais agressivos e, da noite pro
dia, havia mais de dois mil comentários. Num primeiro momento fui muito
agredido”, relembra Kazuo, que, a pedido de Universa,
falou publicamente sobre o episódio pela primeira vez: “Não sou
feminista, mas sou um apoiador das causas feministas. Fiquei triste com
tudo isso”.
Kazuo
Okubo é um nome bastante conhecido no meio da fotografia, com pelo
menos 30 anos de carreira em Brasília. Trabalha no mercado publicitário,
mas também faz projetos autorais, muitos deles retratando a nudez.
Estima já ter fotografado pelo menos 400 pessoas nuas.
Do
outro lado da tela, a braziliense Luísa Dalé, de 28 anos, era uma entre
centenas de pessoas incomodadas com a proposta. “Não é possível que não
enxergue o quanto isso é ofensivo. É perpetuar aquele pensamento de que
o nosso corpo ou a nossa genitália possam ser colocados em um
inventário e expostos na parede” criticou. Luísa integra o Mulheres do
Audiovisual do Distrito Federal, grupo que reúne cerca de 250
profissionais do sexo feminino que atuam neste mercado apenas na capital
federal.
Sem crítica ou diversidade
A maior parte
dos comentários negativos acusa o autor de objetificar o corpo da mulher
reduzindo sua representação ao mais íntimo detalhe da sua anatomia, sem
expor sua identidade, opinião ou história. “Não há nada original nesse
projeto, ele não propõe diversidade, não propõe crítica. Kazuo não é um
fotógrafo conhecido como crítico pra fazer um inventário de xoxota e
dizer que isso é arte”, continua Luiza.
A
reação negativa nas redes surpreendeu Kazuo, que se deparou pela
primeira vez com a força das pautas feministas nas redes sociais. O
fotógrafo admite ter cometido “uma sucessão de pequenos erros”, a
começar pelos termos do convite, criado por uma redatora publicitária
que ele contratou.
“Uma das críticas que recebi foi a questão do
lugar de fala. De fato não tenho autoridade, não tenho uma vagina. Mas a
arte é livre, independe do gênero. Poderá acontecer de eu fotografar
pintos, não tenho essa fixação no feminino. A minha intenção jamais foi
agredi-las. Já expus na SP Arte, em museus, galerias. Nunca ninguém
havia me criticado por isso. Talvez pela forma como abordo, pela
delicadeza”, ponderou Kazuo.
Dias depois circulou pelas redes sociais uma extensa carta de repúdio assinada por nove coletivos de fotógrafas e profissionais do meio audiovisual. Juntos, os grupos representam centenas de mulheres de todo o país.
O
texto fala sobre como o machismo estrutural prejudica as mulheres
duplamente ao jogar um véu de invisibilidade sobre elas, sejam as que
trabalham na produção de imagens, sejam as que são retratadas nessas
imagens. “Não conheço o Kazuo a fundo, mas você olha trabalhos
anteriores e ele usa o corpo da mulher como ilustração, como objeto. E
são sempre corpos bonitos, há um padrão ali” analisa Marizilda Cruppe,
fotógrafa e integrante do YVY Mulheres da Imagem.
Lugar da mulher x Feminismo
Uma
das principais e mais respeitadas curadoras de artes visuais do país,
Rosely Nakagawa está no projeto e comentou a polêmica pela primeira vez.
Para Rosely, a representação do corpo da mulher sob a ótica do desejo
do homem, no caso da arte, não é em si um problema, pois se diferencia
da exploração feita pela publicidade, por exemplo.
“As
gerações que hoje proclamam o feminismo estão confundindo um pouco o
lugar da mulher com feminismo. Essa polarização é muito nociva à
sociedade e cultura brasileiras, pois ajudam mais a confundir do que a
difundir um conceito de igualdade. Igualdade entre gêneros começa pelo
respeito ao outro, ao diferente e não reforça a negação do outro do
diferente, do que não pensa ou não vive como eu. Estamos discutindo o
fazer artístico, acima de tudo, e inclusive. Cheguei a ouvir que somente
a mulher é capaz de retratar a nudez de outra mulher”, analisa Rosely.
Imagem: Arquivo Pessoal
"Comecei a me libertar mais"
Uma
das primeiras voluntárias a se inscrever no projeto, Camila RIbeiro, de
21 anos, considera a nudez libertária. Há cerca de dois anos ela
participou de uma performance que reuniu 115 pessoas fotografadas nuas
para as lentes de Kazuo no Museu da República de Brasília.”Depois dessa
experiência comecei a me libertar mais. Sentia muita vergonha do meu
corpo e isso me ajudou. Acho que as mulheres precisam de um olhar
diferente sobre elas mesmas. A autoestima pra nós é um processo
complicado e uma construção diária”, analisa.
É o que pensa também
Didi Ribeiro, de 47 anos. Apesar de ter ficado incomodada com os
ataques, ela entende que as mulheres precisam ser ouvidas em suas
reivindicações e acha que o episódio foi um bom aprendizado para o amigo
fotógrafo. Mas discorda das críticas. “Não acho que seja degradante, é
político mostrar o meu corpo do jeito que eu quero. Podem achar que sou
maluca me expondo, mas eu vejo como empoderamento. Uma obra quando é
arte não precisa ser explicada nem posicionada”, conclui.
Apoio financeiro
Em
nota, a secretaria de cultura do Distrito Federal, responsável
pelo Fundo de Apoio à Cultura (de quem Kazuo recebeu R$ 119 mil para a
realização das fotos, de uma exposição em Brasília e em outras duas
cidades, além de um livro), informou que na mesma linha de apoio que
selecionou O Inventário outros três projetos foram contemplados, todos
de proponentes mulheres. O processo de seleção é feito por pareceristas
credenciados e mantidos em um banco de dados. “Os conselheiros do
Conselho de Cultura do DF indicam nomes, a partir desse banco, para que
seja realizada analise e a emissão de parecer técnico de cada projeto.
Por meio de fichas de análise de pontuação com diversos itens técnicos e
artísticos, comissões formadas por esses pareceristas debatem para que
se alcance consenso a respeito do mérito cultural de cada projeto. No
caso específico da comissão que julgou os projetos da linha em que ‘O
Inventário’ concorreu, foi composta por um parecerista homem e duas
mulheres”
O projeto segue em frente, porém com algumas mudanças:
vai aumentar as contrapartidas para as voluntárias. Antes receberiam o
catálogo da exposição, hoje ganham um ensaio com o fotógrafo.
“Admito
que houve uma sucessão de pequenos erros e os comentários construtivos
foram refletidos e assimilados. A verdade é que o brasileiro é muito
conservador e moralista. Não tenho que pedir permissão pra fazer
fotografia. Peço pra dona e, se ela quiser, está tudo certo.”, conclui
Kazuo.
Fonte: Universa
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