Negligenciado, vírus ‘primo’ do HIV pode causar leucemia e paralisia nas pernas
Vírus
linfotrópico da célula T humana. O nome complexo é simplificado com uma
sigla: HTLV, um vírus da família do HIV que pode desencadear paralisia
nas pernas e leucemia em até 5% dos pacientes infectados.
A
gravidade das doenças que pode causar, porém, é inversamente
proporcional ao investimento em pesquisas para o tratamento do vírus.
Descoberto em 1980, ainda pouco se sabe sobre ele. Tampouco há cura.
Diante
da falta de perspectiva dos pacientes, pesquisadores e estudiosos do
vírus tentam chamar a atenção para o problema criando o Dia Mundial do
HTLV, celebrado pela primeira vez neste sábado (10).
“Mesmo
tendo sido descoberto antes do HIV, as pesquisas [para o HTLV]
avançaram pouco nesses quase quarenta anos. Conseguimos progredir no
controle do HIV, mas a pesquisa em relação ao HTLV ficou estagnada, e
nenhum país conseguiu desenvolver um antirretroviral para combatê-lo”,
diz a infectologista Júlia Fonseca de Morais, que coordena um projeta de
extensão em HTLV na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O
HTLV é da família dos retrovírus, o que significa que ele estabelece um
vínculo com nossas células. Em outras palavras: além de se hospedar no
nosso organismo, ele se acopla às fitas do nosso DNA, dificultando o
combate. O vírus tem duas versões, o HTLV I e o HTLV II, sendo o
primeiro o responsável pelas doenças.
A transmissão se dá pelas
mesmas vias do vírus da Aids, sendo a principal delas a relação sexual
desprotegida. O HTLV também pode ser difundido pelo compartilhamento de
seringas e pela transmissão vertical, quando a mãe passa o vírus para o
filho durante a gestação. Os riscos de contágio aumentam com o
aleitamento materno.
“A diferença genética é pequena, mas há uma
grande diferença clínica entre os dois tipos de vírus. Até hoje não foi
comprovado que o tipo II do HTLV tenha qualquer doença associada”,
explica Morais. “Em relação à transmissão, quando identificamos uma
gestante com o vírus, indicamos que ela não amamente o recém-nascido por
conta da alta probabilidade de contaminação”.
‘Primo’ do HIV e baixo risco
A
história do vírus tem paralelos com a descoberta da Aids pelos
cientistas na década de 1980. O HTLV, no entanto, foi revelado um pouco
antes do seu ‘primo’, o HIV. Observou-se pela primeira vez no Japão em
1977 e, três anos depois, havia sido isolado pelos estudiosos. O vírus
da Aids até foi chamado de HTLV III antes de ser pesquisado a fundo.
Mas
os medicamentos utilizados no tratamento contra o HIV não fazem efeito
contra o HTLV. Em suma, não há cura, e todos os tratamentos utilizados
nos pacientes são paliativos. Os riscos para quem porta o vírus, no
entanto, são baixos, já que 95% dos portadores não têm sintomas ou
doenças associadas.
“A maioria das pessoas que tem o vírus nasce e
morre sem saber que tem. Os que sabem descobrem quando vão doar sangue
ou doar órgãos, mas quem não faz isso acaba não tendo conhecimento”,
explica a infectologista.
E por quê poucos pacientes desenvolvem?
Morais é enfática: “Não sabemos, por isso precisamos de mais pesquisas e
mais financiamento para entender melhor como o vírus funciona. Não só
em relação ao porquê dessa porcentagem baixa, mas também para
desenvolver remédios para combater o vírus”.
“O vírus mais cancerogênico”
O
HTLV está associado a várias doenças, desde as degenerativas até as
hematológicas (aquelas relacionadas ao sistema hematopoético, tecidos e
órgãos responsáveis pela proliferação, maturação e destruição das
células do sangue). As mais graves são a leucemia e a mielopatia
associada ao HTLV – doença neurodegenerativa que pode paralisar
progressivamente o movimento das pernas.
No caso da leucemia, ou
câncer no sangue, o desencadeamento está atrelado a uma característica
específica do vírus. “O HTLV é o vírus mais cancerogênico que existe.
Ele possui genes que fragilizam o controle que as células exercem sobre a
nossa genética. Dessa forma, a célula fica mais propensa a se
transformar em cancerígena e se replicar sem qualquer regulamentação”,
explica a infectologista Júlia Fonseca de Morais.
Já
em relação à mielopatia, a questão é mais complexa e ainda pouco
decifrada pelos pesquisadores. Os movimentos do nosso corpo acontecem
por conta de uma ligação do nosso cérebro com a medula espinhal, que
serve como ‘canal’ para comandar o corpo. Os médicos acreditam que o
HTLV pode criar uma infecção na medula, e que a reação do nosso
organismo pode ser a responsável pela paralisação das pernas.
“Sabemos,
hoje, que essa infecção é combatida de forma violenta pelo sistema
imunológico, mas não exatamente o porquê esse combate pode gerar
mielopatia. A principal hipótese é que esse combate é tão forte que
acaba destruindo os tecidos da medula, e isso acaba gerando a paralisia
nas pernas. Mas são só hipóteses, por conta da ausência dessas
informações que não conseguimos realizar um tratamento eficiente”,
argumenta Morais.
Atualmente, apenas alguns estados mantêm
pesquisas recorrentes em relação ao vírus HTLV, a maioria financiados ou
com parcerias com a iniciativa privada. A questão é que houve um
aumento significativo das doenças sexualmente transmissíveis, e o HTLV
segue essa linha. Por isso a importância de investimento maciço nas
pesquisas em relação ao vírus, antes que o problema deságue na saúde
pública e, consequentemente, no SUS (Sistema Único de Saúde).
Fonte: Uol
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