Jair Bolsonaro x Fernando Haddad: faz sentido falar em eleição dos extremos?
Colunas
analíticas, notas de jornais disfarçada de textos informativos,
comentários em telejornais, entrevistas com celebridades e propagandas
políticas não cansam de apontar que estamos à beira de duas candidaturas
extremista, disseminando tal ideia a boa parte do eleitorado
brasileiro. Segundo eles, o embate ferrenho se dá entre o deputado
federal e ex-militar Jair Bolsonaro (PSL) e o ungido por Lula e
carregado pelo PT,Fernando Haddad.
A
estratégia parece ter reflexo nas pesquisas. Enquanto a rejeição do
capitão reformado do Exército se manteve em 44% na pesquisa
Ibope revelada na segunda-feira 1º, a do petista foi de 27% a 38%.
“Me
chama muita a atenção ver gente repetindo quase que acriticamente esse
discurso de que existem dois extremos. Isso é uma arrematada bobagem. Eu
escrevi sobre isso em dezembro do ano passado, chamando a atenção
justamente do fato de que que Lula e Bolsonaro – na época Lula ainda era
o candidato do PT – não eram comparáveis porque era muito assimétrica
essa polarização. De um lado há uma esquerda moderada, de padrão
socialdemocrata, e do outro lado se tem um extremista de direita “,
afirma o cientista político e professor da FGV, Claudio Couto.
A
construção desse discurso, no entanto, não é culpa apenas dos
adversários do PT que tentam sair vencedores na disputa política ou
daqueles que “compram” essa ideia para si sem fazer qualquer análise
mais crítica, diz o cientista político. Trata-se também de uma
construção que o próprio Partido dos Trabalhadores faz questão em manter
aberta quando se coloca como aliado do atual governo da Venezuela, hoje
chefiado por Nicolás Maduro.
Fica uma pergunta: Quais os benefícios que o PT vê nessa postura de se manter vinculado a governos autoritários?
Dois polos
Jair
Bolsonaro já mostrou que flerta com a ditadura e tem pouca intimidade
com a democracia. Em uma de suas mais recentes declarações disse que não
reconhecerá nenhum outro resultado eleitoral que não seja aquele que o
coloque como vitorioso no pleito.
Seu
vice, general da reserva Hamilton Mourão, não fica nada atrás: declarou
ser a favor da elaboração de uma nova Constituinte sem participação
popular, disse que o coronel Ustra é seu herói e defendeu um “autogolpe”
do presidente com as Forças Armadas em caso de “anarquia”.
Dentro
de outras propostas identificadas da extrema-direita, o deputado
federal e ex-militar defende a política imigratória de Donald Trump,
quer reforçar o papel das Forças Armadas, tipificar como terrorismo
ações do MST e MTST, militarizar o ensino e colocar um general no
Ministério da Educação, entre outros pontos. Na análise de Couto,
Bolsonaro é um “neofacista”.
Do outro
lado, há Fernando Haddad e o PT. Nem um nem outro deram qualquer sinal
em suas gestões de um governo de extrema-esquerda se resumirmos isso a
ideia básica que concerne a essa vertente: reformas estruturantes e
radicais.
Nos 13 anos em que o PT
governou o País houve significativos avanços nas áreas sociais, como o
Fome Zero e Minha Casa Minha Vida, no entanto, Lula e Dilma Rousseff
abriram mão de reformas estruturais que poderiam transformar tais
avanços em algo mais sólido e próximo a “revolução social”.
Antes
mesmo do “dia D” que poderia ou não levá-lo ao Palácio do Planalto, em
2003, Lula divulgou sua Carta aos Brasileiros. No documento, o petista
deixava claro ao mercado financeiro e ao empresariado que não seria ele e
seu governo uma ameaça aos interesses do setor. Já fora do comando, em
inúmeras ocasiões, o ex-presidente falou com orgulho que ele foi o
presidente que mais ajudou a classe empresarial.
Reforma
agrária e democratização da mídia foram algumas das propostas levadas
ao eleitorado nas campanhas presidenciais do PT, mas prontamente
deixadas de lado após as vitória. Haddad agora volta a antiga promessa
da democratização dos meios de comunicação nunca cumprida.
Outra
iniciativa do governo do PT foi a Lei Antiterrorismo, redigida pelo
Executivo e que prevê 12 a 30 anos para o crime de terrorismo – medida
fortemente criticada por movimentos sociais que acreditam que da forma
como se coloca abre espaço para criminalização manifestações populares.
Na Agenda Brasil, Dilma propôs o fim da gratuidade do Sistema Único de
Saúde, a diminuição das áreas indígenas e preservação ambiental, e
referendou a política de encarceramento em massa.
A ausência
de qualquer extrema-esquerda também está bem representada, segundo
Couto, nas escolhas na composição do governo federal. “É só pensar: 13
anos de governo do PT: Luiz Fernando Furlan no Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Henrique Meirelles no
Banco Central, Kátia Abreu na Agricultura. Cadê afinal de contas o
chavismo?”, questiona.
Haddad,
colocado na disputa presidencial após Lula ser barrado pelo Tribunal
Superior Eleitoral, já foi chamado de “o mais tucanos entre os petistas”
ou, ainda, “o menos petistas dentre os petistas”. Porém suas
divergências com o PT no passado pouco tiveram a ver com algum lado mais
“extremo” do atual candidato.
Enquanto
prefeito da capital paulista, mantinha forte contato com o então
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) ao mesmo tempo em que se
queixava dos integrantes do próprio partido e do governo de Dilma, em
privado. Dirigentes da legenda, por sua vez, reclamavam que o então
prefeito não escutava ninguém do PT e se restringia a ouvir o seleto
grupo de amigos de academia paulistana, sobretudo aqueles do Largo São
Francisco, faculdade de Direito da USP.
Hoje,
o ex-prefeito aperta a mão do emedebista Renan Calheiros e sobe no
palaque de Eunício Oliveira. Não descarta o apoio do PSDB para o segundo
turno nem do que é chamado de Centrão, ainda que diga que só o fará se o
programa de governo petista for respeitado pelos aliados.
Para
o cientista político, há sim dois polos, em que apena um deles está no
extremo: Jair Bolsonaro. Então por que o discurso de que Lula, Haddad e o
PT são de extrema-esquerda “cola” para determinado/parte do público e
eleitorado?
Geraldo Alckmin,
candidato à Presidência pelo PSDB estagnado nas pesquisas eleitorais,
vem explorando essa imagem na campanha eleitoral – numa tentativa
desesperada de ser visto como o “caminho do meio”. Em inserções no rádio
e na televisão, o tucano fala que “o risco do Brasil se tornar uma nova
Venezuela é real, a partir dos extremismo que se estão colocados nessa
eleição”. Ele relembra que tanto Bolsonaro como Lula – afinal, “Haddad é
Lula e Lula é Haddad” – já declararam apoio ao então governador
venezuelano Hugo Chávez.
Bolsonaro e
seus eleitores também vinculam PT ao chavismo. Em post no Twitter, em
agosto, publicou: “Nos últimos anos o PT doou bilhões para ditaduras
amigas via BNDES. Seu dinheiro que deveria ser utilizado de forma
responsável para nosso crescimento, serviu pra alimentar governos
autoritários e antidemocráticos como Cuba e Venezuela, sem nos dar
retorno algum. Isso vai acabar!”.
Couto
destaca que não são apenas os políticos vem alimentando essa falsa
relação. “É claro que o PT tem uma baita de uma culpa nisso porque o PT
sempre aliviou em relação a Venezuela e boa parte da esquerda. Esse
fetichismo na esquerda com os regimes autoritários de esquerda mundo a
fora, em particular na América Latina, como Venezuela e Cuba fazem com
que agora ao PT seja comparado a eles por uma parte da sociedade.”
E
completa: “O PT sempre foi muito leniente com relação a Venezuela e por
conta da sua defesa a esse país as pessoas falam: o PT é venezuelano, é
chavista, sendo que nunca foi”, afirma Couto. Segundo ele, a relação da
legenda com governos autoritários é um “problema que deve ser levado ao
divã”.
Ausência de críticas
De
fato, as relações do PT com Venezuela vem de longe. No último ano,
quando a situação do país vizinho se agravava, Gleisi Hoffmann,
presidenta do partido, e Mônica Valente, secretária de Relações
Internacionais da legenda publicaram nota cujo título era: Venezuela:
mais uma vez, um exemplo de democracia e participação cidadão”. A nota
fazia referência às eleições regionais que ocorriam no país.
Questionado
pela CartaCapital se o PT mantém a posição que explicita no título da
nota, Valente não quis responder assertiva ou negativamente, preferiu
dizer: “Nós achamos que o sistema político venezuelano é um sistema
político eleitoral democrático e quem vem se aperfeiçoando
progressivamente desde 1999”.
E
complementou: “Se tem divergências internas, se permanece uma atitude de
bloqueio econômicos, de muito conflito interno, qual a posição do PT? A
posição do PT é de contribuir como país na construção das instituições
multilaterais que podem fazer esse processo de mediação”.
Para
o professor da FGV, tal postura só alimenta ainda mais a falácia do
discurso que vivemos dois entremos. “O PT deveria condenar claramente
regimes autoritários. Não interessa se são regimes autoritários de
esquerda ou de direita. A Venezuela, não vamos dourar a pílula, é uma
ditadura. Tem pessoas presas, não se pode fazer oposição ali. ‘Ah, mas a
oposição da Venezuela é péssima’. Não interessa se a oposição da
Venezuela é péssima, inclusive porque não existe a oposição, existem
oposições. É um pouco como o velho MDB aqui durante o regime militar,
tem de tudo ali. Inclusive oposição de esquerda.”
El
complementa: “O petista aponta o dedo para o Bolsonaro e diz: olha só, o
Bolsonaro defende um ditador. Mas o PT também”, diz, ao se referir a
Maduro. “É esse o ponto que reforça esse discurso dos extremos” e que o
PT não faz nenhuma questão de combater.”
Partido é partido, governo é governo
Para
um dirigente da alta cúpula do PT é errado dizer que a posição do
partido é ou deve ser a mesma que a do candidato da legenda.
Até
agora, Haddad deu sinais pouco claros de divergência com seu partido
sobre esse ponto. Seu plano de governo, redigido e coordenado por ele
próprio, não menciona faz referência ao avanço do autoritarismo na
América Latina, porém sem especificar quais países ele classifica de
governos autoritários.
Questionado
por meio de seu assessor de imprensa, Haddad respondeu à CartaCapitalque
o trecho “se refere a movimento conservadores que despontam em alguns
países, como Chile, Peru, Colômbia” e não citou a Venezuela. O candidato
diz se tratar de “movimentos políticos que tendem a fortalecer a
tendência neoliberal na economia e favorecer a intolerância nos
costumes”.
Em entrevista ao Jornal da
Globo, no último dia 19, a jornalista Renata Lo Prete perguntou ao
candidato se ele concorda com a declaração de seu partido de que a
Venezuela é um exemplo de democracia. Haddad, pra variar, tergiversou:
“A
Venezuela não vive um processo de normalidade. Porque há contestação
sobre o ambiente democrático. Não se reconhece resultado eleitoral, a
oposição contesta quando um plebiscito é chamado, as eleições não são
respeitadas, o clima ali é de conflagração. É inequívoco isso.”
Ele
reconheceu que “as coisa não andam bem lá” e que a situação é de
“conflagração”, mas afirmou que não deverá tomar partido em um eventual
governo seu. “O papel do Brasil pela sua importância e pela sua
liderança não é tomar partido na Venezuela. É junto aos organismos
internacionais buscar mediação reconhecendo que o ambiente não é o mais
saudável.”
Fonte: cartacapital 0 Publicado por: Suedna Lima
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