Carta à CNBB denuncia ameaças à não realização das eleições e se posiciona contra retrocessos de Temer
Bispos denunciam mortes de lideres e a exclusão de direitos dos mais pobres

O professor Robson Sávio Reis Souza escreveu uma carta aos
bispos brasileiros estimulando-os a saírem do silêncio e posicionarem-se
claramente sobre o momento nacional, na perspectiva histórica da
entidade, nascida “da inspiração de Dom Hélder, o ‘santo rebelde’. A
carta foi divulgada em face da 56ª Assembleia Geral da CNBB (a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Na carta é instigado é denunciado “um vertiginoso crescimento de
grupos religiosos ultraconservadores, inclusive dentro do espectro do
catolicismo, colonizando os poderes públicos e usando de estratégias
violentas para a criminalização dos mais pobres”.
Leia:
Carta aberta aos bispos brasileiros,
por ocasião da 56ª Assembleia Geral da CNBB[1]
Senhores bispos,
Mais uma vez a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se
reúne em assembleia para discutir os rumos da Igreja Católica no Brasil.
A CNBB nasceu da inspiração de Dom Hélder, o “santo rebelde”. E Dom
Helder se tornou referência ética e profética para os cristãos porque
sempre foi um discípulo que tinha lado: o lado dos pobres, dos
excluídos, dos marginalizados, dos sem voz e sem vez. Optou por seguir,
radicalmente, Jesus de Nazaré – que nunca deixou de afirmar com gestos,
palavras, ações e testemunhos que o Deus da vida é do Deus dos pobres e
dos sofredores.
Neste ano do laicato, a CNBB está a insistir no protagonismo dos
leigos. Pois muito bem! Estamos aqui para incitá-los a um debate e uma
reflexão sobre a vida (e a morte) dos brasileiros e o papel da Igreja
Católica no momento atual do nosso país.
Num país marcado pela secular e avassaladora desigualdade social[2],
pela violência estrutural[3] e pela injustiça[4], a impossibilitar
condições de vida com dignidade a milhões de brasileiros[5], o
testemunho cristão é um imperativo ético, um dever profético e uma
atitude de fé.
Nos últimos anos assistimos em nosso país ao recrudescimento de
disputas reais e simbólicas que redundam num quadro de deterioração sem
precedentes de conquistas sociais e políticas dos brasileiros. Como se
não bastasse tão grandiosa desventura, um clima de ódio e de violências
se espraiam no país.
A CNBB já se manifestou algumas vezes sobre alguns desses temas[6].
Não obstante, a coalizão governista toca uma avassaladora política
ultraliberal e continua a empreitada de privatização e esfacelamento do
estado e das políticas sociais.
Por outro lado, há um vertiginoso crescimento de grupos religiosos
ultraconservadores, inclusive dentro do espectro do catolicismo,
colonizando os poderes públicos e usando de estratégias violentas para a
criminalização dos mais pobres, dos defensores dos direitos humanos,
dos movimentos sociais organizados; enfim, de segmentos que lutam por
uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e inclusiva.
No quadro político, a deterioração dos três poderes da República
sinaliza a ausência de qualquer perspectiva para saídas democráticas e
constitucionais à crise institucional que se instalou no país desde as
eleições de 2014, agravando-se com o impedimento da ex-presidente Dilma
Rousseff, sem comprovação de crime de responsabilidade, e a controversa
prisão do ex-presidente Lula, marcada por um processo caracterizado pela
politização judicial[7]. Esses fenômenos não podem ser naturalizados e
refletem os caminhos tortuosos da vida política nacional.
A imprensa, dominada por oligopólios econômicos, atua em uníssono
como um partido político, a impor uma “verdade única” e a insuflar a
radicalização dos discursos de ódio. As redes sociais se transformam num
patíbulo.
O desrespeito à ordem constitucional levou membros das Forças
Armadas, na ativa, a desrespeitarem flagrantemente a lei[8] ,
manifestando publicamente suas posições políticas e partidárias.
O Supremo Tribunal Federal se transformou num campo de batalhas, exibidas em rede nacional, para o constrangimento geral.
O panorama eleitoral é dos mais complexos: projeções especializadas
dão conta que é alta a tendência, nas eleições deste ano, de manutenção
dos atuais ocupantes do Congresso Nacional[9], caracterizado pelo
conservadorismo[10] e por implementar uma série de reformas que maculam a
Constituição Federal de 1988.
Sob outra perspectiva, há uma clara estratégia de empoderamento
político-partidário de muitas igrejas evangélicas pentecostais e
neopentecostais e partidos ligados a elas para ampliarem suas bancadas
na Câmara e no Senado a partir de 2019.[11]
O quadro torna-se ainda mais complexo à medida que está cada vez mais
incerta a realização das eleições, previstas para outubro deste ano.
Nesse cenário, a tendência de um acirramento das disputas parece
evidente. Além do escandaloso contingente de homicídios no país (cerca
de 60 mil por ano, vitimando principalmente pobres, negros e jovens), o
número de ativistas executados nos últimos cinco anos já chega a 194,
sendo 20 apenas no Rio, segundo levantamento do jornal “O Estado de São
Paulo”. A União de Vereadores do Brasil informa que o número de
vereadores e de prefeitos mortos entre 2017 e 2018 já chega a 23. Estão
de volta os crimes políticos, a nos recordarem, entre outros
acontecimentos, os tempos sombrios da Ditadura.
Como é sabido, num país historicamente marcado pela aniquilação das
vozes que discordam do establishment, certamente serão os pobres, os
movimentos sociais e os grupos vulneráveis que padecerão da violência
estatal à medida que se aprofundam as crises política, econômica e
institucional.
Por isso, pensamos que a CNBB, tendo em vista sua história na luta
pelas liberdades democráticas e pela justiça social, é convidada a se
posicionar claramente sobre a situação política atual do nosso país, a
indicar à sociedade brasileira caminhos de superação da crise.
Está em jogo, no atual momento, o futuro da nossa Nação. Muitos podem
argumentar que a pior atitude da Igreja, com vista a agradar gregos e
troianos, seria a omissão. É fato que uma atitude profética sempre
implicará em riscos.
O medo e a paralisia que se abateram sobre muitas lideranças sociais e
políticas – e que trarão consequências perversas à vida do nosso povo –
poderiam ser enfrentados com corajosa atitude profética dessa
Conferência, nesse momento crucial da vida nacional.
Não poderia ser diferente. Terminamos essa modesta missiva com um
trecho da última exortação apostólica do Papa Francisco: “Não podemos
propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo,
onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às
novidades do consumo, ao mesmo tempo em que outros se limitam a olhar de
fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente. ” (Exortação
Apostólica Gaudete et Exsultate, 101).
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[1] De 11 a 20 de abril de 2018, em Aparecida (SP).
[2] Relatório de janeiro de 2018 da ONG Oxfam aponta que cinco
bilionários em nosso país têm a mesma riqueza que a metade mais pobre
dos brasileiros e os 5% mais ricos detém a mesma fatia de renda dos
demais 95% da população.
[3] CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2018: “A violência como sistema no Brasil”, pp 24-29.
[4] CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2018: “A ineficiência do aparato judicial”, pp 38-40.
[5] “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
[6] Nota sobre o momento nacional, de 21 abr. 2015; Nota sobre a PEC
241, de 27 out. 2016; Nota sobre a PEC 287/2016 (Reforma da
Previdência), de 23 mar. 2017; Nota pública contrária ao projeto de
reforma trabalhista, de 10 jul. 2017 e Nota sobre o atual momento
político, de 26 out. 2017.
[7] O jurista italiano Luigi Ferrajoli, um dos expoentes das teorias
do garantismo constitucional, escreveu sobre o tema. Confira no link a
seguir:
[https://rodrigocarelli.org/2018/04/07/uma-agressao-judiciaria-a-democracia-luigi-ferrajoli].
O livro “Comentários a uma Sentença Anunciada: o Processo Lula”, reúne
103 artigos, de 122 juristas, que apontam problemas e equívocos na
sentença do Juiz Sergio Moro, que condenou o ex-presidente Lula no caso
do tríplex.
[8] O decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, que regula o
comportamento de militares das Forças Armadas Brasileiras não permite a
manifestação pública, sem uma autorização prévia, sobre política.
Trata-se do item 57 do anexo sobre a relação de transgressões:
“Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja
autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.” O
texto foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
[9] “Câmara deverá ter um dos maiores índices de reeleição das
últimas décadas, projeta Diap”. Veja em:
[http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/camara-deve-ter-um-dos-maiores-indices-de-reeleicao-das-ultimas-decadas-projeta-diap].
[10] Segundo reportagem do jornal “O Estado de São Paulo”, de 06 de
outubro de 2014, “o aumento de militares, religiosos, ruralistas e
outros segmentos mais identificados com o conservadorismo refletem,
segundo o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, [que] o novo Congresso é,
seguramente, o mais conservador do período pós-1964″.
[11] “Evangélicos querem eleger 150 deputados e 15 senadores”. Fonte:
[http://www.valor.com.br/politica/5257923/evangelicos-querem-eleger-150-deputados-e-15-senadores-este-ano].
Veja, também: “Evangélicos querem Crivella presidente e bancada de um
terço da Câmara em 2018”. Fonte:
[https://jornalggn.com.br/noticia/evangelicos-querem-crivella-presidente-e-bancada-de-um-terco-da-camara-em-2018/].
ASSINAM:
Robson Sávio Reis Souza, professor e assessor de movimentos sociais e eclesiais.
Robson Sávio Reis Souza, professor e assessor de movimentos sociais e eclesiais.
Roberto Jefferson Normando
Coordenador Executivo do Observatório do Nordeste
Membro da Coordenação Regional do Setor de Pastoral Social da CNBB NE 2
WSCOM
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