Pagamento de propina era repassado em ‘caixas de sabão’, diz Operação Capitu
O
esquema alvo da Operação Capitu, que prendeu nesta sexta-feira, 9, os
empresários Joesley Batista e Ricardo Saud e o vice-governador de
Minas Antônio Andrade (MDB), fez entregas de dinheiro ‘em caixas de
sabão e malas’. A ação mira um suposto esquema que atuava na Câmara
no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Segundo
a força-tarefa da Polícia Federal, Receita e Procuradoria, uma das
maiores redes de supermercados do país também teria integrado a
engrenagem de lavagem de dinheiro oriundo do esquema, repassando aos
destinatários finais os valores ilícitos em dinheiro vivo e em
contribuições ‘oficiais’ de campanha.
O total de doações
‘oficiais’ feitas por empresas vinculadas e administradas por um
empresário do ramo de supermercados nas eleições de 2014 totalizou quase
R$ 8,5 milhões.
“(Entrega de dinheiro) em caixas, em mala, caixa
de sabão. Os supermercadistas trabalham com muito dinheiro em espécie,
isso facilita por demais esse tipo de operação, porque eles recebem
naquele varejo que eles vendem e com isso, em tese, perder o rastro
desse dinheiro se não fossem boas investigações”, afirmou um dos
integrantes da operação.
“Era tipo uma propina a cabo. No
supermercado, eles quitavam a dívida com o supermercado, o dinheiro não
saía do supermercado, depois passava para o destinatário final. Dólar
cabo como funciona? Doleiro no exterior liga para o doleiro aqui no
Brasil e fala: ‘disponibiliza tal valor para meu cliente’. O doleiro
aqui fica devendo para o doleiro lá de fora e depois repassa esse
dinheiro. Não havia transmissão direta dos valores. Havia um acerto
entre as partes.”
Segundo os investigadores, ‘há grandes indícios
de que doações eleitorais que tinham aparência de legalidade eram feitos
por via transversal por essas redes de supermercado’.
“Não
estamos frente somente a possibilidade de corrupção ativa e passiva e
crime de lavagem de dinheiro, estamos prestes a provar crime eleitoral
também”, afirmou a força-tarefa da Capitu.
Além
do dono do grupo J&F e colaborador premiado Joesley Batista, foram
presos na Capitu outros dois delatores do grupo, Demilton Castro e
Ricardo Saud. Entre os 19 presos na Operação Capitu está o deputado
federal eleito Neri Geller (PP/MT), sob suspeita de ter recebido
propinas do grupo J&F/JBS. Geller foi localizado em um hotel no
município de Rondonópolis, a cerca de 220 quilômetros da capital Cuiabá.
A
PF informou que o deputado eleito exercia o cargo de ministro da
Agricultura, em 2014, quando teria recebido propinas em troca de
decretos que beneficiaram o grupo. As investigações apontam pelo menos
R$ 7 milhões destinados a Geller e aliados. A defesa do deputado eleito
disse que só vai se manifestar quando tiver acesso aos autos da Operação
Capitu.
De acordo com a Polícia Federal, o inquérito policial foi
aberto em maio deste ano, baseado em declarações do corretor Lúcio
Bolonha Funaro, sobre supostos pagamentos de propina a servidores
públicos e agentes políticos que atuavam direta ou indiretamente no MAPA
em 2014 e 2015. Segundo o delator, a JBS teria repassado R$ 7 milhões
para o grupo político do MDB da Câmara. Desse valor, o então ministro da
Agricultura e atual vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andadre,
teria recebido R$ 3 milhões da propina paga pela empresa de Josley
Batista e outros R$ 1,5 milhão teriam sido enviados ao ex-deputado
Eduardo Cunha (MDB-RJ).
A PF identificou que o grupo empresarial
dependia de normatizações e licenciamentos do MAPA e teria passado a
pagar propina a funcionários do alto escalão do Ministério em troca de
atos de ofício, que proporcionariam ao grupo a eliminação da
concorrência e de entraves à atividade econômica, possibilitando a
constituição de um monopólio de mercado. As propinas eram negociadas,
geralmente, com um deputado federal e entregues aos agentes políticos e
servidores do MAPA pelo operador Lúcio Bolonha Funaro.
Entre
os atos de ofício praticados pelos servidores do MAPA, de acordo com a
PF, destacam-se a expedição de atos normativos, determinando a
regulamentação da exportação de despojos; a proibição do uso da
ivermectina de longa duração; e a federalização das inspeções de
frigoríficos. O grupo empresarial teria R$ 2 milhões pela regulamentação
da exportação de despojos e R$ 5 milhões pela proibição do uso da
ivermectina de longa duração.
Segundo a PF, um deputado federal da
Paraíba à época dos fatos teria recebido R$ 50 mil do grupo como
contrapartida, em decorrência da tentativa de promover a federalização
das inspeções sanitárias de frigoríficos por meio de uma emenda, cujo
objeto tinha natureza totalmente diversa do escopo da medida provisória
nº 653/2014 na qual foi inserida.
Teria havido também, por parte
do grupo empresarial, o financiamento ilegal de campanha de Eduardo
Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, em troca de
atendimento dos interesses corporativos do grupo no MAPA; sendo de R$ 30
milhões o valor solicitado para tal financiamento. Desse total, o
deputado teria destinado 15 milhões a um deputado federal mineiro de seu
partido; tendo a bancada mineira de seu partido recebido parte do
montante, após a lavagem do dinheiro.
Esses valores teriam sido
depositados pelo grupo em contas bancárias de seis escritórios de
advocacia, que teriam repassado os valores lavados aos beneficiários
finais, conforme determinação do deputado federal mineiro e de seu
operador, também deputado federal. Esses escritórios de advocacia teriam
emitido notas fiscais frias, visto nunca ter havido qualquer prestação
de serviço ao grupo empresarial.
Durante as apurações, segundo a
PF, ‘houve clara comprovação de que empresários e funcionários do grupo
investigado – inicialmente atuando em colaboração premiada com a PF –
teriam praticado atos de obstrução de justiça, prejudicando a instrução
criminal, com o objetivo de desviar a PF da linha de apuração adequada
ao correto esclarecimento dos fatos’. Daí o nome da Operação, Capitu, a
personagem dissimulada da obra prima de Machado de Assis, Dom Casmurro.
Os
envolvidos deverão ser indiciados pelos crimes de constituição e
participação em organização criminosa, obstrução de justiça, corrupção
ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, dentre outros. Caso haja
condenação, as penas máximas poderão variar entre 3 e 120 anos de
reclusão, proporcionalmente à participação de cada investigado.
A reportagem está tentando localizar todos os citados. O espaço está aberto para manifestação.
COM A PALAVRA, JOESLEY
Joesley
Batista é colaborador da Justiça e tem cumprido à risca essa função.
Portanto, causa estranheza o pedido de sua prisão no bojo de um
inquérito em que ele já prestou mais de um depoimento na qualidade de
colaborador e entregou inúmeros documentos de corroboração. A prisão é
temporária e ele vai prestar todos os esclarecimentos necessários.
André Callegari, advogado do Joesley Batista
COM A PALAVRA, O ADVOGADO PIERPAOLO BOTTINI
A
investigação só existe porque os executivos da J&F colaboraram com a
justiça. O acordo segue vigente. Joesley, Saud e Demilton já depuseram,
cada um deles, três vezes na Justiça, e nunca se recusaram a colaborar.
Esperamos que a prisão seja revogada assim que esclarecidos os fatos.
Pierpaolo Cruz Bottini
COM A PALAVRA, O ADVOGADO DÉLIO LINS E SILVA JR, QUE DEFENDE EDUARDO CUNHA
“Aparentemente,
o castelo de cartas de Joesley Batista começa a desmoronar. A história é
fantasiosa e, mais uma vez, a palavra sem valor desse delator não vem
acompanhada de nenhuma prova. Dessa vez, pelo menos, a Polícia Federal e
o Poder Judiciário começam a perceber a farsa. Eduardo Cunha tem
convicção de que, ao final, será excluído dessa investigação.” Délio
Lins e Silva Jr.
Fonte: Estadão - Publicado por: Fabricia Oliveira
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