Professor mostra como o conhecimento é matematicamente restrito
A
maioria das descobertas sobre o cérebro humano nos fazem acreditar que a
nossa mente tem uma capacidade muito grande, até mesmo ilimitada. Mas
um novo teorema matemático joga um balde de água fria neste suposto
super-poder da mente humana: nossa capacidade de conhecimento é
matematicamente restrita. Segundo a teoria apresentada pelo professor
David Wolpert, do Santa Fe Institute, nos EUA, nós não podemos saber
tudo ao mesmo tempo.
A
ideia é a seguinte: um “dispositivo de inferência” como, por exemplo,
um cientista munido com um supercomputador, pode ter conhecimento sobre o
estado do universo ao seu redor. Se o conhecimento desse cientista é
adquirido observando o universo, controlando-o, prevendo o que
acontecerá a seguir ou inferindo o que aconteceu no passado, há uma
estrutura matemática que restringe esse conhecimento. A razão pra isso é
que o dispositivo de inferência, o conhecimento do cientista e a
variável física de que ele sabe alguma coisa, são todos subsistemas do
mesmo universo. Esse acoplamento restringe o que ele pode saber. Wolpert
prova que sempre há algo que o dispositivo de inferência não pode
prever, algo que ele não pode lembrar e algo que ele não pode observar.
“De
certa forma, esse formalismo pode ser visto como muitas extensões
diferentes da afirmação de Donald MacKay de que ‘uma previsão sobre o
futuro do narrador não pode explicar o efeito do aprendizado do narrador
nessa previsão’”, explica. “Talvez a extensão mais simples seja que,
quando formalizamos matematicamente dispositivos de inferência, notamos
que os mesmos resultados de impossibilidade que sustentam as previsões
do futuro também guardam memórias do passado. O tempo é uma variável
arbitrária, não desempenha nenhum papel em termos de estados diferentes
do universo”.
O teorema do monoteísmo
Mas mesmo se não
exigirmos que nosso cientista saiba tudo sobre o universo, mas apenas o
que é possível saber, a armadilha matemática de Wolpert mostra que não é
possível que existam dois dispositivos de inferência com livre arbítrio
(apropriadamente definidos), com conhecimento máximo sobre o universo,
que coexistam nesse mesmo universo. Pode haver (ou não) um “dispositivo
de super-inferência” em algum universo – mas não mais que um. Wolpert,
brincando, refere-se a esse resultado como “o teorema do monoteísmo”, já
que, embora ele não “proíba” que haja uma divindade em nosso universo,
proíbe que haja mais de uma.
Por exemplo, suponha que Bob e Alice
sejam ambos cientistas com habilidades computacionais ilimitadas. Além
disso, suponha que ambos tenham “livre-arbítrio”, na medida em que a
pergunta que Bob faz a si mesmo não restringe as possíveis perguntas que
Alice poderia fazer a si mesma, e vice-versa. Dessa forma, é impossível
para Bob prever (ou retratar) o que Alice pensa em algum momento, caso
Alice também seja solicitada a prever o que Bob não está pensando
naquele momento.
Wolpert
compara essa proposição ao paradoxo do mentiroso cretense, no qual
Epimênides de Cnossos, um cretense, declarou que “todos os cretenses são
mentirosos”. Ao contrário da afirmação de Epimênides, que expõe um
problema de sistemas que têm a capacidade de auto-referência (se o
enunciado é verdadeiro, então ele também pode ser falso, já que foi um
cretense mentiroso que o disse), o raciocínio de Wolpert também se
aplica a dispositivos de inferência sem essa capacidade.
Além
disso, no formalismo de Wolpert, o mesmo cientista, considerado em dois
momentos diferentes no tempo, é dois dispositivos de inferência
diferentes. Então, embora possa ser que algum dispositivo de inferência
seja um “super dispositivo de inferência” em um momento, ele não poderia
ser mais de uma vez. Mais uma vez, de brincadeira, ele se refere a isso
como o teorema do “deísmo”, já que permite que haja uma divindade que
saiba o máximo que poderia ser conhecido no começo do universo – mas
proíbe que ela volte a saber tudo.
O limite do conhecimento
Por
não se basear em teorias específicas da realidade física como a
mecânica quântica ou a relatividade, a nova prova apresenta um amplo
conjunto de limites para explorar a natureza do conhecimento científico.
“Nenhum
desses resultados que limitam o conhecimento adquirido por previsões
depende da existência de processos caóticos no universo … não importa
quais sejam as leis da física ou se Alice é mais computacionalmente
poderosa que uma máquina de Turing”, diz Wolpert. “Tudo isso é
independente disso e é muito mais amplo”.
A
pesquisa está progredindo em muitas direções diferentes, desde a lógica
epistêmica até a teoria das máquinas de Turing. Wolpert e seus colegas
estão criando uma estrutura probabilística mais sutil que lhes permitirá
explorar não apenas os limites do conhecimento absolutamente correto,
mas também o que acontece quando os dispositivos de inferência não
precisam saber com 100% de precisão.
“E se Epimênides tivesse dito
‘a probabilidade de que um cretense seja um mentiroso é maior que x%?'”
Passar da impossibilidade à probabilidade poderia nos dizer se conhecer
uma coisa com maior certeza limita inerentemente a capacidade de
conhecer outra coisa. De acordo com Wolpert, “estamos obtendo alguns
resultados muito intrigantes”.
HypeScience - [phys.org] - Por Jéssica Maes
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