WhatsApp esvaziou debate na campanha eleitoral deste ano
Para especialistas, baixa leitura agrava riscos de desinformação
As eleições presidenciais de 2018 inauguraram uma
nova maneira de se fazer campanha no Brasil, conforme os especialistas
ouvidos pela Agência Brasil. O horário eleitoral gratuito no
rádio e na televisão perdeu a atenção quase exclusiva dos eleitores, que
também não seguem mais seus candidatos em carreatas ou passeios
públicos – mas em espaços virtuais fidelizados como os perfis dos
políticos nas redes sociais.
“É quase uma não campanha”, considera o cientista
político Malco Camargos, professor da PUC Minas. “O elemento novo são
as redes sociais”, assinala a diretora-executiva do Ibope, Marcia
Cavallari. “É um fenômeno novo, ainda em teste”, opina Beatriz Martins,
autora do livro Autoria em Rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas.
Com essas mudanças, o debate público ficou esvaziado.
Em vez da discussão de propostas sobre geração de emprego, atendimento à
saúde, qualidade do ensino, transporte ou segurança pública, eleitores
usam seu tempo compartilhando memes com supostos atributos do seu
candidato ou com defeitos do oponente.
“As mensagens correm em grupos fechados, dentro das
bolhas. Esse ambiente não se caracteriza como espaço público. Não há
oportunidade de contraditório”, descreve Beatriz Martins. Nem sempre os
conteúdos repassados são comprovados.
Familiares, amigos e colegas de trabalho se tornaram
cabos eleitorais engajados, compartilhando inúmeras mensagens por dia,
por vezes falsas, como atesta avaliação
de 347 grupos de WhatsApp feita pelos professores Pablo Ortellado
(USP), Fabrício Benvenuto (UFMG) e a Agência Lupa de checagem de fatos. O
estudo mostra que entre as imagens mais compartilhadas apenas 8% podem
ser classificadas como verdadeiras.
Violência simbólica
Para Fábio Gouveia, coordenador do Laboratório de
Estudos sobre Imagem e Cibercultura da UFES, “consolidou-se uma
tendência que já estava em curso antes da eleição: violência simbólica,
desconstrução de imagem e desinformação”.
O especialista avalia que a maneira como são usadas
as novas mídias afeta a credibilidade dos meios tradicionais. “Há uma
cruzada que põe em xeque a legitimidade da imprensa”. Segundo ele, é
preocupante o comportamento social disseminado entre eleitores de dizer
que “a mídia mente” quando confrontados com notícia apurada contra o seu
candidato.
Gouveia alerta que a desqualificação constante do
trabalho da imprensa e a dificuldade de perceber quando a notícia é
falsa ou verdadeira são prejudiciais à democracia. “Independentemente de
quem vença em 28 de outubro, esse estrago está feito”, registra.
Esvaziamento dos jornais e importância da TV
“É preciso ensinar as pessoas a lidarem com tanta
informação. Saber o que é confiável e o que não é”, pondera Beatriz
Martins. Ela, que é jornalista, aponta o “esvaziamento dos jornais” que
“perderam peso” com a demissão de jornalistas e diminuição de redações.
Para o filósofo Nélio Silva, mestrando na UFScar, o
baixo índice de leitura dos brasileiros é um problema que agrava a
circulação de notícias falsas. Por causa disso, segundo ele, a televisão
ainda é importante e debates entre os candidatos à Presidência poderiam
fazer os eleitores conhecerem melhor as propostas de Jair Bolsonaro
(PSL) e de Fernando Haddad (PT).
Para Marcia Cavallari, do Ibope, a televisão teve
papel fundamental na campanha. Ela lembra que muitas imagens
compartilhadas por WhatsApp, Facebook, Twitter ou Instagram foram
replicadas de entrevistas e debates ocorridos nas emissoras de TV. “Uma
coisa alimenta a outra”, avalia. O cientista político Malco Camargos
concorda e lembra que a TV foi central na cobertura do atentado a faca
sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora, no mês de agosto.
Agência Brasil
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