Pesquisa usa matemática para combater o câncer, doença em que as células se dividem e destroem tecidos do corpo
Um
dos problemas de saúde mais conhecidos e receados atualmente é o
câncer, doença em que as células anômalas se dividem de forma indômita e
destroem o tecido do corpo. As causas podem ser externas ou internas ao
organismo e ambas estão inter-relacionadas, podendo interagir,
aumentando a probabilidade de transformações nas células. Isso explica o
motivo pelo qual pesquisadores de todo o mundo se debruçam sobre o
estudo das diversas formas de tratamento para fins curativos ou controle
de sintomas da doença.
Diante disso, a pesquisadora Tatiana Rocha
de Souza, professora do curso de Licenciatura em Matemática do Centro
de Ciências Exatas e Sociais Aplicadas (CCEA), Câmpus VII da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Patos, amante da ciência do
raciocínio lógico e abstrato, preocupada em mostrar a importância da
medicina integrativa ao tratamento contra o câncer, defendeu, no dia 18
de maio, sua tese de Doutorado em Matemática Aplicada, intitulada
“Dinâmica tumoral e a noética”. O trabalho é resultado do doutoramento
da docente pelo Instituto de Matemática, Estatística e Computação
Científica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A tese,
em resumo, trata de modelagens e simulações do comportamento tumoral
considerando, além das intervenções padrões (como a quimioterápica), as
intervenções integrativas. “Hoje, tem crescido consideravelmente os
estudos que comprovam que, associados aos tratamentos padrões, os
tratamentos integrativos vêm ajudando no que diz respeito à qualidade de
vida e resultados clínicos dos pacientes oncológicos. No Brasil, ainda
existem muitas resistências para agregar este tipo de tratamento ao
tradicional. Tentamos mostrar, matematicamente, através de simulações,
como seria a interferência destes tratamentos complementares na dinâmica
do tumor”, destaca a professora.
Tatiana Rocha explica que o
modelo utilizado para descrever a dinâmica do tumor foi o de Gompertz,
com acréscimos de termos e equações para simular a presença de células
resistentes. A interferência noética foi descrita pelo efeito Allee.
Posteriormente, foram usados alguns funcionais para simular o controle
ótimo do tratamento.
Paciente oncológica desde 2011, Tatiana
contou que a motivação para trabalhar na Matemática aplicada ao câncer
veio após a descoberta da doença. “Eu quis aprofundar os estudos sobre o
câncer, não apenas para entender o que estava passando, mas para tentar
ajudar outros pacientes que estivessem enfrentando o mesmo problema. A
integração da noética surgiu no decorrer da pesquisa, quando, durante o
tratamento, fui apresentada à medicina integrativa. Vendo os benefícios
em mim mesma, decidi tentar retratar isto nos meus modelos”,
acrescentou.
Tatiana descobriu o câncer colorretal quando já se
encontrava com metástase hepática. Submeteu-se a cirurgia para retirada
de aproximadamente 50 centímetros do intestino, parte do fígado e
vesícula, além de 12 sessões de quimioterapia, encerrando o tratamento
em 2012. Em 2014, apenas um mês após ter chegado em Campinas para
iniciar o Doutorado, a pesquisadora descobriu a reincidência da doença
com uma metástase pulmonar. Dois tumores foram retirados e mais 12
sessões de quimioterapia realizadas. Em 2015, ela pôde novamente
encerrar o tratamento.
No ano seguinte, uma nova metástase
pulmonar foi identificada, com oito tumores espalhados nos dois pulmões.
“Foram mais 11 sessões quimioterápicas com a administração de uma droga
que ocasionou reações alérgicas. Modificamos a droga e após mais 31
aplicações quimioterápicas descobrimos que eu tinha criado resistência
e, com isso, meus tumores tinham aumentado e novos tumores surgido. Hoje
são tantos nódulos que os médicos apenas descrevem como múltiplos
nódulos nos dois pulmões. Com isso, mudamos mais uma vez de
quimioterapia, fazendo, até a defesa da tese, mais três quimioterapias
com este novo fármaco, tendo feito, apenas durante o Doutorado, 57
quimioterapias, além das cirurgias”, relata Tatiana.
Primeiro contato com o câncer
A
professora discorreu ainda sobre o enfrentamento clínico e emocional,
desde a identificação da doença, e relembrou do momento em que recebeu o
diagnóstico do câncer. “Meu maior choque ocorreu quando fiz a
colonoscopia. Com as pesquisas sobre os termos técnicos presentes no
laudo eu me deparei com o nome ‘câncer’ pela primeira vez. Desta forma,
quando recebi de fato o diagnóstico eu já estava preparada”, conta.
Em
seu relato, Tatiana disse que durante o primeiro tratamento, entre 2011
e 2012, precisou se afastar das atividades acadêmicas, viveu 24 horas a
doença, teve todas as reações clínicas esperadas (enjoos, vômitos,
dores), mas nunca imaginou que fosse morrer, tendo sempre fé e apoio
para seguir. A professora ressalta ainda que, com a decisão de estudar
sobre o assunto, quando veio o segundo tratamento, entre 2014 e 2015, já
pôde sentir uma melhora significativa.
“Acho que o ditado ‘mente
vazia, oficina do diabo’ poderia descrever bem o que vivenciei ao
comparar os dois tratamentos. Costumava dizer que, quando não estava
fazendo quimioterapia, tinha tanta coisa para fazer na Universidade,
tanta matéria para recuperar (do período que me afastava para
tratamento), que não tinha tempo para lembrar que estava doente”,
recorda.
Tatiana conta que durante a última fase do tratamento,
iniciado em 2016 e realizado até os dias atuais, já consegue ver
nitidamente a eficiência da medicina integrativa, uma vez que faz uso da
mesma medicação dos outros tratamentos e que não só não sente os
efeitos, como deixou de tomar as medicações para eles enquanto estava de
repouso, após a quimioterapia. “Hoje, apesar das inúmeras
quimioterapias, tenho uma vida ativa praticamente normal, com viagens,
passeios, estudos, frequento ambientes fechados como restaurantes,
teatro, entre outros. Então, hoje, acho que estou na minha melhor fase
mental desde que descobri o câncer”, enfatiza.
Tratamento e pesquisa caminhando juntos
De
acordo com a pesquisadora, o método e o caminho seguidos para realizar a
pesquisa acabaram nascendo junto com o seu tratamento. “Iniciamos com a
ideia de estudar a dinâmica do tumor e inserir nas incertezas dos
parâmetros a teoria Fuzzy, mas os caminhos da pesquisa foram se moldando
com os meus próprios resultados”, relata.
Questionada sobre os
parâmetros para análise da progressão e redução na evolução celular
tumoral, Tatiana ressalta que foram levados em consideração,
principalmente, a taxa de crescimento do tumor, sua quantidade celular
inicial ao ser descoberto, a capacidade de suporte, quantidade de
células resistentes e sua taxa de crescimento, o limiar noético (que
desenvolveu para medir a interferência do corpo à dinâmica do tumor) e a
taxa de matança da aplicação quimioterápica. Todos os resultados foram
obtidos através de simulações numéricas, com parâmetros reais e
simulados diante da teoria desenvolvida.
Tatiana destaca os
benefícios da pesquisa e a importância dos resultados para os pacientes
oncológicos. “A ciência noética vem comprovando o poder da mente sobre o
próprio corpo. Estudos vêm mostrando que somos capazes de potencializar
a atuação das células do sistema imune no combate às células
cancerígenas. Também já foi provado que, em alguns casos, as células
tumorais conseguem se camuflar, fazendo com que as células combatentes
não as reconheçam como invasoras. A noética prega a teoria de que somos
capazes de modificar este quadro, ensinando nossas próprias células a
atacar as invasoras. A medicina integrativa atua principalmente no
fortalecimento do sistema imune do paciente oncológico. Acho que a maior
contribuição da minha pesquisa é a disseminação da medicina oncológica
integrativa que já vem mostrando excelentes resultados pelo mundo e
ainda é pouco utilizada no Brasil”, observa a pesquisadora.
Sobre
as conclusões a que chegou, a docente afirma que o resultado mais
relevante é de que a medicina integrativa contribui para a melhoria da
qualidade de vida dos pacientes e atua diretamente no sistema imune,
podendo potencializá-lo, o que é de extrema importância, principalmente
no pós-tratamento, para que o paciente possa continuar o decrescimento
tumoral, não mais visível ao olho humano, até zerá-lo, obtendo a cura.
“Com esses resultados, mostramos que apenas um tratamento quimioterápico
não é suficiente para a obtenção da cura, que é preciso a colaboração
do corpo e do sistema imune e quanto melhor estiver o sistema imune,
melhores resultados teremos”, avalia Tatiana.
A pesquisadora
frisa, ainda, sobre a escolha do Doutor Rodney Carlos Bassanezi como seu
orientador e ressalta a importância do apoio recebido durante a
pesquisa. “Rodney é, além de um excelente profissional, uma pessoa
fantástica. Diria que não teria feito melhor escolha para orientador.
Ele abraçou meu desejo de trabalhar com modelagem de tratamentos
oncológicos, me apresentou profissionais que, além de ajudar na teoria
aplicada na pesquisa, ajudou no meu próprio tratamento. Nunca me
beneficiou, mas sempre foi humano quanto as minhas limitações durante o
doutorado, no que diz respeito ao tratamento quimioterápico que fiz
paralelamente”.
Tatiana também fala sobre o apoio recebido da
família e dos amigos para realizar o tratamento e se dedicar à pesquisa.
“Minha família foi fundamental em tudo, desde a força para não ter medo
de seguir, como o apoio para realizar meus sonhos e desejos. Minha mãe
abandonou a vida e veio morar comigo para que eu não precisasse
abandonar o Doutorado, meu pai deu todo o suporte para minhas irmãs que
ficaram com ele na Bahia. Mas, além da família, também preciso ratificar
a importância dos meus colegas de curso, pois eles muitas vezes pararam
para me atualizar da matéria e sempre se fizeram presente com suporte e
amizade”.
A dor do outro
Recentemente,
Thais Souza, irmã de Tatiana, também foi diagnóstica com câncer. Sobre o
problema da irmã Tatiana diz que foi mais difícil receber o diagnóstico
do câncer da irmã do que o seu próprio. “Descobri que é mais dolorido
quando acontece com quem amamos do que com nós mesmos. Mas a força e o
equilíbrio de minha família sempre fizeram com que a doença se
apresentasse mais amena do que como costumamos imaginar”, conta. Juntas,
as irmãs criaram uma conta em rede social para compartilhar a luta
contra o câncer.
Com a baianidade de uma potiguar, nascida no Rio
Grande do Norte e criada no reduto baiano, lugar aprazível que lhe
expurgou a resistência e lhe fortaleceu a obstinação, Tatiana diz que
pretende dar continuidade à pesquisa nesta área, intensificar as
terapias integrativas ao seu próprio tratamento, visando melhores
resultados, e realizar o seu maior sonho atual, que é ajudar outros
pacientes oncológicos com palestras, depoimentos e esclarecimentos sobre
a noética e a medicina integrativa, além de escrever um livro onde
pretende contar a sua luta contra o câncer e todas as descobertas que
obteve durante o Doutorado. Ninguém duvida que ela vai conseguir
realizar tudo isso.
MaisPB
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