Saiba o que diz a lei e por que o ex-presidente Lula não pôde ir ao velório do irmão
Lula apelou à última instância da Justiça para tentar comparecer à cerimônia fúnebre de Genival Inácio da Silva
© Ueslei Marcelino/Reuters
Detido em Curitiba, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi autorizado a ir ao
velório e enterro do irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá, morto nesta
terça (29).
A defesa ainda tentou reverter a decisão no STF (Supremo
Tribunal Federal), afirmando que esse era um direito humanitário do
preso, e estava previsto "de forma cristalina" na Lei de Execução Penal.
Mas a Justiça Federal do Paraná, bem como o TRF (Tribunal
Regional Federal) da 4ª Região, entendeu que a lei estabelece uma
possibilidade, e não um direito, e considerou que há impossibilidade
logística e riscos à integridade física de Lula e à ordem pública, conforme informou a Polícia Federal.
O enterro aconteceu nesta quarta (30), às 13h, em São Bernardo do Campo (SP).
Leia abaixo os principais argumentos de cada parte.
O que diz a lei
A
Lei de Execução Penal, em seu artigo 120, prevê que condenados que
cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e presos provisórios
"poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta,
quando ocorrer um dos seguintes fatos: falecimento ou doença grave do
cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão".
A saída terá "a duração necessária à sua finalidade", afirma a lei, e deve ser feita mediante escolta policial.
O
texto da lei ainda diz que "a permissão de saída será concedida pelo
diretor do estabelecimento onde se encontra o preso" - no caso de Lula, a
superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A decisão, portanto, é
administrativa.
Mas, na prática, temendo repercussões negativas,
os diretores costumam pedir autorização ou a chancela do judiciário,
explica o advogado criminalista Alessandro Silvério. Por isso, as
defesas peticionam diretamente ao juiz de execução penal, que ouve o
estabelecimento prisional antes de decidir.
A permissão de saída
para velórios e enterros de familiares é concedida de forma cotidiana e
rotineira a presos em todo o país, segundo o advogado Alexandre Salomão,
presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR.
O que decidiu a Justiça Federal
A
juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução penal do
ex-presidente, reconheceu que a lei confere aos presos o direito de
pleitear a permissão de saída, mas que "outorga competência decisória ao
diretor do estabelecimento penal, que poderá [destacou a juíza]
conceder essa autorização".
"Os direitos encontram limitações",
escreveu Lebbos. "Este Juízo não é insensível à natureza do pedido
formulado pela defesa. Todavia, ponderando-se os interesses envolvidos
no quadro apresentado, a par da concreta impossibilidade logística de
proceder-se ao deslocamento, impõe-se a preservação da segurança pública
e da integridade física do próprio preso."
Ela fundamentou sua
decisão em ofício da Polícia Federal, que, administrativamente, negou a
permissão de saída a Lula. Para ela, a Polícia Federal fundamentou "suficiente e
adequadamente a impossibilidade logística" de se fazer o deslocamento
até São Bernardo do Campo.
Quais são os argumentos da Polícia Federal
O
superintendente da Polícia Federal em Curitiba, Luciano Flores, afirmou
ter feito análises de risco e consultado a Diretoria de Inteligência da
PF, bem como a secretaria de Segurança Pública de São Paulo. A
conclusão era que não seria possível promover o deslocamento e escolta de
Lula até São Bernardo do Campo garantindo a integridade do
ex-presidente, bem como a ordem pública.
Entre os problemas
apontados pelo órgão, estavam a ausência de helicópteros que fizessem o
transporte do ex-presidente até São Paulo (já que, segundo a PF, os
helicópteros do órgão que não estão em manutenção estão sendo usados no
resgate de vítimas em Brumadinho), a ausência de policiais militares e
federais disponíveis para "garantir a ordem pública e a incolumidade
tanto do ex-Presidente quanto dos policiais e pessoas ao seu redor" e as
possibilidades de fuga, atentados contra Lula, comprometimento da ordem
pública e protestos contra e a favor do petista.
A possibilidade
de um avião levar o ex-presidente até Congonhas, e de lá até São
Bernardo do Campo, também foi aventada. Mas, segundo a PF, a aeronave
teria que sair de Brasília para buscar Lula em Curitiba. Depois, uma
escolta levaria o preso de carro até o local do velório.
Isso
tomaria no mínimo oito horas, e só poderia ser feito, "por questões de
segurança", a partir da manhã desta quarta (30) -como o enterro está
marcado para as 13h, não haveria tempo hábil para o deslocamento.
Já
o secretário da Segurança de São Paulo, general João Camilo Pires de
Campos, foi "enfático em responder que não haveria condições de se
garantir a incolumidade do ex-presidente e a tranquilidade da cerimônia
fúnebre", segundo informou a superintendência da Polícia Federal em São Paulo.
O que disse o Ministério Público Federal
Em
parecer enviado à Justiça, a Procuradoria considerou que "a permissão
de saída não se confunde com direito do preso", e afirmou que havia um
"insuperável obstáculo técnico" para que se cumprisse o pedido.
"O
custodiado não é um preso comum, e a logística para realizar a sua
escolta depende de um tempo prévio de preparação e planejamento",
afirmaram os procuradores.
O documento ainda mencionou os protestos
contra a decisão judicial que condenou Lula, e diz que "a conduta do
apenado e de seus simpatizantes transcende ao exercício do direito de
expressão, trazendo elevado grau de insegurança quanto ao deslocamento,
fazendo com que se conclua que a saída temporária pretendida não se dará
de forma tranquila, segura, ordeira e pacífica".
A Procuradoria
Regional da República em Porto Alegre reforçou os argumentos ao TRF-4,
dizendo que era "necessário aferir, em cada caso concreto, a presença e
plena garantia das condições de segurança do preso e dos agentes
públicos".
Qual foi a decisão do Tribunal Regional Federal
Em
decisão de segunda instância, o juiz federal Leandro Paulsen, na
madrugada de quarta (30), reforçou que a saída do preso "tem de passar
por juízos de razoabilidade e de proporcionalidade, como qualquer outro
direito ou interesse".
Para ele, a PF fez o possível para
verificar a possibilidade de acolhimento do pedido, mas isso exigiria um
enorme esquema de segurança, com custos ao Estado.
"Não é
aceitável que, para assegurar a um preso o direito de participar do
velório de um parente, se proceda a enormes gastos, mobilizando recursos
materiais e humanos em profusão, da noite para o dia", escreveu o
desembargador.
O que argumentou a defesa de Lula
Os advogados afirmaram que a permissão de saída era um direito humanitário, previsto "de forma cristalina" na Lei de Execução Penal.
Para eles, a negativa desse direito é um constrangimento ilegal a Lula.
A
defesa ainda fundamentou o pedido na proteção constitucional dada à
família, e disse que a Constituição reconhece a dignidade do preso
enquanto pessoa humana, com tratamento isonômico, comunicação com o
mundo exterior e manifestação de pensamento.
Os advogados
lembraram que, mesmo na ditadura militar, quando ficou preso após
liderar uma greve, Lula recebeu autorização da Justiça para ir ao
velório de sua mãe, em 1980.
"Gritante o fato de que, no seio de
uma ditadura militar, que maculou a história da frágil democracia
nacional, foi reconhecido o direito aqui vindicado. Assim, questionou-se:
ainda estamos em um Estado Democrático de Direito, em sua acepção
material? Ou é mero formalismo inscrito em nossa Carta Magna", escreveu a
defesa, em recurso ao Supremo Tribunal Federal.
Notícias ao Minuto com informações da Folhapress
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